Luca Bussotti
Alea iacta est, diziam os Romanos quando queriam assinalar que “o dado – simbolizando a sorte – foi lançado”. Em recentes declarações, Manuel de Araújo, edil de Quelimane e membro sênior da Renamo, lançou o famigerado dado, depois de dias de grande crispação com seu próprio partido. Araújo sentenciou a inutilidade dos partidos da oposição, em Moçambique, assim como eles estão organizados neste momento, propondo uma coligação – pelo menos eleitoral, se não política – para enfrentar os próximos pleitos eleitorais, autárquicas de 2023 e gerais de 2024.
Apesar das enormes dificuldades da Frelimo em gerir o país, neste momento a possibilidade de uma alternância no poder, em 2024, é praticamente nula. Com efeito, se a Frelimo é dilacerada por lutas intestinas cada vez mais acentuadas, o facto de este partido conseguir ficar unido, apresentando um candidato (ou uma candidata) razoável (ou até forte) nas próximas eleições, e com o controlo de toda a máquina eleitoral, ainda lhe garante a vitória contra as oposições. Tal certeza faz com que por dentro da Frelimo venham à tona contrastes políticos, mas sobretudo pessoais e relacionados com o poder económico, como visível mesmo durante o processo na BO sobre as dívidas ocultas. Em suma, a inoperacionalidade prática das oposições faz com que o partido de governo se conceda o luxo de mostrar de forma bastante aberta suas feridas e dificuldades de governação, uma vez que o êxito final da história é conhecido por todos.
Manuel de Araújo é uma figura política importante no cenário moçambicano. Ele tem adquirido fama de bom autarca, com ideias inovadoras, como as relativas ao transporte “alternativo” em Quelimane e não só, disposto ao diálogo e com boas relações com os doadores internacionais, principalmente ocidentais. Seu percurso político tem oscilado entre Renamo e MDM, e ultimamente as turbulências com o seu actual partido, a Renamo, vieram à tona de forma aberta e até inesperada. Por detrás destes contrastes, alguns observadores viram a ambição pessoal deste autarca, primeiro em querer recandidatar-se para o município de Quelimane, e, talvez, em 2024, para as presidenciais. Entretanto, este projecto, principalmente no que diz respeito ao segundo ponto, encontra entraves insuperáveis na liderança da Renamo. Daqui, segundo muitos, a tentativa de ruptura com Ossufo Momade e a procura de outras praias políticas para onde se apoiar, talvez o emergente Nova Democracia.
Entretanto, declarações mais recentes anularam, de facto, os confrontos entre Araújo e a Renamo (pelo menos nas intenções do edil de Quelimane). Numa entrevista à imprensa, Araújo tem lançado um desafio, invulgar para as oposições moçambicanas: ultrapassar a sua irrelevância – pelo menos a nível nacional – e unirem-se para concorrer com alguma possibilidade de vitória contra a Frelimo. O que está por detrás destas declarações não é fácil de dizer: tentativa de recomposição com a Renamo? Autocandidatura a uma futura liderança do bloco das oposições contra a Frelimo? Mera ambição pessoal? Vontade de excluir de forma suave as actuais lideranças, principalmente de Renamo e MDM, do jogo político que conta, procurando fora delas um candidato credível para competir contra a Frelimo? Talvez tudo isto, mas o que mais interessa não é a o que está por detrás da proposta do Araújo, mas sim o que está na mesa. E na mesa está uma ideia que, num país normal, as oposições já teriam feito há muito tempo: assim como a UNITA se juntou, em Angola, com mais dois partidos para formar a Frente Patriótica, com alguma possibilidade de pelo menos competir contra o MPLA nas eleições do próximo Agosto, assim em Moçambique – esta seria a lógica da proposta – a aliança das oposições poderia voltar a dar uma certa confiança no eleitorado hostil à Frelimo, mas que, nos últimos pleitos eleitorais, nem foi votar, devido à sua resignação.
É evidente que se a proposta tivesse vindo de um dos maiores partidos da oposição teria havido um peso político diferente, entretanto ela existe e quem a lançou foi um expoente de ponta do maior partido da oposição. Agora, as formações políticas que se opõem, dentro e fora do Parlamento, ao governo da Frelimo, têm duas possibilidades: calar (como, parece, a Renamo está fazendo, talvez em vista do seu Conselho Nacional), ou responder de imediato, como alguém no MDM tem feito. Neste último caso, a resposta foi de que o MDM tem a certeza de voltar a conquistar o município da Beira, portanto uma possível coligação entre todas as oposições não interessa. Nesta resposta é possível encontrar as razões da marginalidade política das oposições moçambicanas: a ambição do fundador do MDM, Daviz Simango, era de levar o partido a um patamar político de envergadura nacional. Ele estava a conseguir em 2009, quando os mecanismos de controlo da CNE por parte da Frelimo impediram que isso acontecesse, excluindo o MDM de 9 dos círculos eleitorais dos 13 disponíveis, limitando assim a ascensão deste partido novo a nível nacional. A partir daí, as dificuldades e até as limitações do MDM ultrapassaram a sua iniciativa política. A morte de Simango decretou o fim, na prática, do MDM como partido com ambições nacionais, preferindo esta formação política cultivar a sua pequena horta na cidade da Beira, ou em outros municípios mais pequenos no centro e talvez no norte do País.
Nesta perspectiva, é necessário que os partidos da oposição, iniciando pelo MDM e a Renamo, tenham claro quais são os objetivos para as próximas eleições e, talvez, um pouco mais para lá. Se Renamo e MDM tencionam manter as suas posições, governando algumas cidades, mas não havendo ambições de concorrer com a Frelimo para o governo nacional, nesse caso a resposta do MDM faz todo o sentido. Existem momentos de recomposição assim como momentos de ataque na luta política, e se calhar esta fase pertence à primeira das duas acima recordadas. Assim sendo, o ideal seria recompor as fileiras internas, iniciar a pensar na mudança geracional, e preparar os respectivos partidos para o turno eleitoral de 2028-2029. Vice-versa, se as oposições pretendem tentar um assalto sério ao poder da Frelimo, a estrada é a indicada pelo Araújo. O importante é ter clareza nos objectivos e transmitir tais ideias aos eleitores, de forma que eles possam escolher com plena consciência de que lado convém se posicionar nas próximas eleições.
Em suma, alea iacta est, e agora a bola (ou o dado) está com os partidos da oposição, que terão de dizer como vão querer abordar os próximos pleitos eleitorais: se como nobres testemunhas contra o poder da Frelimo, ou como sérios concorrentes para conquistar a liderança do país. Sair desta eterna ambiguidade é um acto de clareza e até de coragem que as oposições devem aos cidadãos moçambicanos, declarando qual o jogo estão a disputar.
Facebook Comments