- Comité Central “manda passear” plano de paridade
- Grupo tentou influenciar directiva que impõe 60% de continuidade e 40% de renovação
- Não há reunião de quadros desde 2016 e há uma tendência de afunilamento do debate
- Caso Samora Machel Júnior arquivado
A ala do Presidente Filipe Nyusi está a tentar impor uma transição geracional brusca e à cesariana no partido Frelimo. No último Comité Central que teve lugar, durante o fim-de-semana, na Matola, foram discutidas várias propostas de directivas para a eleição dos órgãos de base, distritais e provinciais, bem como os delegados ao XII Congresso, onde foram escolhidos os membros do Comité Central. Uma das propostas apresentadas e defendida pelo grupo que neste momento detém o poder era a revisão da actual directiva eleitoral, fazendo com que o número de membros eleitos para continuidade fosse igual ao dos eleitos para renovação (50% para casa), contrariamente aos actuais 60% continuidade e 40% para renovação, o que foi prontamente chumbado, com o receio de ser uma estratégia para tirar os “madalas”, ou seja, históricos da jogada, numa altura em que tem estado a despontar alguns jovens que se mostram bastante ambiciosos e astutos.
Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule
Contrariamente ao que era esperado, o último Comité Central do partido Frelimo foi marcado por um resfriar de ânimos entre os camaradas e confirmou-se a tendência de afunilamento do espaço de debate interno. O partido não realiza uma reunião de quadros desde 2016.
Com o XII Congresso à portas, muitos membros do partido preferiram abraçar o silêncio e não deixar explícita a sua posição no Comité Central, para não minar a possibilidade de continuar nos órgãos, se forem conotados com um certo grupo. É o regresso do teatro mudo e acentuação do lambebotismo.
Como tal, o Comité Central, cujo término estava previsto para o último Domingo, acabou terminando mais cedo, ou seja, na tarde de Sábado, sem aquelas explosões de debate e com os habituais apelos de coesão interna.
Mesmo assim, houve momentos de alguma troca de mimos entre as alas, sobretudo durante a discussão das directivas para a eleição dos membros do Comité Central ao nível das bases (conferências das células até a província) e dos delegados ao XII Congresso, órgão que irá escrutinar os membros do nível central ao Comité Central.
O artigo 29 dos Estatutos do Partido Aprovados pelo 11º Congresso, sobre a Continuidade e Renovação, estabelece no número 1 que a constituição dos órgãos do partido rege-se pelos princípios de continuidade e de renovação qualitativa e quantitativa.
Os termos são definidos em directiva eleitoral, que estabelece uma distribuição das vagas dando 60% a membros de continuidade, ou seja, que já fazem parte do órgão, sobretudo antigos combatentes, praticamente com lugar cativo e 40% para renovação, ou seja, para novos membros candidatos ao órgão.
É aqui onde mora o pomo da discórdia. Alguns camaradas ligados a ala Nyusi, que procura cimentar o seu controlo do partido para garantir a sua sobrevivência pós 2024, no calor dos debates, tentaram forçar a revisão da directiva que fixa 60% para continuidade e 40% para a renovação.
Ensaio de um golpe aos “Madalas”?
Os proponentes defendem a ideia de paridade entre os que entram e os que mantêm no órgão, ou seja, 50% continuidade e 50% renovação, para permitir o rejuvenescimento e a transição geracional no partido. A ideia é vista entre os camaradas como uma tentativa de golpe aos camaradas tidos como conservadores e que não vêem o partido com a mesma dinâmica com que alguns jovens que hoje detêm o poder no partido têm.
No entanto, a proposta acabou não obtendo adeptos na sala e caiu, mantendo-se a directiva que fixa 60 de continuidade e 40 de continuidade, o que pode ser uma grande derrota do grupo que está interessado num rompimento brusco com a geração de 1962, que neste momento é vista, em vários quadrantes, como a única reserva moral.
No número 2 do artigo 29 dos estatutos que serão revistos no Congresso, lê-se que “O partido reconhece o estatuto e valoriza a experiência dos seus membros, acumulada no desempenho de funções partidárias, nas organizações sociais e nas frentes económica, social e cultural”.
Nesse caso, ao limitar a renovação para apenas 40 por cento dos assentos, o partido procurava valorizar os seus membros que durante muito tempo deram o seu contributo em muitos campos. Mas parte destes são vistos como sendo conservadores e pouco leais a Filipe Nyusi e seus “meninos”, que neste momento detém o martelo.
Basta ver que dos três órgãos sociais, apenas a OJM é que parece mais empolgada com a ideia de mais cinco anos para Filipe Nyusi.
Neste momento, o órgão é composto por antigos combatentes, antigos dirigentes e membros influentes que, numa peneirada fifty-fifth, podiam ser relegados para fora do órgão colegial mais importante no espaço entre os congressos, tal como já aconteceu no passado
Candidatos a secretários ou secretário-geral passam a apresentar manifesto eleitoral
Harmonizadas que estão as directivas deverão arrancar nos próximos dias as conferências das bases, a partir da célula, passando pelo círculo, comité da zona, comité distrital e provinciais, que culminarão com a eleição dos primeiros secretários, membros do Comité Central a nível provincial e os delegados para o XII Congresso.
Uma das grandes novidades das directivas do partido, segundo apurou o Evidências de alguns corredores, é que os candidatos aos cargos de primeiros secretários deverão apresentar uma espécie de manifesto das acções que irão levar a cabo uma vez eleitos.
O mesmo critério passa a aplicar-se também no caso da eleição do secretário-geral do partido. Assim, caso tenha intenção de se reeleger, Roque Silva e os candidatos à sua sucessão terão de apresentar no Congresso de Setembro próximo os respectivos manifestos numa espécie de campanha, apontando aquilo que se propõem a fazer.
Caso Samora Machel Júnior arquivado
Depois de ter sido adiado sine die no Comité Central de 2019, a deliberação sobre o Caso Samora Machel Júnior havia uma expectativa de que na última sessão o assunto tivesse sido apreciado, depois do Comité de Verificação do partido, liderado pelo veterano Raimundo Diomba ter aberto um inquérito cujo relatório e decisões nunca foram públicos.
No entanto, mais uma vez, o famoso “Caso Samito”, cuja contestação resultou numa carta em que o filho do primeiro Presidente de Moçambique enxovalhou o actual Presidente do partido e do país, Filipe Nyusi, incluindo o actual secretário-geral, Roque Silva, a quem acusa de desvirtuar o partido, voltou a não estar na agenda, havendo quem acredita que o processo está arquivado ou em banho-maria para ser usado num momento de batalhas internas.
De resto abre-se um precedente, depois que Samora Machel Júnior tentou concorrer por um movimento cívico, desafiando a liderança do partido em 2018, na sequência do seu afastamento sem causa aparente da lista dos candidatos a candidato do partido para as eleições autárquicas de 2018.
Samora Machel Júnior, conhecido por uma postura mais reservada e, sempre que possível, longe dos holofotes, protagonizou, entre meados de 2018 e princípios deste ano, momentos polémicos que desafiaram, de certa forma, a estrutura do partido. Com razão ou não, facto é que em ambos episódios mexeu, de certa forma, com a figura do presidente do partido.
Tudo começa quando, na véspera das eleições autárquicas de 2018, convencido por seus apoiantes Samito, anunciou a sua intenção de concorrer a nível interno para ser o cabeça de lista da Frelimo na cidade de Maputo.
Em meio a um processo todo intransparente, a candidatura de Samora Machel Júnior, que contava, supostamente, com o apoio das bases, viria a ser chumbada, sem mesmo ser submetida ao escrutínio interno e sem nenhuma satisfação ao proponente.
Começava aí uma zanga deste com alguns membros do partido, como é o caso do então secretário do comité da cidade, Francisco Mabjaia, por não concordar com os critérios que ditaram o seu afastamento. Foi por essa razão que, numa atitude que não agradou à liderança do partido, acedeu ao convite da AJUDEM para encabeçar a sua lista na corrida à presidência do município de Maputo, pretensão que viria a ser gorada, desta feita, pelo CNE e pelo Conselho Constitucional, num jogo de secretaria que evidenciou a partidarização dos órgãos do Estado.
Depois deste processo conturbado, Samora Machel Júnior convocou a Imprensa para deixar ficar a sua insatisfação com a forma como foi gerido o processo que ditou o seu afastamento a nível interno, e deixou transparecer que estava de costas viradas com a liderança do partido. Isso foi aproveitado por um movimento popular que tentou apoiar a sua candidatura independente à Presidência da República, mas não avançou.
Desagradado, o partido instaurou um processo disciplinar contra Samora Machel Júnior e chegou a ser cogitada a sua expulsão, mas nunca passou disso.
Samora Machel Júnior chegou a ser notificado, em Fevereiro de 2019, para ser ouvido pelo Comité de Verificação do Partido Frelimo, dirigido pelo antigo combatente da Luta de Libertação Nacional e antigo governador da província de Maputo, Raimundo Diomba.
Na altura, Samora Machel Júnior respondeu à notificação por escrito e submeteu ao competente órgão do partido, alegando indisponibilidade, supostamente por motivos de saúde, adiantando que por orientações médica só poderia comparecer ao partido depois de Março. Estava-se a preparar, na altura (2019), um Comité Central que acabou sendo adiado por causa do impacto do ciclone Idai.
Pelo meio, Samora Machel Júnior voltou a causar alguns calafrios ao partido, com uma carta a Filipe Nyusi, que vazou nas redes sociais, antes de chegar ao destinatário, na qual apelava o PR à convocação de uma reunião magna, para discutir, sem reservas nem limitações, o estado actual do partido e do país.
Na missiva, Samora Machel Júnior, que chegou a sugerir a expulsão de Filipe Nyusi, criticou de forma aberta a liderança do partido e do país, bem como o envolvimento de altos quadros em escândalos de corrupção. Aliás, chegou mesmo a referir que o partido estava a viver uma crise profunda e, por isso, era tempo de se tomar acções decisivas e voltar a encarreirar o partido no caminho certo, ao lado do povo.
A sua exclusão, sem explicação, da corrida eleitoral para a escolha do cabeça de lista da Frelimo para as recentes eleições locais em Maputo, naquilo que interpretou como um “atropelo estatutário”, foi também um dos pontos que mereceu atenção na sua missiva.
Com os ânimos levantados, naquele ano, o Comitè Central só foi realizado em Dezembro, mas não houve sequer uma citação ao caso Samora Machel Júnior, que quanto mais o tempo passa fica a ideia de que está arquivado.