Luca Bussotti
Semana passada participei num seminário (o segundo), em Joanesburgo, em formato híbrido, relativo à preparação de um livro sobre a SADC e a “Sadcnização” nos países membros desta organização multilateral. Não muito conhecida pela opinião pública moçambicana, ela tornou-se central no debate dos últimos anos em razão da sua participação no conflito em Cabo Delgado, com a missão da SAMIM. Foi uma experiência muito boa, pois pesquisadores de vários países da SADC, nas diferentes áreas do saber, estiveram reunidos para finalizar os respectivos capítulos do livro que será publicado ainda este ano. Um livro que procura lançar conceitos novos, embora ainda meio tremidos, tais como “Sadcnização”, no sentido de querer favorecer a penetração das ideias, princípios e políticas de integração regional no seio dos vários Estados membros, inclusive Moçambique. Um projecto político com que podemos ou não concordar, mas que tem sua lógica, principalmente na crise actual em que estamos mergulhados, onde cada Estado, principalmente no contexto africano, terá enormes dificuldades em lidar com escassez de comida e energia e subida descontrolada dos preços, e não poderá sair sozinho desta situação, sem um relacionamento solidário e conveniente com os outros países vizinhos.
As limitações de organizações como a SADC são muitas, e bem conhecidas, entretanto, se a ideia dos Estados membros (e dos académicos) é de incentivar o caminho para a integração – uma integração que, vale a pena recordar aqui, foi decisiva, na altura dos Estados da Linha da Frente, para a obtenção da própria independência de Moçambique – será necessário que os investigadores tenham os instrumentos para levar a cabo suas pesquisas.
Desta vez, juntamente com um colega angolano, escrevi a parte da comunicação social de Angola, na sua cobertura sobre a SADC. Utilizámos um ponto de vista histórico, procurando encaixar a análise do discurso derivante da imprensa daquele país dentro da história da imprensa angolana… O resultado – em termos de acesso às fontes – foi extremamente complicado: jornais quase que inacessíveis, arquivos meio fechados e desorganizados, em suma, fontes de difícil acesso… Em Moçambique, a situação está um pouco melhor, mas não muito longe da realidade com que nos deparamos em Angola. Levantei esta questão na plenária, junto aos colegas que estiveram neste seminário, lançando um grito de alarme, que espero que possa ser considerado por parte de quem tem o poder decisório: se a SADC é importante hoje, e provavelmente será ainda mais importante amanhã, a construção de uma identidade comum dos povos que fazem parte da organização é uma etapa fundamental. E isto não se constrói com a imposição, a retórica, decisões de uma cúpula restrita de indivíduos que decidem para todos os outros. Estes processos demoram (a União Europeia docet), e uma das bases para a sua implementação é o conhecimento: conhecimento da história da integração regional na África Austral, de como ela é comunicada junto às pessoas, de quais os instrumentos mais eficazes para a sua afirmação e difusão, por exemplo, a instituição de organismos democraticamente eleitos, tais como um Parlamento, e por aí fora.
Actualmente, quase nenhum dos países da SADC está nas condições de garantir um acesso simples e regular às fontes de que os investigadores precisam. Se a SADC, nos últimos anos, tem-se caracterizado como organismo que visava construir a integração económica e a segurança da área (com resultados naturalmente discutíveis e opináveis), a implementação de medidas para garantir o conhecimento de um sentido comum de pertença não é menos importante. Sem a abertura e organização dos arquivos, a disponibilidade das fontes orais dos protagonistas da história da SADC, o acesso aos vários acordos multilaterais e bilaterais que os diferentes países têm assinado não apenas dentro da SADC, mas também com outros parceiros significativos e que influenciaram o desenrolar da história e da política desta região será difícil, senão impossível, edificar uma identidade comum e implementar aqueles valores democráticos que estão na base da fundação da SADC. Neste sentido, regulamentar o mercado do conhecimento e o acesso às fontes seria uma excelente ideia para avançarmos com o processo de integração regional. Da mesma forma, mecanismos de troca de estudantes e docentes, projectos de pesquisa adequadamente financiados e desenvolvidos de forma multilateral representariam um mecanismo ideal para “Sadcnizar” a região, envolvendo mais as partes vivas da sociedade civil dos países membros, tais como a academia, os centros de pesquisas, o mundo da comunicação.
Se isso será possível e viável ainda não podemos dizer, o que seria desejável é uma integração e circulação do conhecimento na região para permitir um processo um pouco mais acelerado de unificação identitária com bases mais sólidas e científicas, ultrapassando a retórica que ainda permeia o discurso da e sobre a SADC, mas que não ajuda na edificação de uma entidade política e institucional mais forte e capaz de ajudar os vários Estados membros nas suas múltiplas dificuldades e aspirações.
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