Num país em que os combatentes e seus dependentes gozam de infindáveis privilégios, incluindo pensões vitalícias e facilidade de acesso ao crédito, desde a independência, uma ordem de serviço emanada em Abril último, pela ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, veio deixar mais clara a linha que separa os moçambicanos normais e a classe de moçambicanos de primeira linha, que agora passam a ser prioritários nas vagas de emprego.
Evidências
É, diga-se, mais uma inovação da governação da Frelimo. A ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, deu ordens à secretária de Estado na província de Inhambane, Ludmila Mwaa Rafael Maguni, para dar prioridade aos filhos dos antigos combatentes nas vagas de emprego ao nível daquela província.
Através de um ofício datado de 29 de Julho, ordenou a Secretária de Estado daquela província para que desse prioridade aos filhos dos antigos combatentes nos sectores da educação, saúde, agricultura e administração estatal, o que, de certa forma, viola a Constituição da República.
“Neste contexto, solicito que no processo de admissão para o preenchimento de vagas nos serviços autorizados para o efeito (educação, saúde, agricultara e administração da justiça) sejam priorizados os dependentes dos combatentes”, lê-se no ofício assinado por Ana Comoane.
A ordem da ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, que foi emitida em 29 de Abril do ano em curso, e que estava a ser gerida com maior secretismo antes de cair nas redes sociais, já está a ser cumprida em alguns distritos da província de Inhambane.
Em Morrumbene, o Chefe do gabinete do Administrador, apoiando-se ao despacho do Administrador que também recebeu ordem da Secretaria do Estado, enviou um ofício ao Tribunal local, no dia 27 de Junho, para priorizar os filhos dos antigos combatentes nas vagas de admissão existentes naquela instituição.
O Ministério ainda não se pronunciou oficialmente, mas instruiu alguns comentadores que pululam pelas principais televisões do país, para defenderem a pertinência da medida, alegadamente porque os moçambicanos têm um dever eterno de gratidão aos combatentes e seus sucessores.
Sucede, porém, que os combatentes, tanto provenientes da Luta Armada de Libertação de Moçambique assim como os da Luta pela democracia, gozam de uma série de privilégios aprovados pelo Decreto n.º 68/2011, de 30 de Dezembro, que estabelece mecanismos de defesa e protecção dos direitos e deveres do veterano da luta de libertação nacional e combatente da defesa da soberania e da democracia.
Na referida Lei, que inclui também os cônjuges sobrevivos, órfãos e dependentes do combatentes, entre os benefícios constam bónus de participação, bónus de reinserção social, pensão de sobrevivência e facilidade de acesso ao crédito, sendo que algum deste crédito não é reembolsável.
Aos filhos dos combatentes, a lei estabelece condições para que os filhos dos combatentes possam ter prioridade no acesso ao ensino, na concessão de bolsas de estudo e isenção de propinas escolares nos estabelecimentos de ensino público. No entanto, em nenhum momento a lei fala de criação de facilidade para o provimento destes para vagas de emprego na administração pública, o que coloca em causa a legalidade da medida da ministra Ana Comoana.
Os partidos da oposição lutam incansavelmente para colocar o ponto final na partidarização do Estado em Moçambique e esta segunda-feira, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que nos últimos dias tem se mostrado bastante activo na fiscalização dos actos do governo, convocou a imprensa para condenar a posição da ministra.
“Temos que eliminar a existência do partido-Estado e essa eliminação passa necessariamente em termos uma administração pública apartidária e ao serviço dos moçambicanos”, sustenta Lutero Simango, presidente do MDM.
A Renamo, por sua vez, não se pronunciou oficialmente sobre a matéria, até porque estaria em conflito de interesses, pois a disposição da ministra Ana Comoana beneficia parte dos seus guerrilheiros que adquiriram o estatuto de combatentes.
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