- Greve do “chapa” reactiva memórias de 1 e 2 de Setembro de 2010
- Populares solidarizaram-se com “chapeiros” e entraram na greve
- Entre 2008 e 2010, incidentes idênticos levaram a uma violência sem precedentes
- Governo promete subsidiar quatro viagens diárias e instalar FAMBA nos “chapas”
As cidades de Maputo e Matola acordaram, esta segunda-feira, sem transporte e com alguns focos localizados de escaramuças protagonizadas por transportadores de passageiros, estranhamente apoiados por alguns populares em protesto contra a subida de combustíveis, o que fez ressurgir os temores da reedição da greve de chapas de 01 e 02 de Setembro de 2010. Alguns troços da Estrada Nacional número Um, entre Zimpeto e Benfica, chegaram a estar momentaneamente com o trânsito interrompido com barricadas, enquanto milhares de pessoas continuavam aglomeradas nas paragens a espera de transporte que nunca mais chegava e os poucos particulares e taxistas que se predispunham a “carregar” eram proibidos e violentados, o que obrigou a intervenção da polícia. No entanto, a situação acabou criando mais animosidade de tal forma que até os passageiros que estavam horas a fio à espera nas paragens entraram em confrontos com a polícia em solidariedade com os chapeiros e queixando-se do custo, o que mostra alguma saturação com a situação socioeconómica do país. No mesmo dia, houve também alguma agitação nas cidades de Chimoio e Inhambane, enquanto na Zambézia o comando provincial foi dado ultimato.
Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule
As cidades de Maputo, Inhambane e Chimoio acordaram agitadas esta segunda-feira. Os transportadores, numa marcha aderida por populares, estavam a protestar contra a subida de preços de combustíveis no último sábado, a terceira só na primeira metade deste ano.
A tradicional força de repressão policial, armada até aos dentes, foi surpreendida, e só umas horas depois é que começou a posicionar blindados nas ruas, praças, rotundas e entroncamentos. No meio de confrontos com manifestantes, foi obrigada a usar gás lacrimogénio e deteve aleatoriamente quem lhes aparecia pela frente.
Trata-se de uma manhã que mostrou o respaldo de uma fúria contida e reprimida por anos. Foi o transbordar do cansaço popular contra um governo cada vez incapaz de prover soluções, que encontrou na crise de transportes uma soberana oportunidade de esbanjar a fúria: paragens cheias com pessoas desesperadas em chegar ao trabalho, mas o grande modo desistia e voltava para casa, milhares de pessoas amotinadas no Zimpeto e imagens, nas redes sociais, a ilustrar um ambiente tenso em diversos pontos da capital. Foi o retrato do grande Maputo na manhã desta segunda-feira.
Um barril de pólvora chamado Maputo e Matola
Os transportadores estavam a protestar contra a subida de preços de combustíveis no último sábado. A terceira só na primeira metade deste ano, e para tornar as suas actividades sustentáveis, exigem o aumento de preços de transporte, e pela primeira vez, o povo pareceu estar do lado dos chapeiros.
Enquanto os transportadores de passageiros lideravam a manifestação, colocando tumultos nalgumas estradas, facto que afectou também viaturas ligeiras, grande parte da população aderiu a manifestação, o que indicia que a província e cidade de Maputo são um barril de pólvora à espera que alguém coloque o fogo no rastilho para que exploda.
Facto curioso é que, enquanto Maputo se agitava por causa do aumento elevado de combustíveis, os postos de Abastecimento de Combustíveis estavam vazios. Poucos pareciam estar dispostos a pagar 76 meticais pelo litro de gasolina e 78 pelo litro de diesel. Há quem diz que a meta é chegar a 100 meticais por litro, em todos os combustíveis.
A situação dos combustíveis não afecta somente os transportadores. O comércio, a indústria e a agricultura, hoje, têm os custos mais elevados, mas é no sector familiar em que os alarmes soaram rapidamente. O gás da cozinha está na casa dos três dígitos por kg, contra os 8,53 meticais por kg até princípios deste ano. Só para se ter uma ideia, a botija de 11 quilos, que antes custava 750 meticais, hoje, custa mais de 1200 meticais.
Isso pode explicar a razão da manifestação lançada pelos transportadores de passageiros ter sido aderida por populares ávidos em despejar a fúria. Foi o que a nossa reportagem assistiu, por exemplo, no Zimpeto, onde diferentes unidades da Polícia da República de Moçambique e da Polícia Municipal, armados até aos dentes, foram “vaiados” e quase que engolidos pelos manifestantes.
A tensão prevaleceu até às 13 horas, quando a situação começou a normalizar-se gradualmente. Às 14h, alguns transportes já funcionavam, mas com algumas restrições. Os transportadores semi-colectivos que operam de Albazine até Praça dos Combatentes terminavam em Magoanine. Mas sair da cidade continuava um martírio, até ao fim do dia de Ontem. Na noite desta segunda-feira, através de áudios postos a circular nas redes sociais, os chapeiros ameaçaram retomar a greve esta terça-feira, apesar das medidas anunciadas pelo governo.
Governo não aprendeu com as greves do passado?
Desta vez, a manifestação surpreendeu até a polícia que tem estado atenta aos focos de greve, que se mostra cada vez mais previsível devido ao aumento de custo de vida. Contrariamente às outras vezes, na manhã desta segunda-feira, sem prévio aviso, os chapeiros decidiram simplesmente agir e, por contágio, o povo quase reeditou os “estragos” de 1 e 2 de Setembro de 2010, curiosamente tendo como mote o mesmo problema, ou seja, a subida do preço de combustíveis, do chapa e do custo de vida.
A primeira manifestação violenta contra o custo de vida nas cidades de Maputo e Matola teve lugar a 05 de Fevereiro de 2008, tendo sido posteriormente replicada em várias cidades do país, causando algumas mortes e centenas de feridos.
Centenas de pessoas ocuparam os principais terminais de transportes, barricaram estradas e queimaram pneus, interrompendo o tráfego, enquanto alguns vandalizavam mercados e mercearias, saqueando produtos.
No mesmo mês, já no dia 25, os munícipes da cidade de Maputo, os chapeiros voltaram a paralisar os transportes de passageiros. A polícia usou a força para dispersar os manifestantes e várias detenções foram efectuadas.
Mas o ápice das manifestações contra a subida do custo de vida viria a ser a greve de 1 e 2 de Setembro de 2010, que eclodiu nas cidades de Maputo e Matola, tendo sido replicada por quase todo o país, culminando não só com a paralisação generalizada de transportes, como também com um enorme saldo de destruição de bens.
“Moçambicano, prepara-te, no grande dia de greve, 01/09/10, reivindicaremos sobre a subida de preços: de energia, água, arroz e pão. Envia para outros moçambicanos. BOA NOITE”. Esta foi a mensagem que circulou nas redes sociais e por sms, convocando cidadãos a aderirem às manifestações contra o aumento do custo de vida no país.
Até o princípio da manhã daquele dia 01 de Setembro, a polícia chamava o movimento de “tentativa de manipulação do cidadão”, reforçando que não era uma manifestação legalmente programada e autorizada. No entanto, a situação ganhou contornos alarmantes quando várias secções das principais estradas, incluindo a EN1, em Maputo e Matola ficaram cortadas por barricadas e pneus a arderem, o que imediatamente instalou o caos.
Machibombos da empresa TPM e outros carros de particulares que se fizeram à estrada foram vandalizados. A polícia foi obrigada a usar gás lacrimogéneo e balas de borracha para conter manifestações, mas a fúria popular foi tanta que só no segundo dia é que a greve chegou ao fim. Era o povo cansado, a expressar a sua fúria nos moldes mais veementes possíveis.
O desgaste de quem perdeu um dia
Foi uma segunda-feira longa para quem queria chegar ao serviço: Judite Matsinhe chegou ao terminal da T-3 por volta das seis horas, mas até às oito horas continuava na fila, na esperança de apanhar o transporte para o seu local de trabalho. Contudo, para o seu azar, viu os carros da rota Museu – T3 a arrumarem perante o olhar impávido do efectivo policial que foi destacado para travar qualquer tentativa de manifestação. Com nervos à flor da pele, Matsinhe viu-se obrigada a abandonar a fila para tentar a sorte nos carros particulares, mas devido aos preços aplicados decidiu voltar a casa.
“Os chapeiros decidiram paralisar as suas actividades e quem paga a factura é o povo. Os que madrugaram conseguiram chegar à cidade porque havia carros que estavam a carregar, mas agora tudo está parado. Não temos outra opção senão voltar a casa, podia até caminhar, mas tenho problemas nos pés. Tentei recorrer aos carros particulares, mas os 50 meticais que cobram são proibitivos para mim”, disse a fonte, para depois apontar o dedo ao Governo devido ao elevado custo de vida no país.
“Desde que foi despoletado o escândalo das dívidas ocultas, o custo de vida tende a agravar-se em Moçambique. O Governo não faz nada para aliviar o sofrimento do povo, mas quando chega o tempo das eleições fazem promessas, para depois não cumprir. Os governantes roubam e no final o povo é que sofre. O Estado deve criar políticas para conter o custo de vida, porque ninguém vai sobreviver com esta tendência de subidas”.
Augusto Mate tinha uma consulta marcada para às 10 horas no Hospital Central de Maputo. Contudo, foi obrigado a gazetar por falta de transporte. Mate aponta que os chapeiros têm razão em paralisar as suas actividades porque os preços dos combustíveis estão insuportáveis.
“É pela terceira vez que o Governo aumenta o preço do combustível. Nas primeiras duas, os chapeiros não reajustaram a tarifa do transporte público de passageiros e agora esta recente subida está a exigir o aumento. Penso que eles têm razão, porque os carros precisam de combustível para andar e conseguir receita exigida pelos patrões. Infelizmente, não tenho como chegar ao hospital porque os carros estão paralisados. O Estado deve criar políticas para o sector dos transportes, porque o povo está a sofrer, enquanto aqueles, que se dizem empregados do povo, andam de carros de alta cilindrada”.
Paula Albino caminhou de T-3 para Patrice na esperança de apanhar o transporte para o seu local de trabalho, mas debalde as suas aspirações transformaram-se em sol de pouca dura, uma vez que se deparou com o mesmo cenário que deixara na T-3. Conformada com a paralisação dos transportes, Albino não viu outra opção além de voltar para casa.
“Pensava que fosse apenas na Zona Verde e T-3 que tinha problemas de chapas, por isso caminhei até Patrice, mas o cenário era o mesmo. No Patrice havia carros que queriam carregar, mas foram impedidos por outros transportadores que haviam estacionado os seus carros à espera da resposta do Governo. Infelizmente, tive que voltar para casa. Só espero que a situação seja resolvida, porque dependemos dos chapeiros para ir trabalhar.
Facebook Comments