- Curso do primeiro regimento misto de forças especiais não chegou de arrancar
- Formandos foram enviados a Cabo Delgado sem nenhuma explicação
- Deviam ter encerrado em Junho, mas ninguém diz nada de concreto
- Companhia da UIR marchou de Pundanhar a Palma a exigir presença de BR
- Apertado pelo Evidências, Comando Geral diz “que curso oportunamente irá decorrer”
Ainda paira na memória de alguns moçambicanos atentos o discurso triunfalista do comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, no passado dia 11 de Novembro de 2021, quando anunciou o fim do crime organizado durante o lançamento do curso do Primeiro Regimento Misto das Forças Especiais e de Reserva, incluindo a Primeira Companhia Anti-raptos, que devia ter sido encerrado em Junho último. No entanto, passados mais de oito meses, o referido curso ainda não arrancou e os jovens previamente seleccionados para aquela formação de especialização, que devia ter sido ministrada por ruandeses, foram enviados para Cabo Delgado em Janeiro, sem nenhuma explicação, depois de quase dois meses aquartelados na Escola de Formação de Forças Especiais de Macandzene, sem receber nenhuma instrução. Durante meses, os pais e familiares ficaram sem contactos com os filhos, na esperança de que estavam na instrução, enquanto estavam nas matas. A situação fez com que parte dos formandos que estavam estacionados em Pundanhar, na companhia da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), entrassem em greve e só foram devolvidos a Maputo após marcharem até Palma exigindo falar com Bernardino Rafael. Contactado pelo Evidências, depois de negar num primeiro momento, o Comando Geral admitiu que o curso não chegou a ser leccionado, limitando-se a informar que “está a ser reorganizado, oportunamente irá decorrer”.
Reginaldo Tchambule
Tudo começou em 11 de Novembro de 2021, quando com pompa e circunstância BR anunciou o curso do primeiro regimento misto das Forças Especiais e a primeira companhia anti-raptos, que seria ministrado por formadores ruandeses e moçambicanos, e devido à complexidade dos conteúdos, uma parte dos agentes teria instruções fora do país.
“Tanto o terrorismo assim como os raptos são crimes que criam terror, portanto não há nenhuma diferença; criam terror aos moçambicanos, metem medo, afastam o desenvolvimento e o investimento no nosso país. Os raptos criam terror nas famílias, sobretudo na classe empresarial. Esta formação é para responder aos actuais desafios que o país enfrenta e para cumprir com as orientações de suas Excelências o Presidente da República, Comandante-em-Chefe das Força de Defesa e Segurança (FDS), na qual determinou que as FDS devem capacitar-se, adequar-se e melhorar a sua forma de actuar no combate ao terrorismo, ao tráfico de drogas e aos raptos, crimes que, neste momento, criam desordem na sociedade moçambicana”, garantiu na altura Bernardino Rafael.
O curso daquele regimento da força de elite da PRM, que devia ser especializada no combate ao terrorismo, raptos, tráfico de drogas e seres humanos, teria duração de seis meses, ou seja, até ao fim do primeiro semestre deste ano esta força já devia estar ao serviço do país, mas debalde.
A promessa inicial feita por BR durante o lançamento, num evento onde curiosamente estiveram presentes instrutores ruandeses, que, no entanto, nunca mais foram vistos, era de que os grupos seriam divididos por dois centros de formação, sendo que o primeiro ia receber instrução na Escola de Formação de Forças Especiais de Macandzene, no distrito da Manhiça, província de Maputo, e o segundo seria formado na Escola de Formação de Sargentos da Polícia e Escola de Sargentos de Polícia (ESAPOL) Tenente General Oswaldo Assahel Tazama, em Nhamatanda, província de Sofala, Centro de Moçambique.
“Esta é uma força policial e quem dirige é o Comando-Geral, mas, quando agem, fazem em grupo. A ferramenta que vão adquirir é para servir o Estado moçambicano, exclusivamente aos moçambicanos honestos e não aqueles que pensam que podem continuar a raptar e extorquir cidadãos nacionais e fazer fugir os investidores.
Depois do lançamento do curso nunca houve nenhuma formação
Haviam sido seleccionados para o curso agentes recém-graduados nos cursos de Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial; Polícia de Fronteira e Unidade de Intervenção Rápida, esses dois últimos que têm como um dos requisitos de admissão uma instrução básica militar.
Após a apresentação, os candidatos ao curso de Forças Especiais da polícia ficaram aquartelados por um período de um mês na Escola de Formação de Forças Especiais de Macandzene aguardando pelo arranque da instrução. No entanto, sem nenhuma explicação, o tempo foi passando até terminar o ano de 2021 sem que o curso tivesse iniciado.
“Ficamos todo ano passado. Praticamente era só acordarmos, sentar e bater papu”, relatou ao Evidências uma das fontes, para depois relatar que no dia 05 de Janeiro houve instrução para que o grupo fosse gozar 15 dias de férias.
No seu regresso, os formandos foram surpreendidos com uma nova ordem de que deviam apresentar-se nos respectivos comandos provinciais, tendo imediatamente sido enquadrados na escala normal de serviço, sem que fosse dada alguma explicação.
No final de Janeiro, os candidatos foram recolhidos e enviados para ESAPOL, em Nhamatanda, Sofala, com a promessa de que o curso estava prestes a iniciar, mas novamente ficaram aquartelados sem fazer nada por semanas.
“Quando nos apresentamos nos deram aquela escala normal, sem nenhuma explicação. Em finais de Janeiro começaram a recolher e nos mandaram para Nhamatanda, na escola de sargentos. Levaram primeiro o grupo da UIR, que pertence ao regimento misto, para Cabo Delgado e depois os restantes grupos”, denunciou uma das vítimas, que diz não saber o que dizer aos pais que todo este tempo pensavam que estava a terminar o curso de forças especiais.
Enviados a Pemba para uma parada com o comandante e para depois parar no TON
Na verdade, segundo Evidências apurou, a partida do último grupo de Nhamatanda a Cabo Delgado foi em Março, quando receberam um comando para participarem, por uns dias, de uma parada com o comandante-geral, Bernardino Rafael, na cidade de Pemba.
“Quando saímos de Nhamatanda disseram que vocês hão-de voltar, o comandante-geral só quer ter uma formatura com vocês e depois voltam”, disse uma outra fonte, denunciando que “chegados lá as coisas viraram de cabeça para baixo e nunca se cumpriu nem as promessas de rendição”.
Já em Pemba, os candidatos ao curso de forças especiais foram levados à 10ª subunidade localizada em Pemba, onde no mesmo dia receberam armas e da boca do BR receberam orientações para reforçarem algumas companhias do Teatro Operacional Norte, com a promessa de que era para clarificar a situação.
“No mesmo dia que chegamos a Cabo Delgado fomos até a 10ª subunidade e nos deram armas. O Bernardino apareceu e disse que ‘só vão estar aqui por um curto tempo, só para finalizar, até Junho não deve se falar mais de terrorismo aqui’. Garantiu que haveria um sistema de rendição”, relata os agentes revoltados.
Porém nenhuma das promessas foi cumprida e até hoje parte do grupo continua nas matas de Cabo Delgado a combater o terrorismo, sem saber quando será rendido e muito menos se voltará à Escola de Formação de Forças Especiais de Macandzene para iniciar com o curso prometido pelo comandante-geral.
Jovens devolvidos a Maputo depois de marcharem de Pundanhar à Palma
Em resultado da falta de uma explicação clara e incumprimento de várias promessas feitas aos formandos, aquando da parada em Pemba, uma companhia da Unidade de Intervenção Rápida, que estava em Pundanhar, entrou em greve e marchou de Pundanhar até Palma, exigindo falar directamente com o comandante-geral, Bernardino Rafael, por terem sido supostamente enganados.
O comandante da companhia tentou debalde demover a fúria dos jovens, mas estes desacataram as suas ordens, exigindo a presença de BR, por entenderem que lhes deve explicações sobre o ponto de situação do curso e a razão de não se cumprir a escala de rendição.
Para que a manifestação não afectasse os restantes colegas, o Comando Geral acabou dispensando os grevistas para regressarem às suas origens, com a indicação de que voltarão ao teatro operacional dentro de dois meses.
Comando-geral diz que o curso arrancará oportunamente
Em Maputo, o curso já fazia parte do passado e nem mesmo no Comando Geral ninguém mais se lembrava da promessa de Bernardino Rafael, de que até Junho o país teria primeiro regimento de Forças Especiais e primeira Companhia Anti-ráptos. Pelo menos é o que disse, num primeiro momento, o porta-voz do Comando Geral, Orlando Mudumane.
Quando contactado pela equipa do Evidências, Mudumane tentou desvalorizar o assunto de várias maneiras e perante a insistência da nossa reportagem declarou: “não tenho informação”, mostrando alguma arrogância.
Inconformado, o nosso jornal insistiu para que este articulasse internamente sobre o assunto com os outros sectores, com vista a termos uma resposta mais elaborada e o esforço resultou. Na tarde desta segunda-feira, mais tolerante, o porta-voz do comando geral encerrou todas as dúvidas com um discurso curto: “Boa tarde! O Curso está a ser reorganizado, oportunamente irá decorrer”.
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