Despesa pública e propostas russas

OPINIÃO

 Luca Bussotti

 

Fora dos boatos mais ou menos credíveis temos, agora, a situação oficial das contas do Estado, actualizadas ao primeiro semestre de 2022. Tais dados podem ser encontrados no relatório do Balanço do Plano Económico e Social e do Orçamento do Estado. Os elementos principais a serem destacados são os seguintes:

1.      Comparativamente ao ano passado, as despesas aumentaram de 6,6%;

2.      Comparativamente ao ano passado, as despesas no pessoal aumentaram de 4,2%, com incremento de 3,5% para os salários do pessoal e 22,9% nas demais despesas para o pessoal;

3.      Os juros externos cresceram de 35,1% em relação ao ano passado;

4.      O Estado já gastou mais de 55% da dotação anual em transferências correntes (+6,9% com relação a 2021); tais despesas devem ser atribuídas, segundo consta no relatório, às maiores transferências a autarquias, embaixadas, pensões, entre outras; Vice-versa, as transferências correntes às famílias reduziram de 0,2%.

Este breve quadro representa uma parte de como as disponibilidades financeiras do Estado estão sendo gastas e quais as perspectivas para o segundo semestre deste ano. Acima de tudo, ficou claro, lendo o relatório, que o Estado gasta cada vez mais dinheiro, e cada vez mais dinheiro com relação aos recursos de que dispõe. Com efeito, se anos atrás tinha sido iniciada uma política de contenção de custos, agora esta política não está a se manifestar. Esta circunstância resulta muito grave, se se pensa que o Estado moçambicano tem uma dívida pública elevada, que já ultrapassou 100% do PIB, ou seja, de quanto o país está em condições de produzir. Esta tendência não é nova, pois ano passado também registou-se um incremento neste sentido. Dentro desta tendência, as despesas para o pessoal tiveram uma incidência considerável, com um incremento concentrado no item das “demais despesas” para o pessoal: um item que, fora dos salários, deixa muitas perplexidades sobre a forma de gestão da função pública, e que resulta dificilmente fiscalizável, diferentemente dos vencimentos. Estando numa condição de fraca confiança diante a comunidade internacional, os juros cresceram de forma muito importante, agravando assim os recursos passivos necessários para sustentar a viabilidade da gestão pública. Finalmente, as transferências correntes de tipo institucional incrementaram, em detrimento às transferências às famílias. Poderia isto dizer que as famílias – sobretudo as menos abastadas – estão a receber menos apoio financeiro por parte do governo, ao passo que instituições descentralizadas e embaixadas estão a receber mais. Uma opção, esta, que risca de meter em grande dificuldade muitas famílias, que já hoje não conseguem chegar até o fim do mês.

No meio desta situação económico-financeira, a proposta do Embaixador russo em Maputo foi tempestiva e aliciadora. O diplomata do Moscovo lançou a ideia de que o Estado moçambicano, que tantas dificuldades está a encontrar neste momento de forte crise, poderia comprar os combustíveis de que precisa diretamente da Rússia, pagando em rublos. E deixando, consequentemente, de lançar concursos para importar os combustíveis.

A proposta é aliciante porque o mercado russo é certamente mais barato do que o mercado internacional, principalmente ocidental, cujas empresas energéticas geralmente ganham estes concursos. Entretanto, existem dois entraves muito relevantes, que induziram, de momento, o ministro Carlos Zacarias a ganhar tempo: por um lado, existem elementos procedimentais. A importação de gás e petróleo é feita mediante concurso público aberto, em que o governo acaba escolhendo a proposta melhor do ponto de vista económico, mas também a mais confiável do ponto de vista da capacidade de garantir um abastecimento contínuo e sem interrupções da matéria-prima. Por outro lado, razões políticas aconselham Maputo para reflectir muito bem antes de aprovar a proposta russa: diante do cenário de finança pública acima descrito, o Fundo Monetário Internacional anunciou há poucas semanas que vai retomar o apoio a Moçambique. Com uma guerra em curso entre Rússia e Ucrânia (apoiada pelas potências ocidentais), a aceitação da proposta avançada pelo Embaixador russo soaria como desafio e até provocação aos parceiros ocidentais de que Moçambique ainda precisa. Ao mesmo tempo, porém, o risco é de que possa haver um pioramento do balanço público, de forma a que poupar dinheiro para comprar combustível tornar-se-ia um elemento-chave para conter os prejuízos.

O dilema dos próximos meses poderá ser justamente este: abrir as portas de forma definitiva à Rússia de Putin, ou continuar na linha de uma neutralidade com preferência para os parceiros ocidentais? A situação social, financeira e política dirá em breve qual das duas opções o governo de Moçambique irá escolher.

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