Levando os desafios científicos fora da capital

OPINIÃO

Luca Bussotti

 

Não é comum que uma instituição ainda não muito grande e em devir como o Instituto Superior de Gestão e Empreendedorismo Gwaza Muthini organize encontros científicos. E ainda menos comum é convidar alguém que vive fora do país para tornar o encontro um evento internacional, realizado porém longe da capital Maputo ou da sede central da instituição (neste caso em Marracuene). O encontro a que fui convidado no passado dia 11 de Agosto teve estas características: em Xai-Xai, na delegação da Gwaza Muthini, durante todo o dia, conseguimos dialogar com os estudantes e os colegas daquela instituição, que pela primeira vez puderam participar num evento científico internacional.

Os temas rondavam a volta de um pressuposto unívoco: que a pesquisa é um desafio, principalmente num terreno complicado como o moçambicano. Os vários oradores convidados pelo organizador do evento, o Prof. Doutor Custódio Cuco, docente a tempo inteiro da instituição, se debruçaram sobre temáticas dos desafios da pesquisa, da gestão do ensino superior, dos estudos em contabilidade, auditoria e economia e da propriedade intelectual e industrial. Se juntaram a este primeiro encontro em Xai-Xai cerca de 40 presentes entre estudantes e docentes. Erradamente, minha expectativa era de encontrar alunos pouco participativos e interessados, mas felizmente assim não foi. Desde a primeira intervenção, por sinal a minha, sobre desafios da pesquisa em Moçambique, a plateia iniciou a participar de forma activa, mostrando – principalmente os finalistas, portanto os estudantes do terceiro e do quarto ano dos vários cursos da instituição – uma atenção que, em outras circunstâncias, por exemplo em Maputo, não verifiquei.

Apesar das grandes dificuldades de meios e de experiência, os desafios assinalados por parte dos estudantes foram de extrema importância e interesse: acima de tudo, o acesso às fontes. Trata-se de um assunto muito delicado e até sensível em Moçambique, quer no que diz respeito às fontes orais, quer às escritas, ou seja, a disponibilidade de ver documentos em arquivos públicos e em princípios abertos para consulta. As fontes orais manifestam, em várias circunstâncias, receio e medo diante do investigador que pretende colocar questões inerentes à pesquisa que está a desenvolver. Entretanto, os estudantes que intervieram já tinham focalizado o caminho a percorrer: um caminho que não tem receitas preestabelecidas, mas que visa conseguir as informações necessárias conhecendo previamente o terreno, construindo redes informais e de confiança com o pessoal que terá de ser entrevistado, usando uma postura não só honesta, mas humilde para com os nossos interlocutores. O terreno de pesquisa é como o terreno a ser cultivado: é uma machamba que diariamente precisa ser cuidada, regada, observada…Só assim é que poderá dar os frutos desejados. No mesmo diapasão, o terreno de pesquisa não pode constituir um “morde e foge”, principalmente em contextos rurais ou semirrurais, onde os tempos do diálogo prévio se tornam fundamentais para o bom desenvolvimento da nossa pesquisa.  

Outra questão levantada foi a do acesso aos arquivos: apesar de muitos arquivos serem públicos, principalmente nas províncias, seu acesso é muito dificultoso, tornando o trabalho de pesquisa difícil e desnecessariamente demorado. Neste caso, deveria se evitar o recurso a amigos ou familiares para ver documentos que, do ponto de vista legal, deviam ser acessíveis, mas que não se sabe para que tipo de procedimentos de autocensura se mantêm bem engavetados e quase que secretos. A mentalidade de funcionários excessivamente zelantes deve mudar radicalmente, e este processo deve iniciar a partir dos chefes das instituições que conservam os documentos, em diálogo permanente com as instituições académicas e de pesquisa.

O encontro de Xai-Xai foi decisivo para que os estudantes fixassem um conceito fundamental: o conceito do tempo. A pesquisa precisa de tempo, paciência e humildade, assim como de ouvidos atentos a captar não apenas as palavras, mas as impressões, os silêncios, as acções dos nossos interlocutores. E precisa de ainda mais tempo para situarmos o que vamos estudar em Moçambique dentro de contextos mais gerais, pois Moçambique não é uma ilha, e deve ser enquadrado no seio de processos cada vez mais globais e interconexos. É este tempo que teremos de dedicar à parte de enquadramento teórico, que representa uma das partes mais complexas do trabalho académico.

Foram esses os desafios principais de que falamos em Xai-Xai, juntamente com muitos outros que colegas especialistas levantaram, sempre com uma boa participação dos estudantes presentes. É preciso louvar a iniciativa da Gwaza Muthini como instituição, e ainda mais o interesse demonstrado por parte dos estudantes…Este exemplo dá uma ideia de que, com um pequeno esforço, é possível discutir, dialogar e trocar de ideias e experiências com jovens engajados na pesquisa científica. Os resultados poderão ser também satisfatórios, mas só se o ambiente circunstante favorecerá a curiosidade dos jovens investigadores que pude encontrar em Xai-Xai… E se calhar poderá ser este o maior desafio.

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