Carlos Camurdine: De amigo do PR a “refugiado” num país “seguro” para investir

DESTAQUE POLÍTICA
  •         Camurdine, Manish Cantilal, Rizwan Adatia, Anifo Osman, entre outros abandonaram o país
  •         Apesar de abandono em massa, Governo continua a negar cooperação para acabar com os raptos
  •         Ahmed Anwar foi última vítima da quadrilha dos raptos e continua em cativeiro

Após fugir do país, depois de ter pago um milionário resgate para sair do cativeiro, na sequência de um rapto a que foi vítima, o empresário moçambicano, Carlos Camurdine, dono da empresa líder em distribuição de bebidas, Socimpex, amigo do Presidente da República, Filipe Nyusi, e padrinho de Jacinto Nyusi (filho mais velho do PR), parece estar disposto a fazer a sua vida fora de Moçambique. Como tal, acaba de comprar um luxuoso hotel na cidade de Lisboa, em Portugal, do grupo Fonte Cruz Hotels, a um custo de 42 milhões de euros. Camurdine, que tem estado a alastrar seu império de investimentos para fora do país, junta-se assim a um número cada vez maior de empresários moçambicanos e não só que fugiram do país após serem raptados e obrigados a pagar resgate, para além de uma taxa diária de liberdade, o que sugere fracasso das autoridades na luta contra a indústria de rapto, que prospera graças à robustez dos seus autores, que não temem nem em tocar nos amigos de Nyusi.

Fuga de capitais e investidores nacionais e estrangeiros é a consequência palpável dos efeitos dos raptos que têm assombrado principalmente os empresários de origem asiática perante a inoperância das autoridades que vêm assumindo compromissos que não passam de qualquer promessa política.

Em Novembro de 2021, o comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, animou os moçambicanos com o anúncio do início do curso da Primeira Companhia Anti-Rapto. No entanto, tudo não passou de mais uma promessa vaga das várias que nunca chegaram a se efectivar. O curso nunca arrancou e os jovens foram enviados sem o seu próprio consentimento para Cabo Delgado.

Enquanto isso, as várias subunidades da PRM, incluindo forças de elite e de inteligência interna, mostra-se incapazes de dar uma resposta cabal aos raptos, que a cada dia que passa vão mostrando cada vez ousadia dos raptores, o que deixa os investidores na insegurança, fazendo com que alguns prefiram arrumar as malas e partirem do país para investir noutras praças consideradas seguras.

O caso mais recente é do empresário Carlos Camurdine, que foi destaque na semana passada, na imprensa portuguesa, por ter adquirido uma unidade luxuosa do grupo Fonte Cruz Lisboa Hotel, localizado na Avenida da Liberdade, por 42 milhões de euros. Carlos Camurdine é um dos destacados empresários de Moçambique, dono da loja de vinhos Socimpex.

O empresário de 63 anos, amigo pessoal do Presidente da República e padrinho de um dos seus filhos, ocupou manchetes dos jornais no país quando foi raptado em 3 de Abril de 2019, por três homens armados à saída do seu estabelecimento, no centro de Maputo. Acabou libertado cerca de dois meses depois, após o pagamento de um resgate.

A seguir a este episódio, abandonou o país devido à insegurança, e seus novos investimentos em Lisboa indiciam as novas opções no percurso de empresário. Mas ele não está só. Mais empresários abandonaram o país desde que os raptos começaram a se registar com mais frequência, gerando um consenso a nível empresarial de que a indústria dos Raptos está a afugentar o empresariado.

São os casos, por exemplo, de Manish Cantilal, com algumas fontes a avançarem que está em Londres, Anifo Osman, Rizwan Adatia, entre vários outros que sucumbiram na mão dos meliantes e desinvestiram no país ou passaram a gerir remotamente os seus investimentos.

É que o pesadelo das vítimas dos raptos não termina com o pagamento do resgate. Elas continuam a ser perseguidas pelos meliantes e obrigadas a pagar a taxa de liberdade face a incapacidade de as autoridades de ordem garantirem a segurança dos cidadãos.

Numa das suas edições, o Canal de Moçambique referiu que alguns empresários da capital continuam a constar na planilha da “taxa de liberdade”, cobrada pela quadrilha dos raptos, para que não voltem a ser enclausurados ou seviciados.

Da reestruturação da Socimpex à novas apostas

Evidências apurou que mal conseguiu colocar os pés fora do país, Camurdine começou a rever a sua carteira de investimento e, como resultado, reestruturou a Socimpex no ano passado, desfazendo-se de parte das suas acções, um acto que já sugeria a intenção do empresário desinvestir no país.

Em Lisboa, o hotel de cinco estrelas está numa das mais caras avenidas da capital, e foi inaugurado em 2012, naquela que foi a estreia internacional da cadeia Fontecruz Hotels, com sede em Toledo. O hotel conta com 72 quartos, um jardim interior, um clube de fitness e um restaurante. A compra foi em Junho passado, mas já trouxe mudanças à sociedade que detém o hotel, a Hotel Project Lisboa.

Com a compra, Camurdine passa a presidir ao lado de Yasmin Camurdine (sócia na Socimpex) como vogal, o empreendimento antes dos espanhóis Julio Ortega Zurdo, Diego Ortega Martin (CEO) e Julio Hugo Martin Ortega renunciaram aos cargos que tinham no Conselho de Administração.

Consuma-se assim a nova fase da vida de um homem que foi sempre próximo da família Nyusi, e que além de amizade com o Presidente da República é padrinho de Jacinto Nyusi (filho mais velho), mas nem isso foi suficiente para se sentir seguro no país.

Governo recusou proposta da comunidade muçulmana para trazer a Interpol

O Estado, através das Forças de Defesa e Segurança, concretamente do Comando Geral da PRM e do SISE, criou, no passado, uma equipa denominada Brigada Anti-rapto, uma força que se supõe que seja especializada para esclarecer este tipo de crimes, mas não chegou a ter nenhum resultado palpável.

É por isso que há alguns anos, preocupada com o recrudescimento do crime organizado, sobretudo raptos, a comunidade muçulmana reuniu-se com as autoridades moçambicanas para discutir uma saída para este problema.

Na ocasião, membros dessa mesma comunidade prontificavam-se a pagar dinheiro para que a Interpol, através da sua força especializada, pudesse entrar no país e apoiar as Forças de Defesa e Segurança, com vista a estancar o fenómeno.

Apesar de reconhecer o sofrimento das famílias, a frequência dos raptos, com o número de sequestrados a crescer, o que faz com que muitas famílias de empresários deixem de residir em Moçambique, e ainda que os empresários reduzam seus investimentos na pérola do Índico, o Estado moçambicano não aceitou, até hoje, a entrada da Interpol para trabalhar nesta matéria, o que é encarado por alguns sectores como sintomático de que uma eventual investigação poderia destapar muita sujidade e possivelmente o envolvimento de gente graúda no negócio.

Enquanto as autoridades não reagem, a CTA (Confederação das Associações Económicas de Moçambique) já veio a público anunciar que vários empresários abandonaram o País devido aos sequestros.

“O fenómeno dos raptos coloca Moçambique na lista dos países pouco atractivos ao investimento em diversas indústrias, mas também inseguro para a atracção turística com que muito se tem sonhado”, observou na altura aquela agremiação.

Através do seu Pelouro de Segurança e Protecção Privada, destacou que o abandono de empresários e investidores devido ao clima de insegurança causado pelo fenómeno dos raptos tem estado a causar aumento do desemprego e outros efeitos colaterais, tais como aumento do índice de criminalidade, crescimento da economia informal e impacto directo na redução do pagamento de impostos no país.

O último rapto foi nas barbas do sector castrense

Em Julho passado, foi raptado Ahmed Anwar, dono do Hotel Royal, perto da sua casa na Sommershield II, em Maputo, mais concretamente nas imediações da residência oficial do Comandante Geral da Polícia e do Director Geral do SISE. Anwar regressava de uma Mesquita quando foi interceptado pelos seus raptores.

O bairro está rodeado de agentes da Polícia e do SISE, para além de guardas privados. O que mostra a robustez da indústria dos raptos. Consta que, nos últimos dias, testemunhas notaram a presença de pessoas estranhas nas imediações, suspeitando-se de agentes da chamada Unidade de Intervenção Rápida, o braço de choque da força policial moçambicana (UIR), que também é responsável pela proteção de altas individualidades do Estado. Dois meses depois, Anwar continua em cativeiro e são escassas as informações sobre o estágio dos esforços para o seu resgate.

É caso para dizer que nem ser amigo do presidente ou nem estar próximo às autoridades policiais influencia na segurança, pelo contrário, aumenta a exposição.

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