Alexandre Chiure
De repente parei para pensar sobre o valor que um moçambicano tem no estrangeiro em comparação com outras nacionalidades. É que tenho estado a acompanhar notícias em que compatriotas são violentados em alguns países vizinhos e a reacção de quem tem a responsabilidade de defender os cidadãos, neste caso o governo, está aquém do que se pode esperar.
Às vezes, esse mesmo governo, quando decide abrir a boca, alinha nas condenações, o mesmo que faz um simples cidadão ou organização da sociedade em pleno exercício de cidadania.
O assunto morre assim mesmo como tantos outros morreram. Morre com os governados deste país a sonharem com um Estado a agir à medida da sua grandeza, usando todos os mecanismos possíveis para atacar a questão, a exemplo de canais diplomáticos ou governamentais para exigir explicações sobre o sucedido.
Não pretendo ressuscitar os mortos para que nos venham contar o quanto moçambicanos são maltratados e humilhados na África do Sul. Há o caso badalado do jovem taxista, Mido Macia, que foi algemado na parte traseira de um carro por agentes da polícia sul-africana e o arrastaram, provocando-lhe ferimentos graves que lhe levaram à morte.
Não quero igualmente levantar um novo debate sobre o assunto no seio dos familiares do jovem, que na altura ficaram com a sensação de que o governo moçambicano teria uma atitude diferente, que não fosse de uma simples condenação e acompanhamento do julgamento dos polícias envolvidos no assunto.
Não pretendo ainda acordar fantasmas para reconstituírem os factos relativos ao caso de polícias sul-africanas que largaram cães e atacaram violentamente moçambicanos algures na terra do rande.
Sei que nos dois casos aqui relatados os agentes foram presos e responsabilizados. Isto é o que competia fazer da parte do governo e da justiça sul-africano. Alguém se lembra do que o governo moçambicano fez para mostrar ao mundo o quanto valoriza os seus cidadãos?
Talvez ninguém se lembre porque a sua acção não foi daquelas contundentes e à altura de um país. Uma acção do estilo “não toque nos meus cidadãos, senão há-de se ver comigo”.
Acabou por ser, e como sempre, uma reacção que não deixou marcas ou lembranças nos corações dos moçambicanos, facto que abre espaço para que qualquer um maltrate moçambicano no estrangeiro.
Alguém pode dizer que estes assuntos são antigos. Sim, até são, e os processos relacionados com eles estão arquivados, mas o trauma que provocaram nas nossas mentes não vai desaparecer nunca.
Puxei estes dois episódios para o meu texto, nesta minha reflexão sobre o valor do moçambicano além-fronteiras, como podia ter feito com tantos outros casos que servem de exemplo de que estamos num salve-se quem puder na luta pela sobrevivência na terra dos outros.
Quando mais de 100 famílias moçambicanas deslocadas em Malawi na sequência da depressão tropical Ana, idos da província da Zambézia, estão a viver em total abandono, sem o que comer e cobrir, pode-se ter a ideia da gravidade do assunto.
Quando há um acidente numa mina sul-africana e as autoridades que lidam com os assuntos dos mineiros moçambicanos não sabem se há ou não compatriotas nossos nessa companhia mineira, dá para perceber tudo. Significa que alguma coisa está a falhar.
É impressionante como os governos dos outros países prestam atenção aos seus cidadãos na diáspora até ao mínimo detalhe. Em caso de alteração da ordem num país, tudo fazem para evacuá-los ou proporcioná-los todo o apoio possível.
Os americanos, os portugueses e tantos outros fazem isso. Um gesto muito bonito de amor ao cidadão do seu país, carregado de uma forte mensagem de que apesar de estarem longe do país, estamos de olho em vocês.
Será que numa situação dessas Moçambique pode fazer isso? Duvido. Pelo contrário, o governo reza para que fiquem lá, alegadamente porque não tem o que lhes dar em termos de emprego. Basta dizer que não há dinheiro para o assunto ficar arrumado, mas há roubos sistemáticos de milhões de meticais do erário público e ainda não vi o Estado moçambicano a entrar em falência.
Aqui em Moçambique, houve momentos em que os americanos, por questões de segurança, eram aconselhados pela sua embaixada a não voarem nas Linhas Aéreas de Moçambique, numa das fases da sua crise. Tal facto constava no conjunto das recomendações que eram feitas a todos aqueles que desejavam visitar o país.
Maltratar ou matar, por exemplo, um cidadão americano num país pode significar um problema sério para o governo desse mesmo país. Os cidadãos americanos sentem-se, por isso, protegidos e valorizados pelo seu país, independentemente de onde estejam a viver ou a trabalhar.
As autoridades portuguesas decidiram, um dia, não permitir que os angolanos conduzissem em Portugal com a carta de condução do seu país. O governo de Angola, ao tomar conhecimento do assunto, fez o mesmo em relação aos portugueses no seu país. Estava em causa a defesa dos seus cidadãos. Moçambique seria capaz de fazer isso? Duvido muito. O normal seria lamentar de boca fechada e pronto.
Um acidente de viação ocorrido algures em Moçambique só é notícia em Portugal, por exemplo, se entre os mortos ou feridos existir um ou mais cidadãos portugueses. Como correspondente do Diário de Notícias de Lisboa, estou consciente disso. Até podem ter morrido 10 ou mais pessoas nesse sinistro rodoviário, a notícia não passa.
Quando um desportista português ganha uma prova internacional, todos os cidadãos lusos unem-se a essa causa. A comunicação social portuguesa faz eco da explosão de alegria do país inteiro. Bombardeiam o mundo com essa informação durante dias, principalmente através dos seus canais de televisão.
Infelizmente, nós próprios como moçambicanos não temos amor à pátria. Não sabemos valorizar o que é nosso. Conhecemos melhor os jogadores estrangeiros do que os nossos. Falamos mais dos campeonatos europeu, espanhol e inglês do que propriamente de Moçambola que nos diz respeito.
Exaltamos o que é dos outros em prejuízo do que é nosso. Vimos ucranianos a viverem noutros países, a largarem tudo e regressarem ao seu país para ajudar a defender a sua pátria invadida pelos russos. Duvido que um moçambicano fosse capaz de tomar uma decisão igual.
Temos a guerra de Cabo Delgado contra o terrorismo. No lugar de ingressarem no exército, dezenas ou mesmo centenas de jovens reforçam o inimigo para destruírem o seu próprio país e matarem seus irmãos, tios, primos, amigos, vizinhos e atrasarem o desenvolvimento.
Moçambique ganhou, recentemente, o campeonato regional de boxe realizado na capital do país. Ao que se viu, não se fez muito barulho com a vitória. São muito poucas as vezes em que o país conquista, numa prova internacional, sete medalhas de ouro. Mas, mesmo assim, não fomos capazes de fazer o furor com isso, com a excepção do canal de televisão onde trabalha o próprio presidente da Federação Moçambicana de Boxe, Gabriel Júnior, o que é, no mínimo, muito triste.
Vejam só. Quando Cristiano Ronaldo ganha bola de ouro, Portugal pára. Há um barulho ensurdecedor. A notícia sai em tudo que é canto e com grande destaque. Mas das vezes em que a sorte recaiu sobre o outro jogador, como por exemplo o argentino Lionel Messi, a mesma notícia fica tão pequenina que não se consegue notar. Está em causa, não necessariamente o facto de Ronaldo ser um craque mundial de futebol, mas, sobretudo, porque é um português que foi distinguido.
São coisas destas que juntas fazem a diferença na forma como um país trata os seus cidadãos. Diria que os moçambicanos são iguais a cidadãos de quaisquer países em termos de valorização se tivessem o mesmo tratamento, carinho e atenção que os outros recebem dos seus governos. Às vezes parece que são órfãos de pai e mãe.
Costuma-se dizer que nos tempos do Presidente Samora Machel, o moçambicano tinha um outro estatuto no mundo. Era tratado com muito respeito. O segredo é que ele não admitia brincadeiras. Que alguém maltratasse cidadãos do seu país.
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