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Injecções indiscriminadas e arbitrárias? Não, obrigado!

Afonso Almeida Brandão

Desde há uns tempos a esta parte que parece haver uma avidez em resolver todos os problemas que confrontam a civilização moderna por via de injecções indiscriminadas e arbitrárias e, o que é pior, precipitadas e irreflectidas. Sejam estas ao sistema financeiro, monetário, empresarial ou até ao nosso corpo humano, tudo se resume a injectar com carácter urgente e salvacionista, sem ter em conta se o recurso a este mecanismo deve ser tão vulgarmente e corriqueiramente usado, e sem, — e o que é mais grave —, um conhecimento profundo das suas mecânicas e, sobretudo, das suas implicações numa perspectiva de médio-longo prazo, por parte de quem o executa, incentiva e até censura os outros, por estes não aderirem à tão fabulosa panaceia.

O importante é agilizar e não pensar muito nisso, não vão as conclusões obtidas interromper o processo ou levantar reticências e relutâncias à continuidade do desiderato comum, e sempre bem intencionado, que tomou conta de todos nós, nos mais diversos “métiers” e que está na base paradoxal e caricaturalmente das situações que temos vivido e dos inúmeros problemas que iremos continuar a enfrentar daqui para frente, resultado de uma sobredosagem e de uma ausência de moderação no recurso a este instrumento.

Se não, vejamos. Falta dinheiro num banco moçambicano qualquer? Injecção já. A economia não está bem e há reservas em relação à capacidade de solvabilidade e solvência dos compromissos da dívida soberana ou de outro tipo de dívida? Injecta também (não falamos, claro, nas Dívidas Ocultas).

As empresas estão a apresentar problemas ou falta de receita devido aos confinamentos que ocorreram? Injecta massivamente capital. Existe um novo vírus, que não se sabe muito bem o que é, nem de onde veio ou começou, mas que se pode tornar pandémico face ao histórico observado? Por via das dúvidas, injecta para salvaguardar. Não há tempo a perder…

uma nova variante de Covid que ainda não se sabe muito bem o que é? Pelo sim, pelo não, vai mais uma dose. A gripe está a chegar e existe o receio de contágios? Mais uma injecção, podem até ser tomadas em simultâneo para amplificar o efeito esperado, dizem eles.

Tem sido este o ritmo e a tendência que tem pautado as soluções para todos os problemas dos Moçambicanos – a injecção – em tudo o que existe e mexe, o resultado ou consequências que dessas atitudes irreflectidas advier vê-se e soluciona-se depois, já que o objectivo é retomar a vida que outrora tínhamos, qualquer que seja o método. O importante é retroceder até àquele tempo colectivamente idealizado e pacato, onde aparentemente éramos tão felizes, não admitindo qualquer desvio ou obstáculo que nos impeça de lá regressar, independentemente da corrupção, dos desvios e dos roubos “à fartazana”… e ninguém vai preso.

Este é o denominador comum que subjaz a todas estas situações, a pressa voraz e patológica, mas nada lógica, de resolver o quanto antes uma situação potencialmente perigosa ou ameaçadora que paira sobre a nossa frágil concepção de civilização e segurança colectivas, impelindo-nos a acção célere e apressada, resumida pelo acto de injectar desalmadamente para que possamos estar tranquilos e certos que impedimos danos mais graves.

Se esta atitude tem criado com alguns remendos e alguma paz de espírito, ainda que momentânea, no curto prazo, no médio-longo prazo tem-se revelado verdadeiramente desastrosa, deteriorando e destruindo bem mais do que compõe em várias ordens: seja através da desvalorização monetária por via do acréscimo desmesurado de unidades em circulação nos países, face ao valor produzido pela economia real, traduzido na abismal inflação em que estamos actualmente envoltos, seja por via da irreflectida e leviana injecção de capitais massivos a bancos que não dão qualquer prova de vir a ter capacidade de se reestruturarem ou serem válidos e úteis à Sociedade em que se inserem, seja a injecção de capitais em empresas cuja viabilidade económica é questionável, ou onde não existe um modelo de negócio bem estruturado, como é o caso de tantas empresas — das quais a LAM é a que mais se tem destacado pela negativa —, seja porque cada vez mais pessoas acabam em unidades de cuidados intensivos, ou adoecem subitamente, com inúmeros efeitos secundários, terciários e em alguns casos permanentes, fruto dessas mesmas injecções (já que para ser categorizada como uma vacina, seriam precisos não apenas mais estudos, como também mais tempo de verificação com uma amostragem bem maior).

Enfim, uma obsessão visceral e constante em injectar como mecanismo de resolução de todos os males e desafios que nos assola, tem sido o “leit-motiv” de toda esta “mise en scène” coreografada ao milímetro, em que a visão de curto prazo é o roteiro que lhe dá o mote.

É nesta constante e permanente sala de chute que a Humanidade passou a viver viciada na sua própria condição, sem a qual já não passam e requerendo cada vez mais doses e com mais frequência, uma vez que os vários organismos que as recebem já se habituaram e estão totalmente imunes aos seus efeitos a curto prazo, desprezando ou minorando os contínuos e preocupantes avisos que têm tido quando se apercebem, com o distanciamento temporal suficiente, que toda esta fantasia eufórica e sensação de bem estar momentânea transforma-se rapidamente e cumulativamente num pesadelo, com o qual não temos ferramentas para conseguir lidar.

A fuga constante da dor pelo prazer que tem norteado todas as políticas e revestido as mais diversas acções, está hoje a bater à porta violentamente a todas as sociedades que se vêem a braços com situações cada vez mais penosas por resolver, sem que estas tenham histórico ou meios que lhes permitam resolver rapidamente o grande imbróglio onde se envolveram de forma voluntária, por via do facilitismo e da leviandade com que actuaram sobre sistemas extremamente complexos e sobre os quais pouco ou nenhum domínio têm, embora gostem de afirmar o contrário para nos tranquilizar o que tem acontecido em Moçambique, verdade seja dita.

Se existe hoje verdade comummente aceite entre todos nós, mesmo aqueles que ainda não o tenham conseguido admitir por teimosia, medo ou até apatia e que é resultado da nossa própria empírea, é que as injecções sempre tomadas de ânimo leve e apressadas têm estado na base da complexa situação em que todos, sem excepção, nos encontramos, quer seja no âmbito de saúde pública, quer seja a um nível económico ou outros. Por isso mesmo, antes de continuar a fazer da injecção e do seu acto a nossa primeira opção perante qualquer adversidade que se nos apresenta deveria ser olhar com alguma desconfiança para todas as soluções fáceis, sob pena de nos colocarmos numa posição ainda mais difícil daquela em que estávamos, quando achámos colectivamente que aquele acto aparentemente neutro seria uma boa ideia. E até para a semana, Leitor Amigo!

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