O significado político das eleições italianas

OPINIÃO

Luca Bussotti

A opinião pública da lusofonia, incluindo Moçambique, tem prestado muita atenção às eleições brasileiras; anteriormente aconteceu a mesma coisa com Angola e, em pequena escala, com São Tomé e Príncipe. Entretanto, na Europa – além das eleições na Suécia, com resultado bastante surpreendente – decorreram as eleições legislativas na Itália, um país com fortes laços com Moçambique e que sempre teve um papel de vanguarda nos processos políticos europeus e até mundiais.

O primeiro dado comum a estes processos eleitorais é que as oposições ganharam: é verdade que em Angola isso não aconteceu de forma completa, mas também não se pode afirmar que a UNITA não teve um excelente desempenho. Foi provavelmente a falta de transparência do processo eleitoral – assinalada por muitos observadores internacionais – a determinar a vitória (com pouco mais de 51%) do MPLA, que portanto conseguiu manter a presidência na pessoa de João Lourenço. No Brasil, Lula está à frente de Bolsonaro, e dia 30 de Outubro ele é o favorito para ascender ao Planalto de Brasília, ao passo que em São Tomé e Príncipe também o partido ADI, liderado por Patrice Trovoada, na passada legislatura na oposição, ganhou o processo eleitoral. Na Itália aconteceu a mesma coisa: o único partido que tinha ficado fora da grande coligação que apoiava o governo-Draghi, Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália) ganhou as eleições, juntamente com seus aliados da direita, a Liga de Salvini e Forza Italia de Berlusconi, que entretanto cederam grande parte do seu eleitorado a Fratelli d’Italia, que conseguiu 26% dos votos a nível nacional.

A primeira consideração a fazer é que, num período de crise e instabilidade como o que estamos a viver neste momento, quem governa sai a perder. Este discurso não é válido para países com democracias controladas, como Angola e Moçambique, mas o é para democracias mais maduras, como no caso de Brasil, Itália ou, numa dimensão menor, São Tomé e Príncipe. A ideia que estas eleições trouxeram é de que quem não satisfazer o eleitorado é punido nas urnas, portanto é preciso saber governar para conseguir a confirmação eleitoral. O outro aspecto que estas eleições têm demonstrado é de que a política está cada vez mais assumindo características contingentes, sem um olhar de médio e longo prazo, que até tempos relativamente recentes constituía o elemento talvez fulcral das contendas eleitorais. O recurso à ideologia já não funciona: no caso italiano o partido de Giorgia Meloni tem evidentes raízes neo-fascistas (até no seu próprio símbolo), ao passo que a Constituição italiana se fundamenta no princípio do anti-fascismo. Entretanto, a campanha levada a cabo pelos partidos de centro-esquerda, focada em chamar a atenção contra o perigo do “retorno ao fascismo” não surtiu os efeitos desejados. Os eleitores mediram as várias propostas consoante outros elementos (muito complexos), deixando de fora a questão ideológica.

O aspecto que provavelmente foi decisivo na vitória de Fratelli d’Italia foi a coerência (ou suposta tal): este partido sempre esteve na oposição, ao longo da legislatura passada, e principalmente contra o último governo liderado pelo economista e homem da finança, Mario Draghi. Um governo de salvação nacional a que praticamente todos os outros partidos tinham aderido, mas que – no imaginário dos eleitores – esteve demasiadamente ligado com os “poderes fortes” da Europa e com um posicionamento demasiadamente aderente ao americano na questão da guerra russo-ucraniana. O partido de Giorgia Meloni saiu fora deste aparente unanimismo político, distinguiu-se em termos de posicionamento (embora jurando fidelidade ao atlantismo e à NATO), e sobretudo procurou delinear três princípios aparentemente banais, mas eficazes: pátria, família, religião. Três elementos “fortes”, mas ao mesmo tempo vazios, em termos de significados, pois nada dizem em termos de conteúdo: qual pátria, por exemplo? Aquela dos italianos “de gema”, ou dos milhões de italianos, mistos e estrangeiros, africanos em primeiro lugar, que vivem no solo nacional, trabalhando e contribuindo diariamente ao crescimento do país? Qual família? Aquela “tradicional” (violada na vida privada dos três líderes da direita italiana, Giorgia Meloni, Matteo Salvini e Silvio Berlusconi, com uma história diversificada de separações, filhos fora do casamento e escândalos sexuais de vária natureza), ou aquela plural, que as instituições europeias reconheceram há muito tempo e sobre a qual dificilmente o novo governo da direita poderá voltar atrás? E qual religião? Aquela instrumentalizada em vários comícios de Matteo Salvini e até de Berslusconi, e estigmatizada em muitas circunstâncias por expoentes de ponta do Vaticano, ou aquela laica estabelecida pela Constituição, sem fazer da pertença religiosa um ponto de mérito da convivência civil e política?

Na vitória da direita italiana existem muitos elementos de populismo, fora dos méritos de uma coligação que se apresentou unida diante dos eleitores, diferentemente do que aconteceu do lado do centro-esquerda. E esta vitória pode ter um significado político geral: a Itália foi o primeiro país a passar pelo fascismo, quando Mussolini, em 1922 assumiu o poder, tornando-se modelo para Hitler e outros ditadores, como Franco e Salazar. Foi também o primeiro país ocidental a aderir à proposta populista de Silvio Berlusconi, em 1994, que depois contribuiu para determinar a ascensão dos populismos contemporâneos, como os de Trump, Bolsonaro e outros. E foi o primeiro a ver a afirmação nítida da direita neo-fascista num país de tradição democrática, a que, provavelmente, outros seguirão na Europa Ocidental.

A partir de agora, vai-se abrir uma disputa subtil, mas extremamente importante para o futuro da Itália e de toda a Europa: será o “sistema” capaz de englobar e neutralizar as tendências anti-democráticas do partido de Giorgia Meloni, assim como foi feito em 2018 para o partido de Beppe Grillo, o Movimento 5 Estrelas, que perdeu grande parte da sua natureza populista a anti-sistema, tornando-se um partido “normal”? Ou será Fratelli d’Italia a transportar a vida civil italiana num terreno de restringimento das liberdades fundamentais, de intolerância para com as diferentes minorias que existem no país, de securitização do Estado? A esta questão só será possível responder nos próximos meses, analisando a governação da primeira mulher a liderar um executivo na Itália, Giorgia Meloni.

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