Alexandre Chiure
Predispus-me, nestes dias, para pensar um pouco em ti, com muito carinho e, acima de tudo, com respeito e consideração, pois, na idade em que te encontras, mereces toda a atenção deste mundo, em particular dos teus amigos, como eu, que te conhecem desde a tua adolescência.
Sei que te vais zangar comigo porque não é o teu apanágio aceitar críticas quando não enveredas pelo caminho adequado. Acredito que há quem, dos politicamente correctos, te vai agitar de modo a me considerares teu inimigo, que não sou e nunca serei. Dir-te-ão que não comungo dos teus ideais, mas dos da oposição.
Há muitos indivíduos, cuja amizade partilhamos, que gostariam de te dizer algumas coisas, mas não reúnem coragem bastante para se manifestarem. Têm medo de ser mal vistos ou interpretados. É a massa crítica que se formou graças a ti, como costumas dizer. Preferem permanecer impávidos e serenos, a modos de “laisserfaire, laisserpasser”.
Mesmo correndo tal risco de ser incompreendido, mas gozando da amizade que nutro por ti há muitos pares de anos, vou manifestar tudo o que eu sinto por ti. Não consigo engolir mais sapos. Chegou a hora de fazer os meus desabafos e aliviar o meu espírito. Se quiseres, podes ignorar-me. Não há problema.
Sabe, amigo Frelimo, estou triste, muito triste mesmo, com o que vem acontecendo contigo. Noto que, quanto mais cresces, mais transmudas a tua forma de ser e estar na sociedade. Já não emanas aquele sorriso e o carinho com que sempre brindaste os teus amigos.
Deixaste de ser cuidadoso na selecção das tuas amizades. Qualquer um pode ser preterido do teu círculo de relações próximas. Aliás, alguns inscrevem-se a membros, com o intuito puro e simples de garantirem o seu pão de cada dia. Por isso, há, hoje, entre os nossos amigos em comum, aqueles com os quais não me identifico. Pessoas cuja amizade não devias nunca ter aceite, dada a sua conduta na sociedade.
Já não ouves os teus melhores amigos. Não admites que alguém te critique. Mesmo que a crítica venha de pessoas com as quais ombreaste na arena política e cresceram ideologicamente, tendo como mote o saber amar a pátria. Estás a ficar cada vez mais arrogante e irreconhecível. Já te apercebeste disso?
Pareces ter a tendência de te fazer rodear dos que te bajulam. Viste o que aconteceu no congresso? Adulações que nunca mais acabavam. Os que te censuram não têm lugar no pódio. É lamentável.
Por incrível que pareça, os bajuladores queimaram uma boa parte do tempo no congresso a prestar vassalagem ao grande chefe. Tempo que devia ter sido aproveitado para abordar assuntos úteis, como discutir problemas que apoquentam as populações, designadamente o terrorismo, a crise humanitária causada pela guerra em Cabo Delgado e Nampula (província que acolhe presentemente mais de 160 mil deslocados).
Preferes viver enganado do que descortinar a verdadeira face das adversidades, com vista a delinear estratégias correctas e atacá-las frontalmente. Os críticos são considerados detractores ou apóstolos da desgraça. Quando alguém não merece a tua simpatia, não tem outra sorte que não seja a de que se assassine o seu carácter.
Frelimo, meu amigo, às vezes pergunto-me: “Como é que, de repente, mudaste tanto assim?” Tu ensinaste-nos a lutar contra o nepotismo, o amiguismo e o regionalismo, mas permites que alguns dirigentes integrem os seus filhos nos órgãos sociais do partido, como é o caso do Comité Central, sem mérito nenhum, preterindo os filhos de operários e camponeses.
Estou espantado e, acima de tudo, preocupado, quando permites que os órgãos do partido, como o Comité Central e a Comissão Política, sejam vulgarizados. Quando alguns chegam ao CC ou à CP através da compra de votos muda tudo. O que mais dói a nós teus amigos é que alguns deles se acham “mais Frelimo” do que a própria Frelimo.
Na Frelimo de Samora Machel ser membro de Bureau Político, hoje Comissão Política, e mesmo do Comité Central, era algo muito sério. Não era qualquer um que merecia tal honra. Tinha de ser uma pessoa com muita vivência, militância e política, e ideologicamente madura e comprometida com os interesses das populações. Hoje, contam-se com os dedos de uma mão os que têm este perfil. Muitos deles estão preocupados em cuidar do seu umbigo.
Fernando Faustino, presidente da ACLIN, levantou, no congresso, a necessidade do regresso à crítica e autocrítica dentro do partido. Mostrou-se contra o nepotismo e regionalismo que reina no seio do partido. Ninguém ligou a importância ao que ele disse. Fizeram-se ouvidos de mercador.
Frelimo, meu amigo, não acredito no que estou a ver. Custa-me aceitar que este comportamento te possa ser imputado. Como é que convocas um congresso que mais se parece com um festival do que outra coisa, para danças, cânticos, saudações e bajulações, no lugar de privilegiar o debate de ideias?
Sabes, Frelimo, meu amigo, defraudaste as expectativas de milhões de moçambicanos que esperavam muito de ti. Não te esqueças que tens responsabilidades acrescidas sobre o país, porque és tu quem está a governar.
Afinal, onde aprendeste essa maneira de fazer democracia, em que os membros do partido, com quotas em dia, não se podem candidatar livremente e têm que ser indicados por ti para o fazerem? Como é possível que haja corrupção, manipulação e tanta falta de transparência em processos eleitorais internos? És tu mesmo que deixas isso acontecer? Não acredito.
Quem te ensinou que fazer eleições internas com candidatos únicos é democracia? Onde é que queres chegar com essa maneira de fazer as coisas? Bem, tu é que sabes, mas eu, como teu velho amigo, não te aconselho a seguir essa linha. Estás a fazer-te desacreditar e a tirar o brilho ao processo.
Acreditas que saíste do congresso mais coeso do que antes, mesmo depois da Graça Machel ter retirado a sua candidatura a membro do Comité Central, alegando que não valia a pena mantê-la se não puder falar? Eu acho que não. Esta atitude da antiga primeira-dama representa o sentimento de alguma ala dentro do partido. Tens que te preocupar com isso.
Achas, também, que o partido está mais unido do que antes depois de isolar e combater Castigo Langa? Mesmo depois de Armando Guebuza abandonar a sala quando era altura de conferir posse a Nyusi como presidente reeleito do partido? Eu não partilho do mesmo ponto de vista. Eles são o rosto de algum descontentamento no seio dos camaradas. No lugar de ignorares, devias ficar profundamente preocupado com tais sinais.
Por ser teu amigo, não vou deixar de te chamar à atenção quando não pautas por uma postura aprumada. Vou criticar-te duramente. Fazer o papel de quem te conhece desde 1975, quando trouxeste a independência. Vou, sim senhor, cair-te em cima quando saíres dos carris, porque te quero bem. Se me levares a mal e me prejudicares por isso, paciência. Será o preço da nossa amizade.
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