Paz e conflitos na perspectiva de Afonso Dambile

OPINIÃO

Luca Bussotti

Não se trata de um novo autor, mas sim de um investigador experiente, com já quatro livros publicados. Todos eles vertem sobre Moçambique, como espaço geográfico, como lugar em que é preciso gerir as diferenças, como nação multicultural a ser pensada e repensada e, finalmente, como território à procura da paz. Sair dos conflitos. Por uma Antropologia da Paz é a última obra deste autor, que foi lançada semana passada, no Instituto Superior Dom Bosco, em Maputo, e que teve a honra de apresentar juntamente com o dr. Dambile.

Desta vez, o autor nos leva para um caminho um pouco distante daquilo que se costuma perspectivar com relação à questão da paz em Moçambique. Com efeito, sobretudo nos últimos anos – desde quando começou, em 2017, o conflito no norte do país – a chave de leitura principal para acabar com a guerra em Cabo Delgado foi de tipo político-militar. Em muitos tentaram identificar o rosto dos terroristas, as razões da insurgência, o papel do Estado, assim como dos outros Estados vizinhos, a influência dos grandes investimentos de gás e das multinacionais estrangeiras. Todos os assuntos, estes, dignos de serem investigados; entretanto, a obra de Dambile não aborda a questão fundamental da paz e dos conflitos em Moçambique sob a óptica político-militar. A sua abordagem é essencialmente filosófica, procurando desvendar como é que o homem – pelo menos no território moçambicano – sempre foi empenhado em levar a cabo guerras e conflitos, negligenciando a procura da paz. Segundo Dambile, com Hobbes, o homem é um animal naturalmente egoísta, desde a sua infância. É necessário, portanto, um trabalho profundo para fazer com que esta sua tendência natural se modifique, tornando-se homem socialmente sociável, e abraçando, portanto, uma perspectiva mais aristotélica do que hobbesseana. Com metáfora futebolística que foi largamente apreciada pela plateia, Dambile apresenta a saída dos conflitos em Moçambique não como um penalty, mas sim como um livre indirecto. Um livre em que não tem nenhum Maradona nem Messi para que seja transformado em golo (que seria a ausência, na política moçambicana, de alguém de categoria superior capaz de contornar as tensões múltiplas presentes no território nacional), com uma barreira consistente e dificilmente penetrável, em que, se calhar, os próprios supostos amigos da paz, na verdade, contribuem para fortalecê-la.

Diante destas dificuldades, Dambile propõe uma solução que foge o imediatismo político, a contingência: será a educação, o trabalho com o homem (daqui a ideia de uma Antropologia) a inculcar o ideal da paz que ajudará a sair dos conflitos. Só a educação é que poderá construir um homem mais saudável e propenso a se empenhar na procura da paz, cultivando os valores que – e tem um capítulo específico sobre este assunto – as principais religiões sempre professaram, mas nem sempre praticaram. Dambile dedica atenção especial a duas delas: o Islão e o Cristianismo, principalmente na sua vertente católica. O trabalho comum das religiões, famílias, Estado, indivíduos e educação formal poderá ajudar a sair dos conflitos, mediante uma específica antropologia da paz que não poderá ser neutra, nem imparcial. Se a antropologia filosófica estuda o homem na sua natureza e no seu comportamento na sociedade, a antropologia da paz que Dambile propõe consiste em aplicar as bases da antropologia filosófica ao assunto mais relevante, hoje, em Moçambique assim como em boa parte do continente africano: a saída de conflitos com caracterização política, étnica, económica. A antropologia da paz significa, portanto, não apenas saber sair dos conflitos, mas também saber prevenir aquelas tensões que, depois, poderão levar aos conflitos. A arte da governação inclusiva, da tolerância, do respeito para com ideias longínquas do nosso pensamento são todos elementos que não podem não constar na antropologia da paz proposta por Dambile, e de que toda a sociedade moçambicana, a partir dos seus governantes, deveriam praticar e difundir.

Alguma coisa, porém, em Moçambique não tem funcionado: como é que o nível de instrução formal assim como de Mestres e Doutores cresce a cada dia, mas a sociedade continua conflituosa e intolerante? Dambile desafia as principais instituições formais e informais de educação do país, a partir das escolas e das universidades, para reflectir em volta desta evidente contradição. Segundo a boa regra da filosofia, o autor nos deixa com tarefas difíceis e até desafios: será que a educação, hoje, consegue cumprir o seu papel principal de formadora de cidadãos conscientes? Será que as confissões religiosas também estão a cumprir a sua missão centrada no diálogo e na tolerância? E será que todos nós, como cidadãos, estamos a enveredar para um caminho de paz e não de egoísmo e conflito para com os outros? São estes os pontos de interrogação que a obra levanta, e a que cada um de nós terá de responder em plena consciência.

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