Moçambique faz parte do rol dos países que pretende reduzir para zero a taxa dos casamentos prematuros até 2050. O Governo e as Organizações da Sociedade Civil, encabeçados pela Coligação para Eliminação das Uniões Prematuras (CECAP), têm levado a cabo um conjunto de acções com vista a alcançar essa meta. Entretanto, no presente ano, a província de Cabo Delgado alcançou números jamais vistos no tocante a uniões prematuras. Para além da falta de colaboração de algumas instituições ligadas ao Executivo, a CECAP ao nível daquele ponto do país debate-se com a falta de fundos e privações impostas pelo terrorismo que condiciona as suas actividades.
Texto: Duarte Sitoe
No ano passado, segundos dados tornados públicos pelo Ministério do Interior, em todo o território nacional foram registados cerca de 277 casos de uniões casamentos, por sinal mais 101 em comparação com 2020, o que de certa forma foi um balde de água fria para o Governo e para as Organizações da Sociedade Civil que tem medido esforço para erradicar o fenómeno.
A província de Cabo Delgado continua com números assustadores no que respeita a casamentos prematuros. Dados da Save The Children apontam que entre Janeiro e Março do corrente foram registados 108 casos de uniões prematuras, por sinal mais 42 em comparação com os casos registados no último trimestre de 2021.
Tentando esmiuçar o fenómeno, Isabel Prosta, coordenadora provincial da Muleide e Ponto Focal da Coligação para Eliminação das Uniões Prematuras em Cabo Delgado, entende que a vulnerabilidade, aliada à situação do terrorismo, contribuiu para o aumento de casos de uniões prematuras, uma vez que muitas crianças acabam casando com homens mais velhos por troca de comida.
“A situação das uniões prematuras em Cabo Delgado é crítica, aliando-se ao terrorismo que está a acontecer a nível da província, onde temos várias pessoas a se deslocarem de um lugar para o outro e dessas pessoas a maioria são raparigas em situação de vulnerabilidade. Por isso acabam sendo influenciadas a se juntar com um homem mais velho por troca dos bens alimentares”, destacou.
Para reverter o actual cenário, Prosta aposta na divulgação da lei e nos espaços seguros para as raparigas onde serão abordados temas ligados a saúde sexual e reprodutiva para se eliminar os casamentos prematuros.
“Estamos a fazer uma divulgação contínua da Lei de Prevenção e Combate as Uniões Prematuras porque foi aprovada em 2019 e depois veio a Covid-19. As mobilizações foram fracas nesses dois anos por causa da pandemia, mas, agora, estamos a trabalhar para que a Lei seja divulgada nos centros de acolhimento. Precisamos de mais financiamento para ter estratégias para a eliminação das uniões prematuras”, sugeriu.
Algumas famílias rejeitam raparigas resgatadas
Em representação da CECAP, Berta De Nazareth falou dos constrangimentos que os pontos focais enfrentam nas províncias, tendo destacado que em caso de resgate algumas famílias rejeitam as raparigas.
“Quando falha a reintegração em caso de resgate de uma rapariga que estava num casamento prematuro, os pontos focais, ao nível das províncias, são obrigados a ficar com a rapariga porque foi rejeitada pela família. Estamos num problema que ainda não encontramos estratégia para sair dele”, lamentou.
Na ocasião, avançou que o Governo e sociedade civil pretendem capitalizar os abrigos para que se tornem seguros para as raparigas, pois há situação em que, durante o trânsito, essas raparigas voltam a sofrer outro tipo de violência.
O grande constrangimento, segundo a CECAP, é que os abrigos que recebem raparigas resgatadas das uniões prematuras são poucos e a localização das mesmas não é divulgada devido a delicadeza do assunto que tratam.
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