Por que dialogar é difícil para os homens?

OPINIÃO

Por: Honório Isaías 

Dialogar sobre qualquer coisa é sempre o exercício de nos desnudarmos diante do outro e de nós mesmos, trazer para fora o que pensamos e sentimos sobre determinado assunto ou situação. Dialogar permite, quando feito com honestidade e sem pretensão doutrinária ou de afirmação de poder, aprofundar o autoconhecimento, estabelecer pontes entre nós e o outro e por vezes conhecer o outro de nós mesmos. O diálogo permite igualmente conhecer o outro, os seus temores, anseios, angústias, fragilidades, desejos e vontades.

O diálogo não se deve prestar a domesticar ou mudar de uma forma impositiva as ideias de quem quer que seja, aliás, nem se presta a mudar ideia de ninguém. O diálogo não deve ser um espaço de exacerbação do ego ou da busca incessante pela proclamação da inteligência.

Mas por que trazer o diálogo como tema para reflexão? Não pretendo necessariamente trazer para este debate questões relativas à importância do diálogo ou sobre como o diálogo deve ser conduzido, mas quero abordar o que significa dialogar para os homens, tendo como base as normas sociais.

Por que dialogar é muito difícil para nós os homens? Penso que há duas razões subjacentes a esta dificuldade e que podem explicar o fracasso da adopção desta ferramenta.

A primeira razão tem a ver com a falta de conhecimentos e competências para estabelecer um diálogo. Os homens não sabem dialogar porque não foram ensinados a fazê-lo. E não foram ensinados porque a sociedade delegou-lhes outros papéis sociais que desestimulam o uso desta ferramenta. Os homens foram colocados em posições que dispensam a necessidade do uso do diálogo. Não se pode esperar que um homem que lhe foi dito que quem manda é ele, que ele é quem tem o poder, prefira dialogar com alguém (especialmente a mulher que lhe foi retirado socialmente o direito de se opor, questionar seja lá o que for). As normas sociais dão aos homens a prerrogativa de se fazerem respeitar sob qualquer pretexto, nem que para isso tenham de fazer o uso da força, da coação psicológica, económica e etc.

A segunda razão é de ordem simbólica. O que dialogar significa para os homens e que implicações o diálogo representa para a masculinidade que construíram de si. Para os homens, dialogar é “rebaixar se ao nível da mulher”, isso é demonstração de fraqueza e um atentado a sua masculinidade. Por outro lado, os homens entendem que cabe às mulheres a obrigação de obedecer no silêncio da sua dor e inconformismo.

Há homens que não dialogam porque não querem, outros porque não sabem, mas a maioria, pelas duas razões. Mas, quando as mulheres têm as suas vozes cerceadas e limitadas, elas também perdem a faculdade de significar positivamente o diálogo. Algumas mulheres acreditam que se dirigir, responder ou questionar a ordem do homem é de todo errado e significa absoluta falta de respeito. As mulheres, tal como os homens, não sabem usar o diálogo como ferramenta de gestão de conflitos ou das emoções. Mas, é preciso reconhecer que as mulheres estão em melhores condições de dialogar, porque elas sempre encontram mecanismos de expor as suas angústias, medos, frustrações, diferentemente dos homens. Isso permite que as mulheres estejam mais propensas ao diálogo do que os homens.

Conferir aos homens o direito do exercício da autoridade e às mulheres a obrigação da obediência,  aniquila a possibilidade do diálogo ser uma ferramenta de intermediação ou de facilitação de conflitos. Por isso, se torna necessário mudar as normas sociais nocivas que inviabilizam o diálogo entre homens, em particular entre os homens e as mulheres.

Hoje, vivemos tempos muitos difíceis, o uso da violência como recurso de gestão de conflitos sociais e individuais tendem a crescer exponencialmente. Este crescimento se deve em parte à falência do uso da palavra ou do diálogo como ferramenta de expressão das emoções. Postas as coisas deste modo, pode levar a pensar que, em algum momento da nossa história humana, o diálogo tenha permeado as interações sociais e humanas. Penso que não, mas em relação a este ponto, a minha perspetiva é de que as sociedades moçambicanas foram e ainda são essencialmente sociedade de forte exercício do aconselhamento do que do diálogo. Por exemplo, no passado, todos os impasses e conflitos entre os membros da comunidade eram resolvidos dentro da plataforma familiar ou comunitária. Esses mecanismos de gestão de conflito não eram necessariamente de criação de campo de diálogo ou do exercício do diálogo, até porque os manejos dos conflitos eram feitos para assegurar que os homens e as mulheres se comportassem dentro das expectativas sociais instituídas, ou seja, a função dos mecanismos comunitários de resolução de conflitos eram mais de reconciliar os homens e mulheres em relação ao cumprimento e exercício pleno das normas sociais.

Estes espaços não se prestavam a ouvir as dores, as angústias e o sofrimento das mulheres. As dores das mulheres só eram acolhidas quando resultassem do exercício inadequado do poder do homem, ou seja, que o homem estivesse a agir fora do seu mandato social.

Como fazer do diálogo uma ferramenta importante para os homens e mulheres?

Para combater a violência, é preciso, primeiro, que, a nível das nossas comunidades e famílias, ensinemos aos nossos filhos e filhas que o diálogo é uma ferramenta muito importante, não apenas para resolução de conflitos, mas sobretudo interação com o mundo e com o outro.

Ensinemos aos nossos filhos que o diálogo permite aprofundarmos o conhecimento de nós mesmos. Porém, entendo que, para que os homens recorram ao diálogo, é crucial que a sociedade eduque os meninos e rapazes a manifestar suas emoções livremente, e que tal exercício não seja visto como expressão de fraqueza. O diálogo é uma ferramenta para o alcance da paz e harmonia, passando necessariamente por combater algumas normas sociais nocivas. Não podemos continuar a dizer que os homens mandam e as mulheres obedecem.

Eduquemos os nossos filhos e homens a entenderem que dialogar com sua esposa não é sinal de fraqueza. Enquanto dialogar significar, para nós os homens, perder autoridade e o poder sobre o outro, continuaremos a assistir à intensificação da violência de homens contra homens e sobretudo de homens contra as mulheres.

E por que dialogar é importante para os homens?

Dialogar permite aos homens manifestarem livremente as suas emoções, abre espaço para que ele possa expressar os seus medos, ciúmes, temores através do diálogo e não pela violência. Os homens sentem medo, angústias e temores, porque esses sentimentos são típicos do humano. Negá-los é a maior manifestação da nossa fraqueza. Todo o homem que se predispõe a parecer o que não é mostra com isso toda sua fragilidade.

Os homens podem até querer dialogar, mas precisam primeiro se libertar das masculinidades tóxicas que os impedem de ver no diálogo como uma ferramenta importante para sua saúde e bem-estar. Os homens que não dialogam facilmente recorrem à agressão, porque não sabem usar a palavra. É pela palavra que se exercita o diálogo, e é no diálogo que as nossas emoções podem encontrar encaminhamentos. Não dialogar significa ficar à mercê das nossas emoções. E quem não dialoga, não se conhece, e quem não conhece suas emoções não as pode controlar ou gerir, e, por conseguinte, corre enormes riscos de agredir, matar, enlouquecer ou morrer.

Os homens precisam de mudar a forma como constroem a partir do exercício ou não do diálogo a ideia de si. Dialogar não é fraqueza, dialogar não é coisa de fracos, dialogar não significa se rebaixar, dialogar não significa humilhação. Dialogar é um espaço para falar dos nossos sonhos, desejos, vontades, mas sobretudo para expressarmos, igualmente, o que atenta a nossa saúde mental.  Dialogar é também escutar o outro, é por via dessa escuta que podemos conhecê -lo. O diálogo permite que possamos encontrar continuamente o melhor caminho para lidarmos com nossas frustrações, a melhor forma de lidar com tudo que nos ameaça a paz.

Aprender a dialogar é importante e necessário para construção da igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas sobretudo para permitir aos homens autoconhecimento em relação às masculinidades tóxicas que habitam o seu ser.

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