TSU já está a fazer vítimas mortais

DESTAQUE POLÍTICA SAÚDE
  • Reforma Salarial começa a dar sinal de ser um fracasso histórico
  • Governo mobilizou estudantes sem experiência que já estão a matar pessoas
  • Nyusi e Armindo Tiago assobiam para o lado e partem para ameaças
  • Funcionários da UEM paralisaram actividades e (até) polícias ameaçam greve no dia 15

“Irmãos, deixem-nos trabalhar e não bloqueiem o nosso raciocínio”. Foi com estas palavras que o Presidente da República, Filipe Nyusi, respondeu, semana finda, aos médicos, mostrando total insensibilidade, numa altura em que já há relatos de óbitos causados pela falta de alguns serviços, demora de algumas intervenções, falta de autorização para transferências, bem como erros médicos protagonizados por estudantes mobilizados nas universidades para tentar minimizar a ausência massiva. Um depoimento aterrador de uma estudante, arrancada prematuramente da carteira para tentar fechar a lacuna de ausência de médicos e que participou de uma intervenção de transfusão de sangue que acabou resultando em óbito, após administrarem líquido de um grupo sanguíneo errado, veio destapar o véu com que se cobrem as marcas de um aparente fracasso histórico de uma reforma salarial que está a ser contestada por vários grupos profissionais, incluindo professores, juízes, polícias, militares e até docentes e funcionários das universidades, estes últimos que esta segunda-feira, pelo menos na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), entraram em greve por não estarem a receber ordenados há dois meses.

Evidências  

Os médicos observam, hoje, o oitavo dos 21 dias de greve convocada e comunicada tempestivamente ao Governo em resultado deste não ter respondido satisfatoriamente ao seu caderno reivindicativo no âmbito das incongruências da Tabela Salarial Única. Das 14 reivindicações enviadas ao Governo, apenas quatro estão resolvidas segundo os grevistas, que avançam ainda que houve regressão em duas.

Ao que Evidências apurou, apesar da tentativa de minimizar a situação, neste momento a greve está a afectar consultas especializadas pré-marcadas, cirurgias marcadas, intervenções de emergência e transferências de doentes para hospitais de referência.

O governo, através do Presidente da República e do ministro da Saúde, reagiu tentando minimizar a situação e ameaçando os médicos que aderiram à greve, ao mesmo tempo que mobilaram médicos do hospital militar e estudantes do terceiro ao sexto ano para tentarem fazer a vez dos médicos, mas não há improviso que dure para sempre ou que fique sem consequências.

Na passada terça-feira, segundo dia de greve, no hospital provincial de Maputo, reportou-se quatro óbitos, num único turno, um número considerado acima da média e segundo fontes do jornal parte das mortes podia ter sido evitada.

No Hospital Central de Maputo, maior unidade sanitária do país, não se sabe quantos óbitos podem ter sido causados pela greve, mas relatos colhidos no local dão conta que os pacientes chegam a esperar mais de sete horas por atendimento médico, tal como reconheceu o director dos Serviços de Urgência, Dino Lopes.

“Devido ao défice do pessoal, estica-se um pouco a hora para sete ou oito horas, mas nós estamos a ser flexíveis para atender a todos os doentes. Agora, nós estamos com um médico na triagem, um no balcão e outro na sala de ressuscitação. Este número não é suficiente para cobrir a demanda, porque temos tido cinco a seis”, reconheceu Lopes, denunciando um drama que os governantes tentam minimizar.

Estudantes: uma solução que já está a custar vidas

Em Moçambique existem mais de 2.473 médicos, dos quais apenas 778 são especialistas, para quase 30 milhões de habitantes, de acordo com os últimos dados disponíveis da Organização Mundial de Saúde, de 2018. Esse número representa um rácio de 0,8 médico para cada 10.000 habitantes, o que mostra os desafios ainda existentes no que diz respeito à cobertura destes profissionais essenciais.

Não existem estatísticas fiáveis de quantos médicos estão neste momento em greve, mas reduziu drasticamente a sua disponibilidade nos hospitais. Mesmo assim, mostrando total arrogância e insensibilidade pelo povo que sofre sem tratamento, o Governo prefere investir na intimidação.

Evidências apurou que para tentar esconder a ausência dos médicos, sobretudo na cidade de Maputo, foram mobilizados médicos militares e alguns estudantes sem nenhuma experiência para tratar os doentes.

Evidências interceptou o áudio aterrador de uma estudante cuja identidade omitimos deliberadamente, em que confessa ter participado numa operação de transfusão de sangue que resultou em óbito do paciente por ter sido administrado sangue de um grupo sanguíneo errado.

“O paciente estava mal desde mês passado, mas esta semana, desde domingo, apresentava melhoria. Então não é que os docentes decidiram fazer teste connosco e tínhamos que fazer uma transfusão. A pessoa é ‘O negativo’, mas quando fomos ao banco de sangue, o jovem que nos atendeu deu-nos ‘O positivo’. Quando começou a transfusão o paciente começou a ter febres e a convulsionar. Interrompemos a transfusão e fomos orientados por um médico para darmos um soro e colocá-lo de repouso. Fizemos tudo isso e o paciente estava estável, mas apareceu uma outra colega que reiniciou a transfusão, enquanto nós estávamos a reportar o ocorrido”, relatou a jovem estudante.

“Aquilo foi como brincar com a vida de alguém”

Segundo ela, o paciente que já estava estável acabou por entrar em convulsões e morreu, pois o organismo rejeitou o sangue por não ser compatível. Os médicos e docentes que estavam a assistir os estudantes só apareceram depois, tendo obrigado o grupo a comunicar à família o ocorrido.

“Mas opah, a culpa não é nossa … também acidentes acontecem, né?… É isso, aquilo foi como brincar com a vida de alguém, mas o que fazer?”, desabafou a estudante, com o sentimento de culpa.

Evidências tentou obter o esclarecimento sobre o caso contactando o assessor do ministro da Saúde, mas este ignorou os nossos pedidos de informação e esclarecimentos sobre este arrepiante relato, que mostra que enquanto o Governo se furta em sentar à mesma mesa e atender a preocupação dos médicos, o estrago no seio das famílias moçambicanas é muito grande.

Por mero erro de estudantes morreu um homem que se presume que seja pai de família, e até se cumprirem os 21 dias da grev que o governo continua a gerir com arrogância e ameaças não se sabe quantas vidas serão perdidas. Trata-se de uma estratégia que funcionou com os professores, mas que pode estar a ser mantida, no caso dos médicos, a saldo de muitas vidas inocentes.

Evidências apurou que os estudantes de medicina que tem sido usados para tapar o sol com a peneira também pretendem aderir à greve dos médicos, com o entendimento de que a classe está a lutar pela causa e futuro deles, pois os médicos actualmente abrangidos pela TSU têm seus direitos adquiridos garantidos, mas as próximas gerações de médicos terão menos subsídios.

Funcionários da UEM paralisaram actividades e (até) polícias ameaçam greve no dia 15

Depois da greve dos professores, médicos e ameaças de manifestações dos juízes, esta segunda-feira, a maior universidade do país, Universidade Eduardo Mondlane, acordou com uma agitação incomum devido a paralisação de actividades por parte dos funcionários do corpo técnico e administrativo, o que confirma o caos causado pela TSU.

Os grevistas alegam que paralisaram parcialmente as actividades, esta segunda-feira, devido à falta de pagamento de salários nos últimos dois meses e os respectivos retroactivos previstos na Tabela Salarial Única.

Aliás, a TSU é que é a ponta do ice berg que faz explodir os nervos dos funcionários. É que, segundo apuramos, os funcionários não recebem os seus ordenados há dois meses, sob alegação de que houve um erro no seu enquadramento na tabela. A situação foi imputada ao sistema e em Outubro as direcções das Finanças e dos Recursos Humanos garantiram, através de uma circular, que a situação estaria resolvida em Novembro.

“Este é o grito de socorro de todos os funcionários da UEM. Até hoje não temos salário. Primeiro disseram que a folha teve erros e foi devolvida, no início compreendemos, mas já está a passar muito tempo. Temos famílias que estão a passar mal e filhos por cuidar”, relatou um funcionário.

Depois de ter sido convocada a greve, começaram a cair os salários nas contas de alguns funcionários na base da Tabela Salarial Antiga, mas não abrangeu a todos.

“Nos comunicaram, no dia 08,, que já não vão pagar com a TSU, mas sim com a TSA, mas mesmo assim, até hoje, apenas uma minoria é que recebeu. Temos colegas que ainda não receberam o salário de Outubro e o salário de Novembro ainda não entrou para muitos de nós. Queremos que nos paguem o que é devido”, sublinham alguns grevistas, que trocaram os gabinetes por passeios.

No entender dos grevistas, que se queixam do silêncio do Governo, há necessidade de o executivo honrar com o prometido, pois o anúncio da TSU gerou muitas expectativas, pelo que os funcionários exigem não só receberem com base na TSU, como também o pagamento de todos os retroactivos desde Julho até hoje.

“Nem TSA, nem TSU, não estamos a receber nada, e o que nos preocupa é que o governo alimentou nossas expectativas e nos últimos meses fomos fazendo os nossos programas contando com a TSU. O Presidente da República criou problemas e passa a vida a viajar e tudo indica que só recebe relatórios falsos”, sublinhou um dos grevistas.

Este é apenas um exemplo do caos que está a ser causado pela Tabela Salarial Única, que criou um turbilhão de descontentamento no seio de vários grupos profissionais, incluindo no meio castrense.

Se ao nível das fileiras militares há descontentamento, sobretudo por parte de praças e sargentos com nível superior que exigem um enquadramento igual aos outros sectores, como reportamos na nossa última edição, na polícia, pela primeira vez na história, há uma ameaça velada de greve. A referida manifestação convocada por um grupo denominado Associação dos Polícias Unidos de Moçambique está marcada para o próximo dia 15, mas não há certeza se poderá realmente acontecer.

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