Carta de repúdio contra as declarações irresponsáveis do porta-voz do MINEDH

DESTAQUE OPINIÃO

Foi com particular interesse que os signatários desta carta, jornalistas moçambicanos de profissão, acompanharam as declarações, esta segunda-feira, 23 de Janeiro, do porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) contra a classe.

Foi numa conferência de imprensa convocada pelo MINEDH para dar o ponto de situação sobre o arranque do ano lectivo 2023, que Feliciano Mahalambe insurgiu-se contra jornalistas que colocam perguntas diferentes do que ele espera, ao extremo de considerá-los anti-éticos.

Foi logo nas notas introdutórias que, em tom ameaçador, o porta-voz disse:

“(…). Depois podemos ter um espaço para algumas perguntas, que devem ser relacionadas com o assunto que vou tratar. Quem tem outro assunto pessoal, fica para depois desta sessão para não misturar e criar dissonância à nossa comunicação. Eu estou a dizer isso porque, às vezes, tem sido essa prática: vir para aqui para uma conferência de imprensa em que combinamos o que vamos tratar, mas alguém traz, na manga, outras coisas. Nem fica bem. Nem é ético porque a conferência de imprensa é nossa. Nós é que convidamos a vocês. Não devem trazer vossas coisas. Quem recebe convite para casamento, vai ao casamento. Não pode chegar lá, ao noivo, exigir dívida. Até pode estar a dever, mas não pode fazer isso. Não é ético”.

Um colega jornalista presente no evento confrontou, de imediato, ao porta-voz, referindo que “não vale a pena colocar esse debate, senhor director. Está errado porque o jornalista, quando sai da Redacção, tem de espremer [a fonte] o máximo”.

O porta-voz não gostou e retorquiu na hora:

“Não. Não faz isso também. Você é jornalista. Seja ético”, disse, indicando, contudo, que, já “vou começar” [referindo-se ao início da conferência de imprensa propriamente dita].

Mas, insatisfeito, Feliciano Mahalambe não começou com a conferência de imprensa, conforme prometeu. Preferiu, antes, voltar a atacar o jornalista e, por via dele, toda uma classe.

“O problema é que cada um quer ensinar pai-nosso ao padre. Não pode ser assim”, afirmou, publicamente, o porta-voz do Ministério, dirigindo-se a jornalistas.

Nós, jornalistas moçambicanos, não podíamos estar mais desiludidos sobre pronunciamentos de um porta-voz de uma instituição pública, de tão irresponsáveis que são.

Num espaço de menos de cinco minutos, o porta-voz do MINEDH conseguiu dizer tudo o que um porta-voz não deve dizer, quer no tom, quer na mensagem, ainda mais como responsável numa instituição cada dia mais problemática.

O apelo ou o medo de um porta-voz em receber perguntas é infeliz, imaturo e incompatível ao seu cargo.

De facto, iniciar uma conferência de imprensa com depoimentos que desmotivam o exercício jornalístico, que se prende em fazer perguntas, sejam elas do agrado das fontes ou não, é de uma baixaria tremenda.

O porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano pode não entender a profissão que é a nossa, mas tal não lhe confere o direito de lançar ataques gratuitos contra a classe.

Colocar perguntas às fontes de informação, gostem elas ou não, não significa ser anti-ético. Pelo contrário, é uma das maiores virtudes numa profissão que, aliás, consiste em saber colocar perguntas certas às pessoas certas.

A despeito de quaisquer querelas conceptuais sobre o que é jornalismo, como parece querer nos ensinar o ilustre porta-voz, nós estamos claros sobre a nossa profissão.

Estamos claros de que o jornalismo não é simplesmente a reprodução do que dizem porta-vozes ou quaisquer outras fontes, ainda que tenham sido elas a nos “convocarem”, qual grande feito do porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

Pelo contrário, é dever primário de um jornalista, e essa é matéria introdutória para qualquer curso de iniciação em jornalismo, fazer perguntas às fontes, não perguntas quaisquer, mas perguntas relevantes, ainda que não sejam do agrado da fonte.

Mas também estamos claros de que jornalismo é, tal como nos legou George Orwell, sobre o que alguém não quer que se publique, porquanto todo o resto é publicidade.

Se o porta-voz não gosta de “perguntas alheias” e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano quer “conferências de imprensa”, não é dilema algum porque a equação é fácil: façam-nas sem convidar jornalistas.

Se o porta-voz não quer ser colocado “perguntas alheias”, que não nos chame. Envie comunicado de imprensa e nós vamos decidir se publicamos ou não.

Se o porta-voz quer aparecer em televisão, mas não quer que lhe sejam colocadas “perguntas alheias”, que não nos chame. Grave vídeo, envie-no e nós vamos decidir se publicamos ou não.

Querer que jornalistas participem de conferências de imprensa sem colocar perguntas oportunas, só porque há um porta-voz que não gosta [porque nós preferimos acreditar que este é o posicionamento do porta-voz e não do Ministério, o que seria gravíssimo], é por demais inaceitável.

Querer que jornalistas participem de conferências de imprensa sem colocar perguntas oportunas, só porque há um porta-voz que não gosta, é subverter os fundamentos de uma profissão que é essencial para a vitalidade de uma democracia.

Querer que jornalistas participem de conferências de imprensa sem colocar perguntas oportunas, só porque há um porta-voz que não gosta, é querer transformar a classe num simples veículo de mensagens fast-food de dirigentes e seus assessores.

Querer que jornalistas participem de conferências de imprensa sem colocar perguntas oportunas, só porque há um porta-voz que não gosta, é querer que eles sejam um braço de propaganda das fontes de informação.

Querer que jornalistas participem de conferências de imprensa sem colocar perguntas oportunas, só porque há um porta-voz que não gosta, é um convite para matar a profissão que nós juramos exercer.

É isso que nós não aceitamos. Não aceitamos que porta-vozes, sejam eles de onde forem, queiram nos ensinar regras de jogo de uma profissão que é nossa.

Não aceitamos que, já agora, porta-vozes sejam anti-éticos, atacando jornalistas simplesmente porque fazem perguntas “fora da caixa”. Em jornalismo, fazer perguntas não é crime, por mais que as fontes não gostem.

Porta-vozes éticos, que não têm nada a temer a jornalistas, o mínimo que fazem é encorajar que jornalistas façam perguntas, para que eles, os porta-vozes, tenham oportunidade de se explicar perante os cidadãos que dizem servir.

Não aceitamos, não aceitaremos e, por isso, não contem connosco em “conferências de imprensa” sem perguntas “de facto”.

Não aceitamos porque a experiência nos ensina que, neste país, é difícil ter fontes oficiais a darem entrevistas sobre assuntos exclusivos solicitados por jornalistas, ainda mais tratando-se de temas sensíveis.

Não aceitamos porque, muitas vezes, as entrevistas “convocadas” por jornalistas, se forem aceites, tal ocorre de forma extemporânea para os interesses da profissão.

É isso que os porta-vozes deviam procurar resolver porque acaba impelindo os jornalistas a usarem das comunicações convocadas pelas instituições ou eventos públicos para colocar as perguntas que, mesmo não estando na agenda, são de maior interesse público, mais do que os temas oficiais, que podem ficar para o fim do alinhamento jornalístico.

Comparar jornalismo, uma profissão com técnicas e normas claras, a festas de casamentos, é a maior infelicidade que podia haver. Por isso, em respeito aos teóricos do jornalismo, e a nós mesmos enquanto seus fazedores, recusamo-nos a elaborar sobre essa analogia de mercearia.

Claro que um porta-voz de um Ministério, ainda mais um Ministério da Educação, devia ter noções mínimas sobre a área de jornalismo, enquanto uma das formas de comunicação, sector por que responde. Mas se isso é exigir demais, já não é demais pedir que o porta-voz seja comedido e respeite-se a si mesmo, antes que queira ser respeitado pela classe.

Perguntas “fora da caixa”, perguntas sobre o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, sempre que colocadas a pessoas do respectivo sector, não são “outras coisas”, como o porta-voz lhes chama, independentemente da ocasião.

Estar informado e preparado sobre os assuntos da instituição de que se é porta-voz é o mais elementar que se pode exigir de quem reivindica esse cargo tão relevante em sociedades sérias.

Como jornalistas moçambicanos, negamos algemas às perguntas, como diria Carlos Cardoso, apenas porque “nós é que convidamos a vocês”.

No jornalismo, negamos esses recados com o mesmo vigor que, na política, devia se negar que “não seja você a dizer que eu quero”, porque “nós é que temos que querer”, porquanto isso nos atrasa enquanto Nação.

Qualquer porta-voz tem direito a ser saudosista à medida que quiser, desde que se recorde que não estamos mais na Primeira República, quando o jornalismo era uma simples extensão dos poderes instalados.

Se há porta-vozes atrasados no tempo, aí sim, nós nos damos ao trabalho de recordar-lhes que estamos no século XXI, onde a função de contra-poder do jornalismo é ainda mais relevante em sociedades democráticas.

Não saber disso, e ainda mais dar pretensas palestras de jornalismo, isso sim, é que é ensinar pai-nosso ao padre, diferentemente do que o nosso colega disse ao confrontar o porta-voz do MINEDH, algo que nos orgulha imenso, enquanto classe.

A terminar, entendemos que, no MINEDH, há assuntos mais importantes por cuidar, além de convites a jornalistas para o silêncio. Um deles, simplesmente a título ilustrativo, é o caso do livro de ciências sociais da sexta classe, que nem tão pouco dignifica o país e nem ao porta-voz que quer ensinar jornalismo.

Aliás, já agora, temos a impressão de que toda a guerra movida pelo porta-voz contra jornalistas com perguntas fora da agenda fosse uma fuga para frente, para evitar perguntas irritantes sobre o desastre do livro escolar, estando ele ciente do quão tardam os esclarecimentos e a responsabilização dos “pai-nosso” do livro da sexta classe.

Esperamos estar errados, da mesma forma que esperamos que estes infelizes pronunciamentos não sejam o rosto dos autores do vergonhoso livro.

Abaixo a porta-vozes como os noivos que não pagam dívidas. Aliás, quando tem sido cada vez mais recorrente instituições públicas convidarem jornalistas apenas para ouvirem dirigentes ou porta-vozes a falarem sem direito a resposta, recordamos, a todos, que não estamos dispostos a ser puxa-sacos e nem as conferências de imprensa devem ser transformadas em actos de corta-fitas.

Os signatários

  1. Armando Nhantumbo (Savana)
  2. Reginaldo Tchambule (Evidências)
  3. Fernando Mbanze (mediaFAX)
  4. Romeu Carlos (Tv Sucesso)
  5. Argunaldo Nhampossa (Savana)
  6. Ângela Da Fonseca (Ikweli)
  7. Alexandre Nhampossa (Zitamar News)
  8. Gildo Mugabe (independente)
  9. Neuton Langa (Canal de Moçambique)
  10. Omardine Omar (Integrity Magazine News)
  11. Rafael Ricardo (Independente)
  12. Abílio Maolela (Carta de Moçambique)
  13. Nelson Mucandze (Evidências)
  14. Dário Cossa (STV)
  15. André Mulungo (Canal de Mocambique)
  16. Celso Chambisso (Revista Economia e Mercado)
  17. Victor Bulande (independente)
  18. José João (STV)
  19. Evaristo Chilingue (Carta de Moçambique)
  20. Raul Senda (Savana)
  21. Cleusia Chirindza (Diário Económico)
  22. Maidone Alberto (Media Mais Tv)
  23. Edvársio Carlos (Media Mais Tv)
  24. António Tiua (STV)
  25. Nelo Cossa (Magazine Independente)
  26. Alfredo Langa (Magazine Independente)
  27. António Zacarias (Magazine Independente)
  28. Elísio Muchanga (Magazine Independente)
  29. Aida Matsinhe (Magazine Independente)
  30. Adelina Pinto (Magazine Independente)
  31. Paulo Mubalo (Savana)
  32. Fernando Gonçalves (Savana)
  33. Egídio Plácido (Zambeze)
  34. Silvino Miranda (Zambeze)
  35. Crisalda Vilanculos (Zambeze)
  36. Elton da Graça (Zambeze)
  37. José Matlombe (Zambeze)
  38. Matias Guente (Canal de Moçambique)
  39. Cláudio Saúte (Canal de Moçambique)
  40. Berta Muiambo (TV Sucesso)
  41. Eliete Massirele (TV Limpopo)
  42. Elias Nhaca (Savana)
  43. Filipe Vilanculos (Strong Live)
  44. Dionildo Tamele (Ponto por Ponto)
  45. Sérgio Carimo (mediaFAX)
  46. Francisco Carmona (Savana)
  47. Stélio Biriba (Media Mais Tv)
  48. André Paizon(Media Mais Tv)
  49. Raimundo Moiane (Media Mais Tv)
  50. Laves Macatane(Media Mais Tv)
  51. Énia Maló (Media Mais Tv)

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