Luca Bussotti
A designação de Moçambique como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntamente com a sua liderança mensal representam elementos de sucesso da diplomacia de Maputo. Isto deve ser dito independentemente de simpatizar ou não com a actual governação. Entretanto não é possível que a análise pare a este nível, ou seja, o de uma satisfação compreensível, mas que pode desaguar num estéril narcisismo político.
A questão que deve ser colocada é o que Moçambique está a fazer e fará nestes dois anos de permanência no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a partir das primeiras declarações do seu embaixador naquela organização, Pedro Comissário, assim como da Ministra dos Negócios Estrangeiros, Verônica Macamo.
Os pontos “quentes” são vários, por isso é que vou arrolar aqui apenas três:
- O posicionamento sobre o conflito russo-ucraniano: Moçambique sempre teve um posicionamento neutro, pelo menos a respeito das resoluções que os países ocidentais promoveram contra a invasão da Rússia, deixando vislumbrar uma equidistância entre os países beligerantes. Ora, as últimas declarações do Pedro Comissário clarificam alguns aspectos da ideia que Maputo tem deste conflito: procurar a paz não pela via de resoluções, mas sim do diálogo. Um posicionamento que deixa mãos livres a Moçambique, cujos laços com Moscovo e com o seu maior aliado, a China, são históricos e até hoje significativos. Entretanto, Moçambique admite o direito de a Ucrânia se defender dos ataques russos. Apesar das justificativas da Ministra Macamo, trata-se de uma postura não linear, por não dizer contraditória, que só encontra a sua razão na defesa de interesses nacionais, que deveriam ser explicados de forma mais clara. Ninguém é obrigado a apoiar as resoluções dos países ocidentais contra Moscovo, entretanto os moçambicanos precisariam de estar esclarecidos sobre as razões da neutralidade de Maputo. O argumento levantado pela diplomacia moçambicana, de que as resoluções não têm efeito, e que é necessário pautar pela paz, parece fraco e inconsistente, pois as resoluções representam uma arma política, negocial para isolar a Rússia na tentativa de persuadir Putin a desistir desta sua intervenção militar evidentemente ilegítima e fora de qualquer prerrogativa presente no direito internacional. A grande questão a que até hoje não tem resposta é quem é que vai mediar a paz? Erdogan, a China, o Papa? Até hoje estes sujeitos todos falharam. E se fosse a África, desta vez, a mediar um conflito dentro da Europa, invertendo o habitual paradigma segundo o qual são os europeus a mediar os conflitos em África? Está perspectiva poderia ser um exercício que a diplomacia de Maputo, juntamente com a de outros estados do continente, poderia tentar levar a cabo.
- Consequentemente, o problema que surge é a quem Moçambique representa no Conselho de segurança das Nações Unidas: a resposta óbvia é que representa os países africanos, mas quais? Sobre a questão central actual, a guerra russo-ucraniana, tais países estão divididos, com Mali e Eritréia a votar contra as resoluções, outros, como Cabo Verde a votar a favor, e um bom número a manter a neutralidade, como Moçambique. Este elemento também representa uma dor de cabeça, quer a nível das Nações Unidas, quer na própria União Africana, que descredibiliza a política deste continente como um todo.
- Na esteira deste raciocínio, como o Pedro Comissário tem realçado, se coloca a questão da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, no geral, da própria organização. Tema, este, não novo, mas que está sendo relançado com força há he, reclamando mais espaço e mais lugares para os países africanos. Trata-se de uma batalha justa, que visa reequilibrar relações desiguais a nível da geopolítica internacional, mas, mais uma vez, o problema que está por detrás deste anseio tem a ver com a credibilidade de muitos países africanos. Fora daqueles abertamente autoritários, tais como Guiné Equatorial ou Eritréia, ou os governados por juntas militares, como Mali e Guiné Conakry, mesmo muitos dos outros dificilmente poderão ser ouvidos numa escala internacional, devido ao tipo de governação que estão expressando: corrupção, neopatrimonialismo, eleições constantemente caracterizadas por fraudes são aspectos que tiram credibilidade e confiança a esses países. Portanto, em paralelo a está tentativa de os países africanos terem mais poder e presença dentro das Nações Unidas, convinha estabilizar os sistemas das ainda frágeis democracias africanas, garantindo os direitos fundamentais das suas populações, em larga medida não respeitados.
Facebook Comments