Os números não batem, senhor super-ministro

POLÍTICA
  • Sociedade Civil prova com números e factos que ministro Celso Correia mentiu
  • Dados do PNUD e PMA colocam em causa declarações do ministro
  • FDC e CDD exigem pedido de desculpas aos moçambicanos que vivem na pobreza
  • “Morre-se de fome no nosso País” – rebate organização dirigida por Graça Machel

Habituado a manipular os números e estatísticas para dividendos políticos nas suas habituais aparições, sobretudo nas vésperas de eventos políticos do partido no poder, o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia voltou a aparecer, na semana passada, faltando algumas semanas para o Comité Central da Frelimo e a partir da capital italiana, Roma, para garantir que a insegurança alimentar já foi ultrapassada e 90% dos moçambicanos consegue ter três refeições por dia, cada uma das quais com cinco alimentos diferentes. Os números irrealistas têm estado a gerar uma onda de insatisfação no seio da sociedade moçambicana e destacadas organizações da sociedade civil fazem questão de desmentir com números as “mentiras” do super-ministro que contrastam com a realidade vivida por milhões de moçambicanos, tendo por isso exigido um esclarecimento do dirigente aos moçambicanos.

Duarte Sitoe e Renato Cau

No passado dia 01 de Março, a margem do encontro com o director-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Qu Dongyu, com pompa e circunstância, o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, naquela que foi a primeira grande intervenção do ano, colocou o País em ebulição quando disse que, actualmente, 90% dos moçambicanos consegue três refeições por dia o que, de certa forma, coloca Moçambique a frente dos países do primeiro mundo.

“Este é um grande sucesso dos moçambicanos. Nós estamos a ter estes resultados, mas agora o nosso grande desafio é ter a certeza que são sustentáveis e consolidar este princípio, continuando neste caminho. Os dados indicam que, menos de 10% da população, está em situação de insegurança alimentar. Então significa que 90% da população tem alimentação segura, ou seja, já consegue ter três refeições por dia. Agora, temos sim que melhorar a sua dieta e ter mais estabilidade no acesso aos alimentos. Portanto, o trabalho ainda não está concluído, mas estamos no caminho certo”, declarou Correia, ajuntando que em cada uma das três refeições os moçambicanos têm a sua disposição, na mesa, pelo menos cinco alimentos diferentes.

Quem não está de acordo com os dados apresentados pelo ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural em Roma é o Fundo para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) que observa que a informação tornada pública pelo “super-ministro” de Filipe Nyusi contrasta com a realidade vivida por milhões de cidadãos em Moçambique.

“Morre-se de fome no nosso País”, lembra a organização dirigida pela antiga primeira-dama de Moçambique e influente membro do partido Frelimo, Graça Machel, destacando que “pela sua relevância, era expectável que o ministro apresentasse esta informação perante os moçambicanos, em primeiro lugar”.

Para rebater a informação partilhada pelo ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, a organização dirigida por Graça Machel apoia-se nos dados do Programa Mundial de Alimentação (PMA) que estimam que 80% dos moçambicanos não consegue ter uma dieta alimentar adequada e 42,3% das crianças menores de 5 anos estão desnutridas, tendo também citado um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicado em 2021 que concluiu que mais de 70% da população moçambicana vive em situação de vulnerabilidade.

Aliás, o Fundo de Desenvolvimento para as Comunidades traz a colação dados do IOF 2019/20 que revelam que os Agregados Familiares em Moçambique tiveram em média, um gasto mensal de 8 108,00 MT, o equivalente a 1 695,00 Meticais por pessoa. Este valor equivale a cerca de 56.5Mt diários por pessoa.

“Obviamente que é humanamente impossível conseguir três refeições condignas por dia, com 56.5Meticais, valor muito abaixo da linha da pobreza que é cerca de 100Mt.
A situação de terrorismo no Norte de Moçambique e das recorrentes calamidades naturais vem agravar ainda mais a insegurança alimentar em Moçambique. Neste momento, cerca de um milhão de moçambicanos deslocados nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, estão em situação de insegurança alimentar, segundo o Programa Mundial de Alimentação”, refere o FDC para depois apontar que Celso Correia deve explicar aos moçambicanos, com detalhes, como Moçambique alcançou tais níveis de segurança alimentar.

CDD refere que Celso Correia mentiu e ofendeu aos moçambicanos

Por sua vez, o Centro para o Desenvolvimento de Democracia (CDD) não tem dúvidas de que o ministro da Agricultura insultou os milhões de moçambicanos que não sabem o que vão comer no dia seguinte.

Celso Correia mentiu descaradamente perante um representante máximo da agência das Nações Unidas e ofendeu perto de 20 milhões de moçambicanos que vivem abaixo da linha da pobreza. E não é a primeira que o ministro da Agricultura e Desenvolvimento usa a mentira como instrumento de governação. A narrativa de sucesso do programa agrário Sustenta não resiste quando confrontada com os dados oficiais sobre a insegurança alimentar em Moçambique”, refere o CDD.

Aquela organização da sociedade civil não percebe como é que um País com uma taxa de pobreza acima de 50% tem recursos suficientes para que 90% da população tenha três refeições por dia e aponta que, ao contrário dos dados partilhados por Celso Correia, a insegurança alimentar ainda é muito crítica no País.

Para rebater os dados do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Humano, o Centro para o Desenvolvimento e Democracia resgata o Estado da Segurança Alimentar no mundo em 2022 que aponta que entre 2019 e 2021 cerca de 40%, ou seja, 12,60 milhões de moçambicanos tinham pouco ou nenhum acesso a alimentos, enfrentando fome aguda e desnutrição.

“Com estes dados e as dificuldades pelas quais a esmagadora maioria moçambicanos, passa todos dias na obtenção de meios de subsistência, fica claro que o ministro da Agricultura de Desenvolvimento Rural, talvez precipitado pelo facto de a FAO ter anunciado, em Outubro último, que Moçambique não está mais na lista de países com focos de insegurança alimentar e de fome tenha perdido a dimensão da seriedade do problema que o País enfrenta. O ponto é que a insegurança alimentar é um problema sério que afecta milhões de moçambicanos”, remata o CDD.

MDM considera declarações do ministro extremamente irresponsáveis

O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) é dos poucos partidos políticos no País que reagiu de pronto aos pronunciamentos do ministro Celso Correia. Na pessoa do seu porta-voz, Ismael Nhacucue, o partido do galo considera as declarações do ministro como sendo extremamente irresponsáveis e completamente contrárias às reais necessidades do povo moçambicano.

Ao referir que apenas 10% da população moçambicana é que não consegue pelo menos três refeições por dia, Celso Correia, segundo Ismael Nhacucue acabou transparecendo que o Governo não tem a mínima noção da real situação em que o povo moçambicano vive desde que se alcançou a independência em 1975.

“Esta é uma abordagem de um Governo lunático, irresponsável e mais que isso, pensa que a fome em Moçambique é medida de acordo com o bolso deles ou dos membros do Comité Central”, disparou.

Nhacucue acrescentou que não faz sentido que “um dirigente, a partir do seu gabinete e com as mordomias e luxo que tem vá pensar que a vida que ele tem é igual à do cidadão Distrito de Mecanhelas ou de Zumbo em Tete. Esta responsabilidade é também de todo o Governo, porque não podemos permitir que se faça este tipo de abordagens”.   

Portanto, o MDM deixou claro que não entende como é que um Governo que se diz sério pôde trazer a público tamanhas afirmações que contrariam aquilo que se vive no dia-a-dia.

“Moçambique ainda está longe de resolver os problemas relacionados a falta de falta produtos básicos para a alimentação, a água potável então, não podemos de forma irresponsável afirmar que em Moçambique não há fome porque a fome é visível. E nós queremos apelar para que se tire ilações sobre esse discurso e mais do que isso, responsabilidades políticas”, vincou o porta-voz.

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