A força da fraqueza

OPINIÃO

Luca Bussotti

Não há muitos comentários a fazer sobre a postura das autoridades públicas (seria redutivo falar apenas da polícia…) diante de uma marcha que se anunciava ser pacífica, que tinha sido autorizada pelo edil de Maputo (mas também de outras cidades do país), mas que não se realizou devido a intervenção repressiva das forças da ordem pública.

Uma questão, justamente, de ordem pública. É está a única perspectiva que foi adotada por parte do governo Moçambicano diante da morte do rapper Azagaia. Num primeiro momento no cortejo fúnebre do velório, e no Sábado a respeito da marcha em homenagem ao que hoje deve ser considerado como o maior artista moçambicano contemporâneo.

Pode parecer um acto de força contra os manifestantes, mas em boa verdade usar a repressão em tais circunstâncias é sinal de grande fraqueza, se não de medo.

Os manifestantes não tinham, pelo que se sabe, intenções violentas. E tinham a autorização para realizar essa marcha. Assim sendo, que tipo de raciocínio deve ter levado as autoridades a usar a força, impedindo a marcha? E donde é que veio a ordem?

Deve ter sido feito um cálculo sobre o risco que a marcha podia trazer. Risco a nível da ordem pública? Risco de desestabilizar o país? Risco de transformar manifestações pacíficas em algo parecido com as de 2008 e 2010? As respostas a essas questões parecem todas elas negativas…E então porque a exibição de tanta força e violência?

A razão, provavelmente, deve ser procurada na situação em que o actual Governo se encontra: uma situação de dificuldade diante dos desafios do país. Desde a luta contra o terrorismo no norte até a pobreza e desigualdade, como mostram relatórios recentes de entidades internacionais, que desmentem uma narrativa muito mais optimistica. E uma situação de grande incerteza dentro da Frelimo, numa difícil fase de transição que, até hoje não se sabe se irá desaguar num terceiro mandato do actual Presidente, ou numa mudança de liderança política. E, no meio, uma popularidade que parece em queda livre.

Nessa incerteza o risco maior, que as autoridades não querem admitir, é a manifestação do dissenso. E uma variável imprevista como a da morte de Azagaia, com a difusão repentina de uma palavra de ordem “perigosa” como a de “Povo no poder” coloca em crise os frágeis equilíbrios internos ao partido de maioria, assim como a todo o país.

A repressão que tem levado a uma vítima e a outras arbitrariedades resulta em dois elementos: novos mártires e heróis, e uma raiva cada vez maior e que não consegue desaguar para canais normais, lícitos. E isso representa um enorme risco para a estabilidade do país.

Diante da opinião pública internacional também as consequências dessa postura podem ser desastrosas. Moçambique é membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e presidente mensal daquele órgão. Como explicar a comunidade internacional que num país que pretende ampliar os espaços de África (com toda a razão) dentro das Nações Unidas , não se deixa realizar uma marcha pacífica previamente autorizada?

Se calhar no cálculo dos riscos que induziu as autoridades a bloquear com a força a efetivação da marcha devia ser considerado este aspecto também, que não é secundário, em consideração da grande dependência do país dos doadores e parceiros internacionais, a maioria dos quais paladinos da liberdade e da democracia.

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