Marracuene: um município que nasce defeituoso

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Nos finais do ano passado, o ministro das Obras Públicas e Habitação, Carlos Mesquita, decidiu que os quadros da ANE que iam participar no Conselho Coordenador do seu ministério, em Nampula, deviam viajar por via terrestre.

Alguns não entenderam o alcance da medida e enveredaram pelacrítica a Mesquita porque ele estava alegadamente a impor um castigoaos seus quadros, tendo em conta que a EN1 não oferecia o conforto desejável aos viajantes.

Mas houve quem tenhacompreendido a essência da decisão e elogiou o ministro no sentido de que,no final da jornada, os técnicos em causa teriam uma outra sensibilidade em relação à política de estradas.

O que Carlos Mesquita queria, na verdade, era que os seus quadros afectos àquela instituiçãotomassem o contacto com a realidade no terreno e passassem pela experiência de viajar por estrada nas actuais condições em que a EN1 se encontra, de total degradação,

Este exemplo vem a propósito das 12 novas autarquias locais anunciadas recentemente pelo governo. Não se sabe ao certo quais serão as dimensões de cada uma delas, nem se tem a ideia da população que tais circunscrições irão comportar.

Odossiera esse respeito encontra-se ainda sob a alçada do Conselho de Ministros a quem caberá decidir sobre a matéria nos próximos dias.

Pelo menos em relação a Marracuene, o desenho concebido relativamenteao município que se pretende estabelecer, da autoria de alguns técnicos do Ministério de Administração Estatal e Função Pública, deixa a futura autarquia com defeitos de nascença.

Fica-se com a impressão de que os responsáveis pela elaboração da planta deviam, antes, ter passado por um exercício similar ao dos técnicos da ANE: percorrer o distrito para conhecê-lo melhor.

O primeiro e grave erro que cometeram foi a exclusãode Michafutene, atravessada pela Estrada Circular e EN1. A zona mais populosa do distrito, com 137.578 habitantes, e uma taxa de urbanização de 90 por cento. Tem mais escolas e infra-estruturas económicas que a vila-sede de Marracuene, daí a sua importância.

Além disso, possui um porto seco, aeródromo, estando localizadasa sede da empresa Tropigália, unidades hoteleiras, condomínios, actividades pesqueiras e agrícolas. A planta, com um raio de apenas 14 quilómetros, exclui igualmente a região de Chiango, as fábricas 2M e Heineken, Santa Isabel e parte de Matalane.

Na prática, estamos a falar de um município “magro” e “pobre”que se resume, essencialmente, a Macaneta 1 e 2, vila-sede, a serviruma população de pouco mais de cinco mil pessoas.

Que eu saiba, a criação de autarquias locais é feita em função do nível de desenvolvimento económico da respectiva circunscrição territorial, tomando-se em conta factores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais, administrativos e, acima de tudo, a avaliação da capacidade financeira para a prossecução das atribuições que lhes estiverem acometidas.

Se os municípios, no geral, já nos provaram que sãoinsustentáveis,com as receitas aquém das suas necessidades financeiras,o pior será criar uma autarquia que, logo à partida, tem uma fraca actividade económica e, consequentemente,pouco por cobrar em termos de taxas municipais.

Temos, nessas circunstâncias, por exemplo, a autarquia de Namaacha, na província de Maputo, hojecom sérios problemas de funcionamento. Na sua área territorial dispõe de dois hotéis, um dos quais encerrado e outro a funcionar com dificuldades, uma casa de hóspedes, um mercado municipal e algumas barracas.

Não só não tem dinheiro para investimentos, à semelhança do que acontece com os demais municípios, como não tem capacidade sequer para pagar regularmentesalários. A título de exemplo, os funcionários não vêm a cor do dinheiro há quatro meses

A julgar pela proposta encaminhada ao Conselho de Ministros, há um risco iminente de transformar Marracuene em mais um município a viver de mão estendida,porque as suas receitas serão muito baixas, tendo em conta os meios de que dispõe no seu raio de acção.

Espero que erros como estes sobre o futuro município de Marracuene não tenham sido cometidos na concepção das restantes onze novas autarquias. Quiçá o recomendávelfosse rever todo o pacote com vista a conferir maior fiabilidade ao projecto no seu todo.

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