Governo e Frelimo assumem medo dos jovens e reforçam tese da Polícia

POLÍTICA
  • Inviabilização da marcha em homenagem a Azagaia
  • Nyusi admite impopularidade e dá azo a ideia de ser vítima de tentava de golpe
  • Sociedade Civil acusa vice-comandante da PRM de inventar factos
  • MISA exige mais esclarecimentos da PRM, após intimidação da imprensa

Quando tudo indicava que a Polícia da República de Moçambique (PRM) viria à público pedir desculpas pela actuação violenta da corporação na repressão contra jovens que aderiram à marcha pacífica em homenagem ao rapper Azagaia no País, eis que esta, através do vice-comandante-geral, Fernando Tsucana veio ao terreiro justificar a violência policial com receios crescentes de um suposto um Golpe de Estado. Na ocasião, acusou alguns órgãos de comunicação, incluindo o Evidências, de apelarem ao levantamento social e algumas personalidades políticas e da sociedade civil de serem os promotores das manifestações que teriam por fim último a tomada da Ponta Vermelha. Esta foi a forma que a PRM encontrou para lavar a sua cara perante a pressão internacional, incluindo do Escritório dos Direitos Humanos da ONU. A posição pouco consistente e que está a ser criticada dentro e fora do País, foi depois endossada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, que acrescentou que os agentes da lei e ordem foram obrigados a agir para garantir a ordem e tranquilidade, porque havia pessoas que queriam aproveitar a manifestação para criar desordem. Sem mencionar nomes, exigiu punição exemplar aos agitadores. Entretanto, as organizações da marcha e vários organismos da sociedade civil, a nível nacional e internacional contestam a posição do Governo e exigiram a responsabilização de actores que consideram infractores do direito constitucional a uma manifestação pacífica.

Reginaldo Tchambule e Duarte Sitoe

Cidade de Maputo. Jovens sob efeito de álcool e substâncias psicotrópicas, com objectos contundentes, arremessando-os contra vidros de lojas e edifícios públicos e privados; outros espancando policiais, enquanto alguns tentam se apossar de arma de fogo. É essa a imagem que a Polícia da República de Moçambique procura fazer da manhã do passado sábado na Cidade de Maputo e algumas outras capitais provinciais em todo o País.

Curiosamente, nenhum proprietário de uma loja ou estabelecimento público ou privado reclamou ter o vidro quebrado; nenhum polícia foi apresentado com tendo sido ferido durante a marcha e a corporação não se queixou de algum extravio de arma de fogo, o que pode colocar por terra a tese da PRM que, a todo o custo procurou, semana finda, justificar a sua actuação perante os moçambicanos e a comunidade internacional.

É que, após a repressão policial contra jovens que se preparavam para marchar um pouco por todo o País em homenagem ao falecido rapper Azagaia, Moçambique voltou a estar nas bocas do mundo pelas piores razões e imediatamente, organismos internacionais, incluindo o Escritório dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, condenaram a acção e exigiram uma investigação sobre os excessos na actuação das autoridades que recorreram ao gás lacrimogéneo e violência para dispersar e deter jovens que estavam a marchar.

Para limpar a sua imagem diante da comunidade internacional numa altura em que o País presidente o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a PRM procurou uma série de bodes expiatórios, distorceu conteúdos de jornais e televisões e ampliou alguns factos.

Na sua versão dos factos, a PRM inviabilizou a marcha pacífica em homenagem a Azagaia porque a sua inteligência detectou indícios de que estava para sair de marcha pacífica para violenta.

“A PRM constatando a existência de fortes indícios de transição de uma manifestação pacífica para violenta decidiu preventivamente tomar medidas, desdobrando-se para os locais de concentração aonde aconselhou e exortou aos manifestantes para não realizarem as marchas. No entanto houve desobediência as autoridades policiais proferindo injurias arremessos de objectos contundentes, confrontação física com os agentes da polícia e alguns casos houve tentativa de apossamento de arma de fogo. Nestes termos com vista a reposição de ordem e segurança pública a PRM teve que recorrer a armas de dispersão de massas com estrita observância ao princípio de proporcionalidade de forças e equidade de meios”, disse Tsucana, sem no entanto, apresentar elementos que sustentem alguma actuação

Os bodes expiatórios da PRM

Ainda para justificar a suas acções, a PRM acusou alguns órgãos de comunicação, nomeadamente o Jornal Evidências, TTV e a TV Sucesso de estarem a ser usados pela oposição e sociedade civil como instrumentos de apelo ao levantamento social.

De acordo com Fernando Tsucana, a manchete da edição nº 98 do Jornal Evidências: “Moçambique à beira de um golpe de Estado” e os debates cujo teor é de levantamento social na TV Sucesso deram o pontapé de saída ao que aconteceu na marcha em homenagem ao rapper que em vida cantava músicas de intervenção social.

Igualmente, assumindo papel de um comissário político, Tsucana disse que a PRM estranhou o facto de ao invés de músicos, a marcha pacifica em homenagem a Azagaia ter sido liderada por indivíduos ligados a partidos políticos e organizações da sociedade civil.

Na sua intervenção, a PRM acusou Venâncio Mondlane, Quitéria Guirengane, Augusto Pelembe, João Massango, Fátima Mimbire, Albano Cariz, Ricardo Langa e Manuel de Araújo de serem os rostos por detrás da suposta insurreição, no entanto não apresenta provas sobre isso.

Sociedade civil acusa vice-comandante – geral da PRM de inventar factos

Horas depois do vice-comandante-geral da PRM dar o seu depoimento do que aconteceu na marcha, as organizações da sociedade civil decidiram contra-atacar e exigiram a responsabilização de actores que consideram infracções contra o direito constitucional a uma manifestação pacífica.

As activistas sociais Fátima Mimbire e Quitéria Guirengane referiram que a Polícia da República de Moçambique inventou factos para justificar o excesso de zelo das autoridades da lei e ordem.

“Nós estávamos na expectativa de ter autoridades humildes, que viessem reconhecer o excesso de zelo na sua parte. Nós estamos à espera que viessem pedir desculpas, que viessem dizer-nos que criaram uma Comissão de Inquérito, que vai averiguar os excessos de poder que foram feitos”, afirmou Fátima Mimbire.

Já Guirengane acrescenta que “nós pensámos que estivéssemos a lidar com a Polícia da República de Moçambique, mas percebemos que estamos a lidar com uma associação criminosa, porque só uma associação criminosa pode inventar factos e ela própria acreditar nesse factos e ir reportar, sem ter consumido substâncias psicotrópicas e álcool”.

Em representação dos partidos da oposição que, segundo a PRM, queriam promover uma manifestação violenta, o presidente do Conselho Municipal da Beira, Albano Carige considerou as declarações do vice-comandante da PRM infelizes.

“Como moçambicano, estou completamente envergonhado porque o meu País está na Presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas saiu como um grande violador daquilo que é o direito de segurança da própria nação. Peçam desculpas ao povo moçambicano, digam que erraram e deveriam até ser processados para justificar aquele gasto todo em equipamento militar”, referiu o edil da Beira.

Por seu turno o Edil de Quelimane, Manuel de Araújo submeteu uma queixa na Procuradoria – Geral da República contra Fernando Tsucana por ter o colocado na lista das figuras que líder um levantamento social contra o Presidente da República, ignorando o facto da marcha em Quelimane ter decorrido sem sobressaltos.

Nyusi e Frelimo falam de manipulação dos jovens

Volvidos cinco dias depois da Polícia da República de Moçambique (PRM) reprimir a marcha em homenagem ao músico Azagaia, o Presidente da República, Filipe Nyusi, veio ao terreno alinhar com a versão do vice-comandante-geral da PRM, tendo declarado que os agentes da lei e ordem foram obrigados a agir para garantir a ordem e tranquilidade porque havia pessoas que queriam aproveitar a manifestação para criar desordem.

À margem da XVIII Cerimónia de Graduação em Ciências Policiais (ACIPOL), Nyusi, mesmo sem mencionar nomes, exigiu uma punição exemplar para os agitadores, referindo que a população deve ser vigilante para travar actos que podem atrasar o desenvolvimento do país.

Num discurso contraditório, Nyusi começou por assumir os exageros da PRM, exigir uma investigação sobre as razões que levaram a Polícia da República de Moçambique a adoptar uma postura de confronto físico com os jovens e apelar a que as Forças de Defesa e Segurança não usem a força

Nyusi adiantou que deverão ser identificados “aqueles que procuram se aproveitar da virtude individual do jovem rapper Azagaia para atingir os seus intentos”, dando a entender que está a assumir que os jovens estariam realmente a tentarem removê-lo do poder.

Discursando na abertura da II Sessão Ordinária do Comité Central da Frelimo, a ala dura da Frelimo reforçou a tese defendida por Nyusi e pela polícia. Sobre a marcha inviabilizada pela polícia, embora reconheça que o custo de vida está insuportável e que por isso muitos moçambicanos estão a viver no sofrimento, o secretário-geral da ACLIN acusou a oposição e a sociedade civil de estarem a fazer um aproveitamento.

“Camaradas. Vivenciamos há pouco tempo e será recorrente nos próximos tempos, uma propositada e bem orquestrada confusão entre os partidos políticos e sociedade civil. Como Frelimo e Governo, temos a espinhosa missão de tudo fazermos para salvarmos a opinião pública desta flagrante manipulação em curso, com a qual pretende-se devastar politicamente a Frelimo e desorganizar administrativamente o funcionamento normal das instituições do Estado”, disse, destacando que o expoente máximo desta manifestação teve lugar no passado dia 18 em homenagem a Azagaia.

Fernando Faustino entende que as pessoas que requereram a realização da marcha são diferentes das pessoas, políticos e membros da sociedade civil que apareceram a dirigir as manifestações.

“O que significa que manipularam jovens e pretenderam aproveitar a ocasião para lançar recados políticos, desestabilizar o país e dar a sensação de ingovernabilidade do país, aproveitando-se do sofrimento a que a população está votada, principalmente depois da situação de ciclones e custo de vida”, disse, saudando a actuação das Forças de Defesa e Segurança.

Ao seu estilo característico, Faustino acusou a oposição de ser teleguiada por forças externas disfarçadas em sociedade civil.

MISA sai em defesa do Evidências, TV Sucesso e TTV

Por sua vez, MISA-Moçambique manifestou a preocupação em relação às declarações de Fernando Tsucana em relação aos órgãos de comunicação social e não só. Aquela organização da sociedade civil considera que Tsucana fez uma ameaça velada à independência dos média e ao direito constitucional à manifestação dos cidadãos, enquanto forma livre de expressão de pensamento.

Perante a gravidade das acusações de Tsucana, o MISA Moçambique solicitou ao Ministério do Interior um pedido de esclarecimento adicional sobre as causas das barbaridades cometidas no último sábado (18) por agentes da Polícia da República de Moçambique.

Em carta dirigida à Ministra do Interior, Arsénia Massingue, o MISA questionou a origem das ordens e a base legal que norteou a proibição da marcha, bem como as agressões protagonizadas pela corporação contra os manifestantes.

MISA – Moçambique formulou ainda uma petição à Provedoria da Justiça para que sejam assacadas as responsabilidades institucionais e individuais do acto que, para muitos, mancha a reputação do país recentemente eleito como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Se por um lado, o MISA entende que o comando geral da corporação socorre-se de argumentos baseados em factos fortuitos e de relevância insignificante para publicamente desmoralizar activistas e órgãos de comunicação social, assim como justificar a sua actuação desmedida, perdendo uma soberana oportunidade de publicamente redimir-se diante do povo que jurou defender. Por outro, aponta que conduta da PRM é reveladora do quão alérgicas a manifestações pacíficas e às Liberdades de Expressão e de Imprensa são as autoridades policiais do país, o que reforça a ideia de estabelecimento de um Estado ditatorial.

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