UEM suspende dois docentes acusados de assédio sexual em Inhambane

SOCIEDADE
  • Um dos visados é membro da Frelimo e com cargo no município
  • Estudantes da UEM em Maputo pedem mesma celeridade nos tratamentos dos casos de assédio sexual
  • “Sabemos que não é fácil suspender e expor professores renomados e com cargos dentro do partido”

Enquanto em Maputo os docentes acusados de assédio sexual gozam de impunidade, em Inhambane, a Escola de Hotelaria e Turismo da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) suspendeu, recentemente, dois professores que chantageavam estudantes com avaliações tendenciosas e ameaças de chumbar com vista a saciar os seus apetites sexuais. O caso que envolveu os dois docentes afectos à Escola Superior de Hotelaria e Turismo abriu uma nova página na maior e mais antiga universidade do País, uma vez que em 2022 aquela instituição de ensino superior não deu o devido seguimento a uma denúncia de conduta inapropriada de um dos seus principais docentes e pesquisador de nome Patrício Langa, que terá usado o seu poder e recursos a sua disposição para orquestrar uma viagem à África do Sul a fim de assediar uma estudante, na altura, sua assistente num projecto. Ao nível da capital moçambicana, onde há muitos relatos de assédio, as estudantes esperam que a direcção da Universidade Eduardo tenha a mesma celeridade para resolver os casos que foram engavetados ao longo dos últimos anos.

Duarte Sitoe

Hélder Hugo, membro do partido Frelimo e secretário da Assembleia Municipal da Cidade de Inhambane, é um dos docentes que foram suspensos pela Escola Superior de Hotelaria e Turismo, por isso se acredita que o processo pode sofrer alguma interferência política.

Os dois professores foram suspensos depois de uma denúncia feita por um grupo de estudantes do sexo feminino que já estava fatigado com o modus operandi dos mesmos.

O director da Escola Superior de Hotelaria e Turismo, Ernesto Macaringue, mostrou-se envergonhado com a postura dos dois docentes e adiantou que o caso já foi reencaminhado para o Gabinete Jurídico da Universidade Eduardo Mondlane, enquanto a porta – voz da Procuradoria Provincial de Inhambane, Juliana Boa, instou as mulheres para denunciarem casos de assédios em todas esferas sociais.

Ao Evidências, uma estudante que frequenta o terceiro ano na Escola Superior de Hotelaria e Turismo contou que os professores usavam métodos de avaliação estranhos com objectivo de atribuir negativas para tirar benefícios no final do ano ou do semestre.

Ainda de acordo com a fonte, para saciar o seu apetite sexual, os visados chamavam as universitárias que não conseguiram notas para ir ao exame e começavam a pressioná-las de forma a cederem e irem à cama com eles e quem não aceitava chumbava de forma continua. Na UEM há relatos vastos, alguns reproduzidos aqui no Evidências, de estudantes que chegaram a desistir dos seus sonhos por causa do assédio.

“Eles usavam modelos de avaliação desconhecidos com objectivo de baixar as notas das estudantes e no final do semestre as notas eram trocadas por sexo. Algumas colegas que vieram das outras províncias acabaram cedendo, mas no corrente ano decidimos denunciar. Era estranho o que estava a acontecer, tínhamos boas notas nas outras cadeiras, mas cadeiras leccionadas pelos dois docentes o cenário era outro. Esperamos que este seja o fim da impunidade na Escola Superior de Hotelaria e Turismo”, disse.

“Um assunto com barba branca”

Rosa Macarringue, hoje funcionária de um dos hotéis sedeados na Cidade de Maputo, fez a sua formação na Escola Superior de Hotelaria e Turismo em Inhambane e aponta que o assédio sexual naquele estabelecimento de ensino é um assunto com barbas brancas.

Macarringue referiu que, no passado, os estudantes não tinham como denunciar os professores porque não havia mecanismos para proteger a pessoa que fez a denúncia ao contrário do que acontece no presente.

“Não se pode ignorar o assédio sexual nas nossas universidades. É um assunto com barbas brancas. Fiz a minha formação na Escola Superior de Hotelaria e Turismo e assisti muitos casos. Não tínhamos como denunciar porque os professores tinham possibilidade de saber quem foi que teve a ousadia de denunciar. Entretanto, no presente as coisas mudaram e já há mecanismos de denúncia. Espero que os dois professores sejam exemplarmente punidos. Isto não pode ficar pela suspensão, temos de dizer basta ao assédio sexual nas escolas”, disse.

Estudantes de Maputo clamam pela mesma celeridade

Nos meados do corrente ano, a Universidade Eduardo Mondlane fortaleceu o mecanismo de denúncia para casos de assédio sexual. Entretanto, mesmo com o reforço daquele instrumento, os estudantes ainda não estão seguros, uma vez que entendem que a maior e mais antiga instituição do ensino superior do país protege os professores em detrimento dos alunos.

Na capital moçambicana, a notícia da suspensão dos dois docentes por assédio sexual foi festejada efusivamente. Contudo, as universitárias sentem que há um longo caminho a percorrer para acabar com o assédio sexual nas escolas.

Romana Mugabe pede que a direcção da UEM não olhe para o currículo dos professores e nem a sua orientação política, quando se trata de denúncias de assédio sexual.

“Não é só em Inhambane que há professores que assediam alunas. Algumas abraçam no silêncio porque não querem chumbar e outras sofrem no silêncio porque sabem que a universidade não vai dar o devido acompanhamento. Sabemos que os nossos professores têm um currículo invejável, mas isso não pode ser usado com trunfo para inocenta-los em casos de assédio sexual”, sublinhou.

Por sua vez, Dadiva Rungo mostrou-se feliz com o desfecho da denúncia feita pelas estudas da Escola Superior de Hotelaria e Turismo, mas a mesma celeridade no tratamento de denúncias de assédio sexual em Maputo e nas outras províncias.

“Temos que parabenizar a direcção da Escola Superior de Hotelaria e Turismo pela coragem. Sabemos que não é fácil suspender e expor professores renomados e com cargos dentro do partido. Espero que depois deste caso as mulheres ganhem coragem para denunciar e espero que haja mais celeridade no tratamento de casos nas universidades da Cidade de Maputo e nas outras províncias.

Até assessor do reitor da UEM está entre os acusados de assédio sexual

O Evidências tem estado a seguir casos de assédio sexual na UEM de forma constante. Um dos casos reportados envolve um pesquisador principal da mais antiga universidade do país, a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e antigo assessor do reitor para assuntos estratégicos, Patrício Langa.

Langa terá recorrido aos fundos de um projecto que estava sobre a sua responsabilidade, a ‘Climate-U’, financiado pelo governo do Reino Unido, através da Global Research Fund (GRF), para inventar uma viagem para África do Sul, com uma estudante a pretexto de trabalhar num projecto, mas chegado no país que nada tinha a ver com Climate-U, forçou a companheira a partilhar o quarto.

O caso foi denunciado pela vítima, mas até agora não há uma responsabilização, o que levou a Universidade de Londres a solicitar à reitoria da UEM os procedimentos internos para resolução dos casos de assédio que envolve docentes e alunas e a instar a mesma a investigar o assunto, mas até aqui não houve esclarecimentos.

No dia 23 de Julho de 2021, Fiona Ryland, vice-presidente do Instituto de Educação da UCL, uma extensão da Universidade de Londres (University of London), escreveu ao vice reitor da UEM, a respeito de “uma alegação de má conduta sexual envolvendo um académico e uma estudante de sua universidade”, que foi  levado a seu conhecimento.

No documento que a Universidade de Londres, com ligação aos financiadores do referido programa, classificava de confidencial, Ryland partilhava informações na posse do Instituto de Educação da UCL, afim de que a UEM possa conduzir “sua própria investigação, de acordo com suas políticas relevantes”.

Não deixa de ser curioso o facto de a vítima ter se queixado aos financiadores e não à UEM, o que reforça a narrativa de que as queixas internas são arquivadas na instituição.

É que naquele momento o Instituto de Educação da UCL estava envolvido com a Universidade Eduardo Mondlane em umprojeto, ‘Climate-U’, financiado pelo governo do Reino Unido através do Global Challenges Research Fund (GRF), conduzido por Patricio Langa, um dos pesquisadores principais. Não estando claro se o projecto foi suspenso ou continua.

“Recebemos uma denúncia onde é relatado que o Prof. Langa agiu de forma inadequada com uma estudante enquadrada no programa como coordenadora da rede de alunos”, denunciou Fiona Ryland, num documento que o Jornal Evidências teve acesso.

Adiante, lê-se no documento que Langa “convidou a estudante para a África do Sul com base no facto de que ela era para fazer algum trabalho para Climate-U. Quando a estudante chegou, alegou que o Prof. Langa sugeriu que eles deveriam fazer sexo. Fomos informados de que o Prof. Langa havia pago apenas por um quarto individual na África do Sul, com a expectativa de que haveria sexo, mas quando a aluna recusou qualquer intimidade, ele pagou para ela ter seu próprio quarto”, expôs.

Essa situação preocupa a UCL pelo facto de ser alguém que estava em uma posição tão poderosa que colocou, supostamente, uma jovem em uma situação tão vulnerável, em um país diferente sob o pretexto de um projecto que não exigia uma visita ao Sul África, ou seja, a viagem foi inventada para fins predadores.

Visivelmente agastada com a aparente falta de interesse da UEM em esclarecer o caso, a UCL deixa claro na sua exposição que não pretende se intrometer na investigação de outras universidades, mas mostra preocupação pelo facto de passado um ano a maior univesidade do país continuar a perpetuar o sofrimento da vítima.

“Estamos mais preocupados com a gestão do projecto Climate-U, incluindo o tratamento dos funcionários e alunos envolvidos, bem como o uso adequado dos fundos. Ficaríamos gratos se pudesse nos fornecer cópias de suas políticas e procedimentos contra assédio e intimidação e nos manter informados sobre o status de sua investigação sobre alegações que trouxemos à sua atenção e seu resultado”, revela aquela universidade, recomendando a UCL a proteger quaisquer supostas vítimas e garantir que elas sejam apoiadas durante todo o processo de investigação.

Facebook Comments