Alexandre Chiure
Às vezes fico com a impressão de que colocamos uma fasquia bastante alta em termos de desempenho, quando se trata dos outros e passamos por cima daquilo que são os nossos próprios problemas. Vemos coisas negativas nos quintais dos outros e ignoramos os nossos erros, como se o que fazemos fosse digno de encómio.
Exigimos dos políticos o cumprimento rigoroso da lei, em particular da Constituição da República, quando nós próprios não estamos bem. Não somos um bom exemplo na sociedade. O nosso sindicato nacional é prova de que antes de atacarmos os outros, devíamos olhar para nós próprios, o que somos e o que fazemos.
Parece que nos assustamos mais com a possibilidade de o actual Presidente da República avançar para oterceiro mandato. Quase todo o mundo é contrário a essa hipótese, mas permitimos que a direcção do Sindicato Nacional de Jornalistas inicie, este ano, o seu quarto mandato, dos dois preconizados nos estatutos.
Permitimos que uma direcção ilegal continue a representar os interesses de todos nós como se nada acontecesse. Admitimos que continue a assumir compromissos em nome do nosso sindicato, com a possibilidade de alguns deles, por imperativos legais, poderem ser impugnados caso o entendimento dos membros fosse esse.
Em última análise, permitimos que a mesma direcção continue a representar-nosem actos públicos e, mais do que isso, a promover prémios de jornalismo em diferentes instituições públicas e privadas, e comalguns dos seus membrosa participarem comissões de júris e programas de formação de jornalistas. Com que cara?
Tudo isto acontece à luz do dia, mas nada tem sido feito pelos membros mais influentes para acabar com esta situação. Nós somos pela gestão transparente da coisa pública. Defendemos acultura de prestação de contas, mas o nosso sindicato não prima pelo zelo em relação a esses aspectos.
Ninguém sabedizer quais são as fontes de rendimento do sindicato e o que é feito do dinheiro colectado. Não importa se o que entra é muito ou pouco. Se cobre ou não as necessidades do sindicato em termos financeiros. Seja qual for o montante, este tem de ser divulgado no seio dos membros em nome da transparência, que não existe.
O mais grave ainda é o facto de que ninguém tem conhecimento do plano de actividades do sindicato delineado para os últimos cinco ou dez anos.O rumo que a organização está a tomar. Estamos a jogar no escuro.
Não estou a pedir que se faça um golpe palaciano no SNJ. Nada disso. Não estou a pedir que os membros, perante estas irregularidades, tomem o poder fora das regras estabelecidas. Sugiro, isso sim, que seja feita uma profunda reflexão sobre o que queremos da nossa organização.
Não basta fazer a conferência nacional do SNJ,que o SG promete ter lugar até ao final do ano,para a eleição de novos órgãos sociais do sindicato, apesar de isso ser um bom ponto de partida nos esforços pela revitalização da organização.
Temos, acima de tudo, que actualizar os files. Pensar em como desenvolver o sindicalismo no actual contexto de desenvolvimento do país. Há que repensar em tudo. Na forma de cobrança de quotas e de lidar com os membros de forma que todos se identifiquem com o sindicato.
Temos, igualmente, de pensar numa organização inclusiva. Se o que queremos é um Sindicato ou Ordem de Jornalistas, ou simplesmente Organização de Jornalistas.
É preciso igualmente repensar no modelo de votação. Se vale a pena manter o actual, que é na base de representatividade, ou abrir espaço para que qualquer um que seja membro possa votar e ser eleito desde que a sua situação esteja regularizada.
Estes são, em parte, os problemas de fundo da organização, cujos membros se sentem abandonados, para não falar da situação crítica por que passam alguns jornalistas, em particular nas províncias. A título de exemplo, temos casos dos que são contratados através de SMS a partir da capital do país,profissionais da comunicação social que trabalham sem salário, os que auferem remunerações abaixo do vencimento mínimo nacional, entre outras situações anómalas que requerem uma forte intervenção do Sindicato Nacional de Jornalistas, negociando com o patronato para a solução destes e outros problemas que se tem vindo a constatar.
Em Janeiro do ano passado, escrevi uma carta aberta ao SG do SNJ em que levantava estas e outras questões. Houve um caloroso debate em torno do assunto, mas tudo terminou como começou. Faltou atitude da parte dos membros fundadores. Dos históricos da organização a quem cabe a responsabilidade de garantir a reserva moral do sindicato, actualmente com 45 anos de existência.
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