O ABC dos despedimentos ilegais do Betle Restaurante Bar-Café

SOCIEDADE
  • Mais de 10 notas de culpa foram emitidas em um ano e ninguém foi indemnizado
  • Funcionários relatam que despedimentos sem razões plausíveis tem sido o modo – operandi
  • Advogado analisou 10 notas de culpa concluiu que não há provas que sustentam as acusações contra os trabalhadores
  • Bettle Restaurante Bar-Café afirma que funcionários ora suspensos foram encontrados em flagrante

O despedimento sem justa causa é uma das formas de acabar com o contrato de trabalho. No Betle Restaurante Bar-Café, os trabalhadores parecem não estar protegidos pela legislação contra esse tipo de prática empresarial. Os colaboradores, quer por desconhecimento da lei e até por medo, fecham-se em copas e cedem ao despedimento, apesar dos argumentos poucos plausíveis duma direcção que avança com demissões para se eximir do pagamento das devidas indemnizações. Aliás, segundo os queixosos, práticas do género são comuns naquela empresa que pontapeia a Lei de Trabalho e os direitos humanos sem que ninguém de direito faça alguma coisa. Na sua versão inquinada dos factos, a direcção da Betle reconheceu que pauta pelo despedimento.

Duarte Sitoe

Perto de uma dezena de funcionários viu o seu contrato rescindido sem direito a indemnização na Betle Café, em menos de um ano. Só nos primeiros quatro meses deste ano, é possível contabilizar oito (08) pessoas que foram expulsos sem qualquer justificação clara quando comparada a nota culpa com os argumentos dos “expulsos”.

Ao Evidências, os ex-trabalhadores daquela empresa que hoje engrossam exército de desempregados no país denunciam um alegado esquema visando demitir os trabalhadores sem justa causa, o que de segundo eles, viola a Lei do Trabalho e os Direitos Humanos.

Uma funcionária foi demitida por não ter registado um pão seco (10 meticais). Primeiro teve de pagar o valor equivalente a 160 unidades daquele produto. No ano passado, dois funcionários abraçaram o desemprego porque faltou 200 meticais. Um grupo afecto ao sector da cozinha também foi ao desemprego pelo simples facto de ter confeccionado comida para os colegas. Este ano mais três estão na rua e o motivo: não registaram uma pizza.

“Foi uma demissão injusta. Estou revoltado com a postura da empresa. Fui despedido e não quiseram ouvir a minha versão dos factos. Estavam a caçar uma pessoa que já não queriam mais e acabaram despedindo pessoas que nem tinham culpa. Estou em casa por uma coisa que não fiz. Preferia que a empresa me dissesse que já não precisava dos meus serviços ao invés de inventar estórias. São práticas comuns naquele restaurante”, disse um dos ex-trabalhadores que preferiu falar na condição de anonimato por temer represálias do antigo patronato. Ainda referiu que, mesmo depois de responder a nota de culpa, o Betle Restaurante Bar – Café pautou pelo afastamento sem direito a indemnização.

Observa ela que o Ministério de Trabalho e Segurança Social deve tomar as devidas medidas, porque muitos moçambicanos estão a ser escravizados na Betle Café.

Ela fala de um dia bastante movimentado onde os pedidos eram muitos. “E tínhamos o hábito de pedir produtos na cozinha para depois registar, mas naquele dia acharam que aquela prática lesava a empresa. Infelizmente, só recebemos nota de culpa, mas pelo que sei antes da nota de culpa o trabalhador deve receber uma advertência oral e escrita. Estamos no nosso próprio País, mas os estrangeiros chegam e impõe as leis dos seus respectivos países. Exorto ao Ministério do Trabalho e Segurança Social e, sobretudo, a Inspeção Geral do Trabalho para fazer uma inspeção em todos os restaurantes para perceber as condições em que são sujeitos os trabalhadores moçambicanos”.

Funcionários da Betle pagam quotas a um sindicato invisível

O Evidências teve acesso ao grosso das notas de culpas dos trabalhadores que foi afastado, tendo procurado um advogado abalizado no assunto para analisar os mesmos, tendo revelado que o departamento dos recursos humanos do Betle Café não cumpriu escrupulosamente com a Lei do Trabalho em vigor no país, uma vez nunca havia advertido os trabalhadores oralmente e por escrito antes da nota de culpa.

Para rebater as acusações da Betle contra os trabalhadores, o advogado apoiou-se nos termos do al. a), do n.º 2, do art.º 67º da Lei do Trabalho, refere que “após a data do conhecimento da infracção, o empregador tem 30 dias, sem prejuízo do prazo de prescrição da infracção, para remeter ao trabalhador e ao órgão sindical existente na empresa uma nota de culpa, por escrito, contendo a descrição detalhada dos factos e circunstâncias de tempo, lugar e modo do cometimento da infracção que é imputada ao trabalhador”, ou seja, o que se designa dever de circunstanciação da nota de culpa, apontado que a sua falta faz a nota de culpa incorrer em vício de circunstanciação.

Ainda na sua explicação, o causídico aponta que todas notas de culpa que foram distribuídas pelos trabalhadores não contém a descrição detalhada das circunstâncias de tempo e modo de cometimento da infracção disciplinar, o que limita sobremaneira a possibilidade de posicionamento especificado dos arguidos sobre os pontos da acusação, limitando desta forma o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado, tendo no quarto dado exemplos de  expressões como  “venda de produtos como  pizza sem registo”

Baseando-se ainda nas formulações constantes nas notas de culpas que o Evidências teve acesso, o advogado não tem dúvidas de que eles encerram o essencial da acusação da entidade empregadora, visto que que não é possível descortinar que actos disciplinarmente censuráveis são imputáveis aos arguidos.

Ainda na tentativa de provar a inconstitucionalidade dos processos que os trabalhadores foram alvos, o advogado que temos vindo a citar apoia-se no artigo 67º da Lei do Trabalho que estabelece que o processo disciplinar se inicia com a entrega da Nota de Culpa simultaneamente ao trabalhador e ao órgão sindical.

No entanto, os funcionários ora suspensos denunciaram que o Betle Restaurante Bar-Café não canaliza os descontos que faz nos ordenados ao sindicato dos trabalhadores da indústria de restauração. Na opinião do advogado a Betle Restaurante Bar-Café pontapeou a lei, uma vez que nunca apresentou as acusações aos trabalhadores por escrito que mensalmente pagam quotas obrigatórias num sindicato que desconhecem.

“De acordo que os funcionários que se sentem lesados com a postura da Betle Restaurante Bar-Café, mesmo sofrendo descontos, nenhum deles está inscrito no sindicato dos trabalhadores, sendo que Artigo 143, no seu número 1 refere que a adesão é livre. Já o Artigo 144 apesar de incidir sobre o dever de pagamento de quotas também refere que tal está condicionado a obrigatoriedade do comité sindical apresentar, por escrito, a relação nominal dos trabalhadores sindicalizados, assinada por cada trabalhador, para permitir a retenção dos descontos na fonte pelo empregador. Isso nunca foi efectivado no Betle Restaurante Bar-Café, lda, mas devido ao medo reinante no grupo de trabalhadores tal nunca foi questionado. Sucede, porém, que apesar do sindicato não ser legítimo nunca foi apresentado por escrito o grosso dos casos”, explica o advogado.

Aliás, para explicar que Betle Restaurante Bar-Café foi infeliz na sua abordagem apoiou-se no artigo 67 da Lei de Trabalho que estabelece que o processo disciplinar se inicia com a entrega da Nota de Culpa simultaneamente ao trabalhador e ao órgão sindical. No entanto, os funcionários ora suspensos não receberam nenhuma notificação do sindicato.

Olhando para o grosso dos argumentos elencados pela Betle Restaurante Bar-Café, o advogado que temos vindo a citar conclui que na inexistência de provas da acusação contra os funcionários que estão suspensos preventivamente na dúvida sobre os elementos de prova da acusação ou na sua inexistência a empresa devia beneficiar os arguidos, ou seja, ao invés de demitir a empresa tinha que readmitir os funcionários. O Evidências sabe que um grupo de trabalhadores vai procurar intermediação do Ministério do Trabalho e Segurança Social para reparar os seus direitos.

Direcção jura de pês juntos que os funcionários foram encontrados em flagrante

Na sua reação sobre as acusações dos funcionários ora suspensos, a direcção do Betle Restaurante Bar-Café referiu que os mesmos foram encontrados em flagrante depois de uma denúncia de clientes que consumiram produtos e na tentativa de dividir a conta pediram factura do que consumiram, mas, debalde, foram obrigados a pagar mesmo sem factura, tendo, por isso, denunciado essa postura a direcção da empresa.

Sobre as demissões em massa, Bttle Restaurante Bar-Café reconheceu que tem sido prática da empresa quando se trata de casos de roubo, todavia, apontou que tais demissões acontecem depois da entrega das notas de culpa, referindo que não pode continuar com trabalhadores que foi provado que os mesmos roubam à empresa. Sobre este aspecto, o escritório de advogados que pretende apoiar o grupo de trabalhadores refere que as notas de culpa se socorrem de formulações genéricas e não identifica os bens vendidos sem o devido registo. “As notas não contêm a descrição circunstanciada dos factos, tempo e modo do cometimento da putativa infracção, dizem. Na verdade, o restaurante socorre-se da fraca instrução dos colaboradores para demitir ao arbítrio da vontade dos seus gestores.

Prosseguindo, a direcção daquele restaurante jurou de pés juntos que todos os trabalhadores estão inscritos no sindicato, tendo ainda reiterado que nunca pontapeou a Lei de Trabalho vigente no país.

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