O seu último suspiro foi dado na Reunião da Bancada, onde foi chumbada proposta de Gaza

DESTAQUE POLÍTICA
  • Morreu qualquer chance de Terceiro Mandato
  • Feliz Sílvia, em representação do grupo de Gaza, ainda tentou o último recurso
  • Disse que “podia se usar a ocasião para vermos outros pontos na Constituição”
  • Destacados camaradas chumbaram proposta e vai se rever somente a data na CRM
  • Eduardo Mulembwè e Helena Kida disseram que não se devem misturar os assuntos

Depois de uma tentativa frustrada de introduzir a agenda do terceiro mandato na Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade das Eleições Distritais, “entrava em agonia” a chance de se chancelar na Lei Mãe uma alteração que pudesse conferir mais um mandato a Filipe Nyusi, mas não tinha sido declarado oficialmente o óbito de um projecto que sempre dividiu alas na Frelimo. Viria, então, a ser em sede da reunião da Bancada da Frelimo na Assembleia da República, que o terceiro mandato deu o seu último suspiro, com morte certa declarada depois que um grupo de deputados de Gaza, tendo Feliz Sílvia como porta-voz, sugeriu que se pudesse usar aquele debate de preparação do ante-projecto de Lei de Revisão Pontual da Constituição da República, para “vermos outros pontos”, o que foi liminarmente reprovado por deputados reputados como Eduardo Mulembwè.

Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule

Está praticamente esgotada qualquer possibilidade da actual revisão da Constituição da República servir para acomodar um propalado terceiro mandato a favor de Filipe Nyusi. Todas as tentativas de incluir esta proposta no Projecto de Revisão Pontual da Constituição da República foram liminarmente recusadas.

Com efeito, a proposta final apresentada pela bancada parlamentar da Frelimo, na última quarta-feira, é clara. A revisão abrange única e exclusivamente o número três (03) do artigo 311 da Constituição e nem uma vírgula a mais.

Com efeito, o número 3 do artigo 311 passa a ter a seguinte redacção: “(…) 3. As primeiras eleições distritais, nos termos previstos na Constituição da República têm lugar logo que sejam criadas as condições para a sua realização”.

Mas antes da aprovação desta disposição que encerra qualquer chance de haver manipulação constitucional para que Filipe Nyusi mantenha-se no poder para além de 2024, houve o último suspiro do terceiro mandato, num debate aceso na Bancada Parlamentar do partido Frelimo, proponente do projecto de revisão da constituição já depositado na Assembleia da República.

Um grupo de deputados de Gaza, sob orientação de Daniel Matavele, um forte serviçal do secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, tentou abrir um debate para que se revisse mais do que a data das eleições distritais na Constituição. Basicamente, queriam discutir a possibilidade de mudança do modelo de eleição do Presidente da República.

Coube ao deputado Feliz Sílvia, por sinal porta-voz da bancada na Assembleia da República, fazer o apelo do grupo. Feliz Sílvia disse que “havendo disponibilidade, devíamos usar a ocasião para vermos outros pontos na Constituição da República”.

Mas o deputado gelou completamente a sala da bancada quando decidiu afunilar ainda mais o seu raciocínio e sugeriu que devia se discutir a questão da limitação dos mandatos do Presidente da República. Depois de alguns instantes de sala gelada, o solícito porta-voz do terceiro mandato foi praticamente vaiado na sala.

Eduardo Mulémbwè negou terceiro mandato e (até) Helena Kida concordou 

Eduardo Mulémbwè, antigo presidente da Assembleia da República e um dos deputados mais experientes na presente legislatura, foi o primeiro a quebrar o gelo e ao seu estilo característico deu uma machadada final à agenda do terceiro mandato.

“Temos um mandato claro”, foi com esta palavra de ordem de quem já teve o poder do martelo na magna casa do povo que se viu lentamente a acabar o fôlego do terceiro mandato naquele que era o seu último e derradeiro suspiro. Mulémbwè teve apoio de quase todos os mais de 180 deputados presentes.

Quem também esteve presente na sessão, na qualidade de convidada, tendo em conta que a base de fundamentação da Proposta de Lei de Revisão Pontual da Constituição é o último relatório da CRED, foi Helena Kida, ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos que também tomou da palavra para esvaziar a tese do terceiro mandato.

“Não vamos misturar as coisas”, sentenciou a governante, filha de Mateus Kida, um aclamado herói da Luta de Libertação Nacional e que faz parte da ala dura da Frelimo, os antigos combatentes, que nunca apoiaram a aventura do terceiro mandato, mesmo com os devaneios da OJM que chegou a afirmar que preferia ter Filipe Nyusi por mais cinco anos. Mesmo assim, as palavras de Kida causaram estranheza.

Exposto e contrariado, Feliz Silvia apareceu na conferência de imprensa, na qualidade de porta-voz da bancada, visivelmente nervoso e atordoado, de tal sorte que perdeu-se na primeira tentativa de iniciar o anúncio de que o seu partido havia submetido a proposta à Assembleia da República.

“Após o acordo entre o Governo e a Renamo, foi aprovada a Constituição de 2018, que dentre vários aspectos, o mais importante era referente a descentralização para … perdi-me, podemos parar”, disse Sílvia visivelmente atrapalhado.

Haviam tentado introduzir o tema na CRED

Foi assim que acabou caindo o último recurso da estratégia do terceiro mandato que havia sido alinhado pelo grupo de Gaza, dias depois de um outro grupo na Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade das Eleições ter tentado incluir uma proposta para viabilizar o terceiro mandato, através da introdução na proposta de revisão da Constituição, da eleição indirecta, o que dividiu o grupo de trabalho e depois de uma ameaça de demissão de parte dos membros, acabou prevalecendo a decisão de que não obstante não constar não consta dos termos de referência e mexer mais do que a data pode gerar convulsões.

Quando o Evidências alertou na sua edição 98 para o risco de manipulações constitucionais que consubstanciam Golpe Constitucional a luz do direito internacional, houve quem achou um grande exagero, mas à medida que o tempo vai passando vem se cristalizando a ideia de que há intenções de se rever para além de uma data na Constituição da República.

Os trabalhos da Comissão continuam e depois de auscultações nas províncias trabalha na compilação dos novos elementos por forma a produzir-se o relatório final dentro do prazo de 45 dias previstos.

No entanto, para quem vê uma comissão a todo gás, não pode imaginar que foi marcada um momento de grande tensão no início, quando por ordens superiores houve tentativa de forçar a introdução nos termos de referência de uma proposta para que fosse analisada a possibilidade de se alterar o modelo de eleição do Presidente da República, do actual directo, para um indirecto em que o Chefe do Estado seria escrutinado por via de uma lista.

A ideia é aproveitar a reflexão para propor essa alteração que permitiria que Filipe Nyusi, voltasse a ser elegível, num novo modelo, como Presidente da República, pois em vez de concorrer directamente seria eleito como cabeça de lista do seu partido, onde, no último Congresso foi conduzido para um mandato de cinco anos, aclamado pela OJM.

No entanto, a proposta foi chumbada não passou no primeiro teste, pelo facto dos membros da Comissão entenderem que tal extravasa aquelas que são as suas atribuições e mais grave ainda não fazer parte dos termos de referência iniciais.

E porque houve tentativa de imposição, alguns membros, oriundos da sociedade civil, chegaram a ameaçar colocar seus cargos à disposição. A posição dos membros da CRED pode representar uma machadada final à pretensão de um grupo de se manter no poder por vias pouco ortodoxas.

Um Golpe Constitucional que vem sendo ensaiado e divide a própria Frelimo

A ideia de um terceiro mandato para Filipe Nyusi foi introduzido em Maio de 2021 no Comité Central. A primeira a fazer essa insinuação foi Felizarda Paulino, membro do Conselho de Estado, que defendeu que a vitória expressiva, em 2019, cria condições para que Filipe Nyusi continue a dirigir o País até 2030.

Curiosamente foi exactamente na mesma sessão que Celso Correia, actual ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e um dos elementos activos daquele órgão, evocou pela primeira vez aspectos conjunturais para propor um adiamento da eleição dos administradores distritais a partir de 2024 conforme ficou acordado no diálogo com a Renamo e consta das alterações introduzidas no texto da revisão pontual da Constituição da República, aprovada em Maio de 2018, pela Assembleia da República.

A partir daí os dois ganharam e dentro da própria Frelimo não há uma discussão sobre uma proposta de mudança dos sistema de eleição do Presidente da República para em vez de ser de forma directa, passar a ser eleito de forma indirecta, ou seja, através das listas dos partidos políticos, tal como acontece em Angola. Em Moçambique este modelo, começou a ser implementado desde 2018 para a eleição dos presidentes dos municípios e governadores de província.

Tendo sido eleito Presidente da Frelimo, no último Congresso do partido para um mandato de cinco anos, ou seja, até 2027, numa situação de eleição indirecta, Filipe Nyusi seria automaticamente Cabeça de Lista da Frelimo em 2024, sendo por isso reeleito Presidente da República, num modelo novo e com cobertura da nova Constituição da República.

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