Uma regalia chamada sirene

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Quando alguém sobe ao poder procura todas as formas possíveis de impor-se. Mostrar a todo o mundo que manda. Que é todo-poderoso e nós outros temos que lhe prestar vassalagem.

Alguns desses dirigentes, entre nomeados e eleitos para cargos públicos e não só, acham que para serem respeitados têm que serarrogantes.Outros, pura e simplesmente,preferem não ouvir a opinião dos seus subordinados, prevalecendo apenas a sua na tomada de decisões, o que é mau.

Outros ainda optam por ser inacessíveis. Centralizam tudo. São eles que falam em nome da empresa ou da instituição, pública ou privada. São eles que falam à comunicação social quando acham que lhes é favorável e fecham-se em copas quando há problemas.

Mas há quem usa outras formas possíveis para ser notável na sociedade ou fazer valer a sua posição de governante ou de dirigente militar. É o caso da sirene.

É cada vez crescente o número de chefes e chefezinhos que têm o gosto pelo uso deste instrumento para atrair a atenção do público à sua volta. Chefes e chefezinhos que não me parecem ter todo o direito de uso da sirene.

O normal seria o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, os presidentes dos tribunais Constitucional, Supremo e Administrativo, o Procurador-Geral da República, os governadores e os secretários de estado provinciais, na qualidade de representantes do Chefe de Estado. Os outros, não.

Mas o que vemos no dia-a-dia é que o direito à sirene se estendeao ministro e vice-ministro da Defesa Nacional, ministro e vice-ministro do Interior, comandante geral da polícia e o seu vice, Chefe do Estado Maior Geral das FADM e o seu vice e aopresidente do Conselho Autárquico de Maputo. Lista que vai longa.

Há tantas sirenes a tocar em Maputo de tal forma que já não sabemos de quem é a escolta que está a passar. Sirenes que paralisam o já caótico trânsito nas ruas de Maputo. Uma urbe com mais de 500 mil veículos a disputarem as saturadas e esburacadas estradas, cujo asfalto é uma relíquia da era colonia, e os escassos espaços para oseu parqueamento.

Logo pela manhã, tocam a anunciar que os ilustres estão à caminho do serviço.Na hora do almoço, idem. Voltam a soar na parte de tarde quando eles regressam ao trabalho e entre as 15:30 e as 16:00 horas, quando vão para casa. Muito barulho.

No passado, eram poucas as escoltas que usavam a sirene. Por isso, havia muito respeito por elas. Sabia-se que vinha o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o governador da província de Maputo, o presidente do Tribunal Supremo oumais uma e outra figura.

Hoje, é difícil de imaginar quem vai na escolta, pior porque as viaturas que transportam esses ilustres têm vidros escuros.Além da sua banalização, as sirenes perturbam o público.

Uma colega de profissão afecta em Quelimane disse-me, a propósito, que os quelimanenses festejaram a exoneração do falecido Itai Meque do cargo de governador da Zambézia tudo porque a sua escolta usava e abusava a sirene. Tocava mesmo aos domingos, sem tráfego nenhum, quando ele fosse assistir a um jogo de futebol.

Dado à falta de controlo, até um simples motorista do carro da polícia, sozinho, à caminho de casa ou a acompanhar um expediente, aproveita-se da situação paraaccionara sirene para que nós outros nos afastemos para ele passar com prioridade. Brincadeiras destas acontecem,vezes sem conta, e nada é feito para acabar com esse abuso.

Os motoristas de ambulâncias são outros brincalhões. Sem doente nenhum a bordo a necessitar de socorro urgente num hospital próximo ou de referência, usa a sirene para ter prioridade num engarrafamento. Todos somos obrigados a deixá-los passar, em cumprimento do estipulado no código da estrada.

Atenção! Quer um carro da polícia, quer a ambulância,quando não estão em situação de emergência, são automobilistas como quaisquer outros e, por isso, sujeitos às mesmas obrigações que os demais.

A ambulância só tem tratamento especial quando estiver a evacuar um doente. Mesmo uma simples viatura, estando a transportar um doente, pode merecer prioridade desdequetenha luzes acesas e ouemergência ligada e a tocar buzina. O carro da polícia quando está em plena perseguição de bandidos ou com reclusosa bordo ou ainda uma viatura de transporte de valores.

O mais grave ainda é o facto de algumas escoltas circularem em contramão sem que se justifique tal procedimento. Não entendo, por exemplo, como é que às vezes a escolta da Procuradora Geral da República, Beatriz Buchili, sobe pela Vladimir Lenine, estrada com sentido único para a baixa da cidade. Além de violar o código da estrada, há o risco de, um dia,a sua escolta poder envolver-se num grave acidente de viação.

Posso compreender se ela estiver em evacuação do edifício onde trabalha ou porque há uma ameaça de bomba ou ainda porque corre outro tipo de perigo. Fora disso, não há explicação possível para a tamanha violação das regras de trânsito.

Os abusos que se verificam no uso da sirene no país, em particular na capital do país, chamam atenção para a necessidade de rever a lei que introduz este direito. Alguma coisa deve ser feita pela Polícia de Trânsito para impor disciplina na utilização deste instrumento.

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