Descentralização: Um erro de partida que precipitou múltiplos erros de percurso

EDITORIAL

O debate sobre as eleições distritais já ganhou um novo capítulo. E a oposição principal, embora relutante, já demonstrou aceitação das recomendações da Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade da Realização das Eleições Distritais em 2024 (CRED). É o que sugere o comunicado da Presidência da República que aborda os pontos discutidos na última reunião entre o Presidente da República, Filipe Nyusi e Ossufo Momade, presidente da Renamo.

No documento, lê-se que os dois avaliaram “com destaque (…) o decurso do processo de recenseamento eleitoral e as conclusões do relatório da Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade da Realização das Eleições Distritais em 2024 (CRED), que recomendam o adiamento das eleições distritais previstas para o próximo ano”. E anuncia a necessidade de criar uma comissão de trabalho alargada que vai continuar a reflectir sobre as competências dos órgãos de governação descentralizada.

É já um passo rumo a unanimidade. Não se conhece actualmente a posição do MDM, desde que saiu o relatório da CRED, apesar de ter pouco peso neste assunto que resulta de acordos à porta fechada entre o Governo e a Renamo, mas bem antes desse novo desenvolvimento, Lutero Simango, assumindo uma postura de defensor da realização das eleições distritais afirmava que um eventual adiamento devia ser decidido pelo povo moçambicano através de um referendo. Plausível, mas foi mais uma fala política.

O adiamento, apesar de reflectir a vontade da Frelimo, que investiu apenas numa Comissão que pudesse formalizar sua pretensão, no caso a CRED, é racional, embora já se fale de atropelos de procedimentos que devem ser observados para mexidas da Constituição da República. São queixas levantadas no Parlamento, mas que tiveram pouco eco.

Por agora, é de se notar que este debate começou a ser bem visto depois da reunião da bancada, que deixou claro que a ocasião não irá abrir espaço para acomodar outros apetites, nem para acolher as sugestões do camarada Feliz Silvia, que sugeria que se aproveitasse o momento para uma revisão que acomodasse outras “necessidades”. Como dissemos noutras edições, não estamos, como País, em altura de aumentar o peso da estrutura administrativa e financeira do Estado como viria acontecer com as eleições distritais e já acontece com as eleições provinciais, mas havia receio dentro da Frelimo que o momento servisse para acomodar os anseios do terceiro mandato cuja sobrevivência se extinguiu na reunião da bancada. São esses anseios que provocaram barulho e dificultaram a rápida aceitação das eleições distritais e não a Renamo, que mesmo depois da reunião na Presidência da República não teceu qualquer comentário sobre o seu encolhimento, talvez temendo expor a sua inconsistência.

É uma inconsistência que concorre para continua violação dos acordos entre este e Governo, que por mais que consiga um acordo com um amparo constitucional não deixa de ser rasgado, proporcionando uma instabilidade contínua. Não queremos com isso colocar em causa a posição de adiamento das eleições, mas ilustrar que o erro foi o próprio acordo entre Frelimo e Renamo sem ter sido aberto para outras vozes, que veio precipitar mais um erro e, claramente, vai na próxima quintilha ser alvo de outros debates. Ou seja, foi um erro de partida que precipitou um erro de percurso e põem-nos a resolver erros do passado, quando devíamos estar a pensar e projectar como sofisticar a nossa descentralização.

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