Embaixada ucraniana em Maputo não vai beliscar a neutralidade de Moçambique

DESTAQUE POLÍTICA
  • Rússia diz que respeita posição do nosso País
  • Nyusi voltou a mostrar disponibilidade de Moçambique acolher negociações de paz
  • Paulo Wache observa que Moçambique esta ser palco de negociações sobre o conflito
  • Rui Mendes não tem dúvidas que os dois países querem mudar a posição neutral

Desde o início da guerra na Ucrânia, Moçambique tem mantido uma posição de neutralidade, apelando desde a primeira hora a uma paz negociada. Entretanto, nas últimas duas semanas, viu a sua posição colocada ao limite. Quase uma semana depois de ter recebido o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dimitri Kuleba,  com o objectivo de reforçar as relações de cooperação entre os dois países, tendo na ocasião anunciado a intenção de instalar uma embaixada em Maputo, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov esteve no País com a mesma agenda, tendo anunciado a retoma de alguns memorandos cujo cumprimento ficou prejudicado por causa da pandemia, incluindo a entrega de material bélico, dentro de semanas, para reforçar a capacidade nacional no combate ao terrorismo na província de Cabo Delgado. A situação leva analistas a acreditarem que o País está aos poucos a assumir uma posição estratégica no concerto das nações. Enquanto o analista Rui Mendes aponta que os dois países do velho continente estão a fazer uma operação de “charme” no sentido de mudar a posição neutral de Moçambique em relação ao conflito, Paulo Wache observa que Moçambique está a ser palco de negociações e até mesmo de influências sobre o conflito na Ucrânia.      

Num intervalo de seis dias Moçambique recebeu visitas dos chefes da diplomacia da Ucrânia e da Rússia. O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, foi o primeiro a escalar a cidade de Maputo, onde manteve encontro com o Presidente da República.

À margem do encontro, Kuleba manifestou a intenção do seu país de abrir uma representação diplomática em Moçambique até o fim do corrente ano, facto que foi colhido com agrado por Filipe Nyusi que reiterou que é pela solução negocial entre os dois países, tendo na ocasião mostrado disponibilidade para acolher o diálogo no território nacional para o alcance da paz.

Volvidos cinco dias depois do chefe da diplomacia da Ucrânia visitar Moçambique, o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, visitou a capital moçambicana com “quase” uma agenda similar ado seu homólogo ucraniano.

Durante a conferência de imprensa conjunta com o ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Mesquita, que participou na qualidade de representante do Governo moçambicano, foi questionada se a instalação da Embaixada da Ucrânia em Moçambique era prenúncio da mudança de posição em relação ao conflito entre os dois países do velho continente, mas o governante apoiou-se na Constituição da República para vincar que Moçambique vai manter a posição de neutralidade.

“Nós gostaríamos de dizer que Moçambique também é um Estado Soberano. Nós temos uma Constituição da República que defende muito bem como o nosso Estado deve se posicionar quer no ambiente interno quer no ambiente internacional. Moçambique e o seu Governo desenvolveram valências que são respeitáveis a nível internacional a ponto de que quando fomos a votação para sermos membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU tivemos uma votação por unanimidade. Moçambique posicionou-se relativamente a questão deste conflito e foi expressa publicamente ao mundo todo. O facto de termos concordado que a Ucrânia venha abrir a sua embaixada não significa que vamos estar por debaixo das orientações e instruções da Ucrânia”, referiu Mesquita.

Moçambique poderá ter fábrica de montagem de viaturas pesadas

Por seu turno, o ministro das relações exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, declarou que sempre respeitou a posição de Moçambique em relação ao conflito, tendo aproveitado a ocasião para “picar” os “inimigos” ocidente.

“Nós temos todo o respeito nas posições tomadas por todos os Estados do mundo. Ao contrário dos americanos, britânicos, europeus e australiano, nós não corremos pelo mundo fora para dizer com quem os países devem ou não se relacionar”, referiu Lavrov.

Ainda à margem do encontro, o chefe da diplomacia russa revelou que os empresários do seu país pretendem investir em vários sectores da indústria em Moçambique com destaque para a de montagem de viaturas pesadas.

Na ocasião Carlos Mesquita declarado que Moçambique tem todas condições para atrair o investimento russo em todo território nacional.Aliás, Mesquita referiu que Pacote de Medidas de Aceleração Econômica poderá viabilizar os níveis desejados pelo sector privado russo.

“Moçambique passou a ser, por causa da sua neutralidade, um interlocutor válido”

O acadêmico Paulo Wache defende que Moçambique está a ser palco de negociações e até mesmo de influências, sobre o conflito na Ucrânia, tendo lembrando que o Executivo pautou pela postura da neutralidade aquando da votação no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

“Quando há votações, Moçambique coloca-se como neutro, porque não pode estar em nenhum dos lados, mas pertence a parte da solução. Obviamente que as pequenas potências no sistema internacional não são fazedoras da solução, mas pelo menos podem influenciar. E estamos a ver que Moçambique e Maputo estão a ser esse palco de negociações e até mesmo de influência, porque o país está no Conselho de Segurança Um dia chegou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e no dia seguinte chegou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Significa que Moçambique passou a ser, por causa da sua neutralidade, um interlocutor válido. Se fôssemos um país que já tivesse escolhido um lado, teríamos fechado a porta do diálogo com a outra parte”, declarou Wache citado pelo DW.

“Os dois países pretendem mudar a posição neutral de Moçambique” – Rui Mendes 

O académico observa que apesar de ter sido excluído das negociações para o alcance da paz entre a Rússia e Ucrânia tem um palco privilegiado para as negociações. “As soluções estão sendo desenhadas com a proposta que a África do Sul apresentou em parceria com outros sete países, excluindo Moçambique. Mas, Moçambique tem um palco privilegiado nas Nações Unidas. Obviamente que tem um espaço para expor as suas ideias, as suas experiências e algumas delas podem ser estudadas e implementadas”, disse o docente da Universidade Joaquim Chissano para depois observar que Moçambique pode estar a ser pressionado para apoiar a posição dos países ocidentais.

“Pode haver pressão em todos os lados. Moçambique tem que ter clareza da sua agenda, da sua constituição e do seu perfil. Você apenas tem que fazer uma diplomacia explicativa. Moçambique tem que se explicar aos seus parceiros, porque ele não pode ser nem pró-Rússia nem pró-Ucrânia do ponto de vista militar, mas pode ter opções, de prefirir uma proposta apresentada por um lado e não apresentada por outro. Mas não necessariamente posicionar-se a favor de A ou de B. Porém posicionar-se a favor da paz, a favor do fim do conflito”

O analista Rui Mendes não tem dúvidas de que Ucrânia e Rússia estão a travar uma batalha simpática para granjear a simpatia de Moçambique, tendo lembrado que o país presidido por Filipe Nyusi é um actor importante no campo diplomático a nível do continente africano e, sobretudo da África Austral.

“Moçambique está a ser um palco de guerra diplomática entre a Rússia a Ucrânia pela sua importância no continente africano. Estas visitas dos chefes da diplomacia dos dois países tem o mesmo objectivo, ou seja, mudar a posição de Moçambique em relação ao conflito. No início do conflito Angola pautou pela neutralidade, mas acabou mudando a sua posição por culpa da pressão externa. Não acredito que Moçambique se deixe pressionar pelo ocidente porque sempre se eximiu de apoiar uma posição dentro de assuntos militares”.

Mendes não tem dúvidas de que Moçambique ao se oferecer para acolher o diálogo entre os dois países para o alcance da paz está a consolidar a sua posição neutral em relação ao conflito.

“A nossa máquina governamental pode estar enferrujada a nível interno, mas fora de portas a nossa diplomacia é uma das mais respeitadas a nível da África Austral. É certo que Moçambique tem laços históricos com a Rússia, mas mesmo com isso tomou a sua decisão. Aliás, a Ucrânia também fazia parte da União Soviética. Mesmo com a pressão do ocidente Moçambique vai manter a sua posição de neutralidade. Uma possível mudança poderia beliscar as relações com um dos países em conflito e manchar a imagem do país diante da comunidade internacional”, concluiu.

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