O problema de fundo sobre acidentes rodoviários

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Os acidentes de viação voltam a ser tema de debate no País. Tudo porque, mais uma vez, ocorreu uma tragédiano sábado passado, na 3 de Fevereiro, na Manhiça, que vitimou 17 pessoas.

O facto acontece quatro meses depois de, num outro em Maluana, no mesmo distrito, terem morrido 35 indivíduos que viajavam num autocarro da transportadora Nhancale.

Como sempre e à moda moçambicana, numa situação destas, há caça às bruxas. Procura-se identificar os bodes expiatórios. Neste caso, os culpados pelo derramamento do sangue nas estradas do País.

Ora é a Polícia de Trânsito e o Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO) que são crucificadosalegadamente porque não têm estado a fazer uma devida fiscalização rodoviária. Ora éa Administração Nacional de Estradas (ANE) que é responsabilizada pela degradação e falta de sinalização rodoviária.

Há quem põe em causa a qualidade de ensino de condução e que resulta no lançamento, na praça, de condutores mal formados.Outros dizem que o problema são as taxas que se cobram em multas passadas em caso de violação do Código da Estrada que deviam ser agravadas para desencorajarem a má condução no país.

Não submissão de viaturas à inspecção periódica obrigatória por uma parte significativa de automobilistas é o outro lado da história.

Não há dúvidas que cada um destes factores tem o valor que tem. Representam, claramente, uma ameaça em termos de ocorrência de acidentes de viação. Mas temos que reconhecer que a maior parte dos sinistros nada tem a ver com os mesmos.

Quer o de Maluana, que aconteceu há cerca de quatro meses, quer o de sábado passado, também na Manhiça, quer aindaoutros casos, o motivo é comum: o erro humano. A irresponsabilidade dos condutores que está acima de qualqueroutro motivo.

É básico que não se deve fazer ultrapassagem numa curva. Ensina-se isso na escola de condução, mas,ao que tudo indica, foi o que esteve por detrás do sinistro ocorrido no sábado.

É igualmente básico que a velocidade máxima nas localidades é de 60 quilómetros/ hora. Arrisco dizer que a maior parte dos automobilistas não cumpre esta regra e é o que terá originado o acidente com o autocarro da transportadora Nhacale ocorrido há dias ao longo da EN1.

Os instrutores das escolas de condução ensinam, também, na teoria e na prática, que não se deve ultrapassar duas ou mais viaturas de uma única vez, mas há condutores que o fazem com muito prazer e a uma velocidade assustadora. De quem é a culpa por tudo isto? É das escolas de condução? Claro que não, é do condutor, pois estas já cumpriram o seu papel que é de ensinar.

É impressionante o gosto do condutor moçambicano pela violaçãodo Código da Estrada. Uns, quando entendem, fazem ultrapassagem à esquerda, o que é incrível. Alguns é porque confiam em esquemas para escapar da penalização. Fazem e desfazem a seu bel-prazer.

Pelo que sei, nas escolas de condução não se ensina a conduzir mal, mas, isso sim, a portar-se bem na estrada.

Se, por exemplo, estivesse vivo e tivéssemos que perguntar ao automobilista da viatura de marca Prado, tida como a causadora do acidente de sábado passado, porque é que andava a uma alta velocidade naquele lugar, talvez não apresentaria uma única razão. Podíamos descobrir que, afinal, o fez por mero capricho.

Não é preciso frequentar uma escola de condução para saber que é proibido conduzir sob efeitos de álcool, como se supõe que estava o condutor que originou o sinistro do fim de semana que ceifou a vida de 17 cidadãos, quatro dos quais crianças.

Enquanto os automobilistas que se fazem à estrada não conduzirem com responsabilidade. Enquanto não ganharem a consciência de que o seu erro pode significar uma tragédia na sociedade, continuaremos a chorar pela perda dos nossos entes queridos em acidentes rodoviários.

Podemos até ter tudo que queremos, nomeadamente o parque automóvel inspeccionado, estradas impecáveis e bem sinalizadas, escolas de condução com uma boa qualidade de ensino e uma rigorosa fiscalização rodoviária por parte da polícia e do INATRO, mas continuaremos a enfrentar os mesmos problemas.

O moçambicano só comporta-se bem quando está perante as autoridades. Longe destas, faz o que bem entender. Como não é possível a polícia estar em todo o lado, já se pode imaginar o resto. No intervalo entre um posto e outro de fiscalização rodoviária, o que conta é a responsabilidade do condutor e essa, infelizmente, tem estado em falta em muitos casos.

Se há que investir em algo para reduzir o índice de acidentes de viação no país, é preciso pensar, em primeiro lugar, como fazer mudar a mentalidade do condutor moçambicano e torná-lo cumpridor do Código da Estrada e, acima de tudo, responsável quando se fizer à estrada. Hoje, temos automobilistas que, diante do volante, são autêntico assassinos. Transformam-se numa séria ameaça à integridade pública.

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