- “Moçambique teve promessas vazias de desenvolvimento. Primeiro, foi o carvão e depois o gás natural em Temane”, Manguele
- “A indústria LNG não é a causa da desigualdade, a causa são as políticas públicas”, Essinalo
Moçambique consta da lista dos países com maiores reservas de gás natural no mundo. Mas, tal como muitos países da África Subsaariana, tem um mercado bastante incipiente. Uma observação à lupa aponta os erros a partir das políticas até aos contratos. Para o pesquisador Gabriel Manguele, o País foi enganado e teve promessas de desenvolvimento vazias baseadas nos recursos naturais. “Primeiro foi o carvão e depois o gás natural em Temane”, observou. Numa outra abordagem, o Administrador da Área de Projectos no Instituto Nacional de Petróleos (INP), José Branquinho, considera ser essencial a atenção na gestão dos recursos energéticos, visto que os mesmos podem capitalizar o desenvolvimento de projectos a nível local.
Texto: Duarte Sitoe
Durante a Conferência Internacional sobre a Tributação no Sector Extractivo, evento promovido pela Autoridade Tributária de Moçambique e que teve lugar na Cidade de Maputo, foram debatidos modelos de gestão dos recursos energéticos e os intervenientes assumiram que não existe modelo acabado.
Na qualidade de Administrador da Área de Projectos no Instituto Nacional de Petróleos (INP), José Branquinho defendeu ser essencial Moçambique ter a atenção na gestão dos recursos energéticos, visto que o grosso dos países que descobriram o gás nos últimos anos tem mercado incipiente.
“Seria importante ver como capitalizar esses recursos, a nível local, além de se pensar simplesmente na exportação”, observou Branquinho, sublinhando que tem havido uma procura crescente destes recursos para desenvolvimento de projectos a nível local, o que pode fazer com que os recursos alimentem uma cadeia de valor a nível local.
Branquinho analisou que um dos grandes problemas que o País tem é o facto de os recursos energéticos serem descobertos em águas profundas o que acarreta custos muito significativos no seu desenvolvimento. “Os recursos são pesquisados por companhias petrolíferas internacionais e por outro lado existe o paradoxo das necessidades energéticas a nível local e o contraste naquilo que seria o preço mais aceitável para o desenvolvimento a nível local”, disse aquele administrador.
O pesquisador do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, Gabriel Manguele defende que Moçambique precisa urgentemente mudar o paradigma, ou seja, não olhar para o gás natural como um mero produto para exportar e ganhar receitas mas sim como um produto que pode estimular o desenvolvimento a nível doméstico.
“Os países da Africa subsaariana são os que mais detém reservas de gás, mas ao mesmo tempo são os menos que consomem, boa parte da produção é exportada para Europa e Ásia. Não há refinarias para usar o gás a nível doméstico e isso mostra que podemos ter nossas reservas, mas estamos sujeitos a flutuações do mercado internacional porque existe esta perspectiva de que o gás é para exportar e ganhar receitas”, sentenciou Manguele.
Adiante, o pesquisador afirma ser um imperativo uma mudança de abordagem numa altura em que o país tem gás de alta qualidade na bacia do Rovuma. “É necessário olhar para o gás como um produto que pode estimular o desenvolvimento no país”, disse.
Olhando para os contratos assinados entre o Governo e as multinacionais, Manguele alinha no pensamento dos que defendem que Moçambique tem os piores contratos da indústria extractiva em África, alertando que a maior esperança do país poderá ser a maximização do conteúdo na ligação entre projectos e a economia local.
Manguele afirma que Moçambique no seu percurso teve promessas de desenvolvimento vazias baseadas nos recursos naturais. “Primeiro foi o carvão e depois o gás natural em Temane”, disse e complementou que são promessas já passaram e agora o país está a tentar correr atrás do prejuízo. “Boa parte dos contratos que vão poder fornecer receitas ao Estado foram assinados a bastante tempo, o que o Estado vai ganhar já está definido e dificilmente será alterado. A discussão agora é como o país pode usar gás a nível doméstico para promover o desenvolvimento da economia”.
Indústria LNG não é a causa da desigualdade, a causa são as políticas públicas
Por sua vez, Gift Essinalo, em representação do Centro de Integridade Pública (CIP´), entende que Moçambique não está a receber a parte que lhe cabe na exploração do gás natural devido à falta de infraestrutura de transporte para o continente, havendo, no momento, uma necessidade de rever e padronizar os contratos.
“Os contratos foram negociados num contexto em que o país precisava de atrair investimentos e possuía pouca ou nenhuma capacidade de negociação desse tipo de contratos. Hoje há conhecimento e capacidade para o efeito. As motivações levadas em conta na assinatura do contrato actualmente não tem enquadramento”, refere, acrescentando que o Estado, findo período estabelecido no contrato, deve rever os termos dos contratos e padronizar, no sentido de que contratos do mesmo sector como as mesmas características devem ter os mesmos termos”.
Desde Outubro de 2017 que a província de Cabo Delgado tem sido fustigada por ataques terroristas. Vários acadêmicos apontam para as desigualdades como uma das causas do conflito. Na opinião de Gift Essinalo, os recursos naturais, com destaque para o GNL, pode reduzir as desigualdades sociais, porém observa que são as políticas do Governo que estimulam as desigualdades sociais.
“A indústria LNG não é a causa da desigualdade mas antes é das políticas públicas inadequadas que propiciam as desigualdades. A indústria LNG pode ser um vector para o desenvolvimento local, provincial ou regional. Mas isso depende mais do Governo, das suas políticas e não da indústria em si. É preciso lembrar que reduzir desigualdades implica melhorar as políticas de distribuição das oportunidades e capacidades que incluem educação, saúde e outros. É papel do Estado garantir tudo isso”, concluiu Essinalo.
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