“Manter Chang na África do Sul é do interesse de quem mandou ele assinar dossiers das dívidas ocultas”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Thomashausen posiciona-se contra corrente e mostra que não é ida aos EUA que garante a verdade
  • “É evidente que Manuel Chang é o homem que tem os verdadeiros segredos”
  • “Mas se ele (Chang) falar sem a autorização do PR arrisca-se a uma pena de 10 anos”
  • “Não houve nunca um único acto eleitoral em Moçambique isento de manipulações”
  • “Se a exploração atrasar, Moçambique pode revogar as concessões” às multinacionais

 

André Thomashausen, professor emérito de Direito Internacional, é um dos observadores atentos a Moçambique e uma voz autorizada quando o assunto é direito internacional comparado. Recebeu-nos esta segunda-feira na pequena cidade de Centurion, situada entre Pretória e Midrand, na África do Sul. E nas duas horas de conversa analisou com profundidade o nascimento de uma Renamo desarmada que, segundo ele, deve aprender a limitar-se a recursos políticos.Recorrendo da sua especialidade em direito internacional, falou dos últimos desenvolvimentos do caso Manuel Chang, afirmando que interessa manter o antigo ministro no serviço prisional sul-africano à pessoa “quem mandou ele assinar” os dossiers das dívidas ocultas. Para Thomashausen é possível que os Estados Unidos da América (EUA) não estejam mais interessados no caso, o que pode significar o retorno do antigo ministro das finanças a Moçambique, uma reviravolta. “É que até nos EUA, Chang tem a prorrogativa de não se pronunciar sem o aval do Presidente da República, Filipe Nyusi, porque se ele falar sem a autorização expõe-se a uma pena muita severa que são 10 anos de prisão, por isso tem uma defesa muito forte porque por lei não pode revelar aquilo que foi feito quando era ministro das Finanças”, observa, ilustrando que não é a ida para o EUA que garante a verdade sobre os contornos das dívidas ocultas, mas admite que “é evidente que Manuel Chang é o homem que tem os verdadeiros segredos”. Numa outra abordagem, o nosso interlocutor não tem dúvidas que o terrorismo beneficiou indirectamente a multinacional francesa TotalEnergies que é também um braço dos interesses americanos em Moçambique. Sobre os 48 anos de independência, desdramatiza os erros de governação e olha para Moçambique com optimismo. Adiante, seguem os excertos mais relevantes.

Nelson Mucandze

Thomashausen foi assessor do representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para Moçambique, Aldo Ajello, durante a missão ONUMOZ, tendo sido da sua autoria as propostas da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e o documento final que culminou com o Acordo Geral de Paz de Roma, assinado por Joaquim Chissano, então presidente da República, e Afonso Dhlakhama,líder Renamo, em Outubro de 1992.

Doutor Thomashausen, os 48 anos da independência de Moçambique coincidem, pela primeira vez na história democrática do País, com uma Renamo desarmada. Podemos considerar este evento como parte da nossa maturidade política como Nação?

– Eu só posso analisar numa perspectiva histórica porque já não estou ligado aos assuntos da Renamo e só posso comentar como observador. A Renamo sempre se entendeu como um segundo movimento de libertação e a transição da Renamo armada para uma Renamo do partido político foi muito difícil.

No processo dos Acordos de Roma, exigiu todas aquelas liberdades políticas que naquela altura, por exemplo, o Estado de partido único não oferecia, ou seja, eleições livres e multipartidárias, liberdade de expressão, liberdade de movimento e liberdade de culto. Tendo conseguido impor isso tudo ao partido único do Estado, a Frelimo, que teve que ceder porque estava numa situação militar muito fraca, sem esperança e sem perspectiva, começa a transição com a implementação do Acordo de Roma em 1992.

Mas a Renamo nunca conseguiu completamente confiar nessa nova identidade, isso porque logo nas primeiras eleições de 1994 houve abusos e falsificações de resultados. Nas eleições de 1999 aconteceu a mesma coisa, nas de 2003 idem e assim em diante. Não houve nunca um único acto eleitoral em Moçambique isento de manipulações. Houve algumas eleições mais graves do que outras e, aliás, isso vê-se na flutuação grave dos resultados.

Em 1999, a Renamo quase consegue chegar aos 50%, mas depois de repente nas eleições seguinte cai, se não me engano, para 14 ou 15%, depois volta para os 28 ou 30 e assim por fora. Portanto, os resultados assim acidentais que não têm base científica, são prova da manipulação.

Hoje a Renamo que subsiste, é política, que já não tem braço armado e em grande parte os militares que apoiavam estão dispersos. Então significa que terá que sobreviver com as armas políticas que tem e que são as campanhas eleitorais, a caça ao voto e demonstrar uma capacidade de gestão superior a capacidade de gestão do governo. Assim, as eleições locais e as eleições municipais são importantíssimas para a Renamo porque é a única forma que poderia demonstrar a sua capacidade real de servir como alternativa, porque o papel da oposição é de servir como alternativa ao governo.

Em ciência política sabemos que uma boa oposição é aquela que tem uma hipótese de alternação, de se substituir ao governo. Mas na medida em que a Renamo está fraca, com baixa e fraca representação na Assembleia da República, não vai conseguir convencer aos eleitores que ela poderia resultar numa alteração da vida política, numa alternância na governação do país.

Em paralelo, a essa nossa aparente maturidade política, há uma percepção de regressão em muitas esferas sociais. É como se o País tivesse dado, a nível político, um passo para frente e regredindo dois passos noutros sectores. O que estará a acontecer?

– As épocas pós-coloniais pela África sempre foram muito difíceis porque os países entram na independência com elites muito pequenas e com uma população com fraca formação profissional, fraca intelectualidade e sem tradição de política. Assim é natural que a evolução pós colonial tenha sido lenta e que na maior parte dos países em África existe esse sentimento que se regressou, que não houvesse o desenvolvimento que todos esperavam.

A maturação das elites políticas leva tempo e eu diria pelo menos três ou quatro gerações. Assim a primeira geração – de Machel – tinha todas boas vontades e todas melhores ideais, mas muito rapidamente com a impaciência que tinham começaram a cometer erros fundamentais de dar grandes passos sem haver uma base suficiente para sustentar esse avanço.

No caso do Samora Machel penso que o pior erro começou com culto da personalidade, começou a desligar-se, começou a contornar a estrutura colectiva do partido porque pelos estatutos do partido Frelimo, como partido socialista, era importantíssimo haver o papel activo do Comitê Central. Mas Machel acabou por governar sem realmente essa governação ser realmente acompanhada pelo meio político. Por exemplo, caiu-se num Estado de emergência pois quando Chissano toma o poder por aclamação do Comitê Central já se vivia um tempo de guerra e a guerra veio a ser a grande desculpa para tudo aquilo que não corria bem. Para todos os abusos, todos os falhanços, a má gestão das empresas públicas, as nacionalizações que não faziam sentido e por aí fora e isso prolongou-se durante um bom tempo.

Chegam as eleições de 94, acaba a desculpa da existência de uma guerra civil e vem realmente o momento da possível grande abertura da boa gestão em Moçambique e o mundo estrangeiro apaixonou-se por Moçambique, apaixonou-se com essa transição de Estado com partido único para Estado multipartidário. E havia muito apoio, havia muitas consultorias técnicas, muitos investidores interessados no país, nas tentativas de revitalizar a indústria da pesca e também do turismo; e houve as primeiras privatizações, as primeiras possibilidades de haver iniciativa privada. Assim houve progressos que se atrasaram na última década também por razões que Moçambique tem pouca culpa.

Os moçambicanos hoje já não aceitam ser simplesmente subdesenvolvidos e condenados a vidas pobres sem acesso a educação, sem acesso a saúde, sem acesso a infraestruturas. Eu acho que Moçambique não vai regressar a uma situação de ditadura ou de um Estado falhado. Moçambique já tem uma boa base, já tem uma pequena classe média muito mais capaz que anteriormente que com suas dificuldades vai continuar no seu percurso. Daqui a 20 ou 30 anos Moçambique muito provavelmente terá um desenvolvimento semelhante ao Quénia ou Ruanda; estamos a notar um grande desenvolvimento do sector mineiro, na maneira como se está a aperfeiçoar a legislação e agora houve a coragem de respeitar a proposta de um terceiro mandato para o Presidente da República, o que teria viciado o sistema constitucional, mas os moçambicanos arranjaram maneira de rejeitar esse projecto.

“Tem que haver gente que resiste e insiste na protecção dos seus direitos”

Estamos a falar de um horizonte promissor, mas quando falamos da gestão da coisa pública, notamos uma tendência de falta de consciência colectiva. É possível traçar um horizonte promissor dentro dessa realidade?

– É uma realidade que existe em todo o mundo que as elites são muito fortes, são muito ricas e evidentemente preocupam-se mais com a sua subsistência e com a sua acumulação de mais riqueza, isso acontece mesmo na Alemanha, nos EUA… A classe média está a ficar a cada dia mais pobre e a elite está a ficar mais poderosa e mais rica.

Assim, as armas de defesa da sociedade são a liberdade de opinião, a liberação de imprensa, é o parlamentarismo, é a liberdade de demonstração, são as garantias de segurança pessoal, garantias contra a detenção arbitrária, a proteção judicial dos arguidos, são as liberdades clássicas que temos e que em Moçambique existem.

Falou aqui da sociedade civil e de uma imprensa livre, mas estamos no momento a acompanhar a criação de leis que atentam contra essas liberdades. Como pode ser tão optimista, se temos uma tendência de quadro legal não favorável?

– A luta pelo progresso, pela liberdade e pela estruturação de uma sociedade liberal e aberta é uma luta eterna que se passa através de pequenas conquistas do dia-a-dia, de mês a mês. Tem que haver gente que resiste e insiste na proteção dos seus direitos e que reclama aquilo que é justo, aquilo que é devido ao povo, reclama políticas que possam aliviar o sofrimento do povo, portanto essas conquistas ao longo de muitos anos constituem o futuro e a identidade de uma sociedade.

Não tenho dúvidas que, em Moçambique, os mais jovens perceberam o sacrifício que os pais e os avós fizeram para a libertação do país.

Tem grande fortuna de ter agora a comprovação de um jazigo de recursos naturais enormes. O jazigo do norte de Moçambique é de um tamanho equivalente ao jazigo do Qatar que é o maior produtor de gás natural do mundo, portanto é significante. E é uma reserva que pode ser explorada pelos próximos cinco séculos. Assim pode haver e vai haver alguns erros na gestão desses recursos, pode haver recuos, pode haver abusos das primeiras empresas de exploração e daqui a alguns anos serão provavelmente substituídas por outras, e isso é tudo natural.

Moçambique já demonstrou que tem todo o interesse em colaborar com países que já têm muita experiência com a exploração petrolífera, especialmente o Qatar. Mas há outros que tem muito conhecimento e tem muita experiência na boa legislação, na boa gestão do processo de exploração e tem que evitar a situação em que os únicos que vão explorar e vão ganhar com essa exploração são as empresas que fazem a exploração, através da fórmula de que de todos os lucros futuros vão descontar os seus investimentos e só daqui a 20 ou 25 anos quando todo o investimento estiver descontado é que o país vai receber algum. Isso não é aceitável.

Por isso eu valorizo muito o modelo brasileiro da partilha da produção em que o país que é proprietário do recurso recebe uma parte da produção, normalmente 15 a 20%: e essa parte da produção que é do Estado depois é vendida por conta do Estado e vai criando uma receita imediata e quer dizer que as empresas empenhadas na exploração terão que ter um pouco mais de paciência para recuperar todo o seu investimento.

E o que acha do modelo escolhido por Moçambique?

– O modelo que Moçambique está a seguir, talvez não é o melhor, mas na fase em que está não tem muita escolha, na prática deu o recurso inteiro a duas empresas controladas pelo grande capital americano. Porque ExxonMobil, uma das empresas mais fortes e ricas do mundo é inteiramente americana; em lucros pós pagamento de todos os impostos já fez no último ano uns 30 mil milhões de dólares. E a outra empresa, a Total que aparece como Total Energies, aparece como empresa francesa, mas quem vai ver no registo das acções essa empresa tem 80% das ações controladas por americanos.

Portanto são interesses americanos que estão neste momento a controlar o grande recurso de gás do Norte (Cabo Delgado), e vai-se poder equilibrar no futuro. Tenho certeza porque o mercado também determina isso, há partes minoritárias nessas concessões de exploração que incluem a Coreia do Sul e Moçambique tem todo o interesse em manter bons relacionamentos com esses accionistas minoritários porque são esses acionistas que vão controlar e fiscalizar a exploração dos acionistas principais.

Já foi muito atrasada a guerra de Cabo Delgado, aproveitou-se como desculpa para atrasar a exploração, se a exploração não avançar, Moçambique pode usar da sua legislação vigente para revogar as concessões e oferecê-las a outras grandes empresas petrolíferas do mundo que poderão continuar e talvez comprometer-se a avançar mais rapidamente, aí evidentemente terá a China, uma das grandes potências que poderia entrar nesta situação.

“Terrorismo serviu indirectamente os interesses das empresas exploradoras”

Está a assumir que a guerra favorece as multinacionais?

– A guerra em Cabo Delgado serviu indirectamente os interesses das empresas exploradoras para pressionar o governo a ceder ainda melhores concessões com o argumento de que o custo de exploração estava a aumentar por causa da guerra. Não se sabe bem se essa guerra do Norte é uma guerra de insurgência que neste momento está com uma temperatura a cair, já é menos aguda, há muito menos ataques, mas é claro que só se poderá ultrapassar esse conflito através do desenvolvimento social e econômico de Cabo Delgado.

Acho que aí o relatório de um grande amigo, Jean-Christophe Rufin, apontou soluções que vão levar à estabilização das comunidades e vai torna-las muito mais resistentes às seduções dos insurgentes islamistas e radicais.

Falando do relatório, ele sugere a criação de uma fundação, enquanto temos instituições do Governo que foram criadas para o mesmo propósito. Não seria isso um indício de uma certa desconfiança das autoridades moçambicanas?

– Sim, de certeza. Aquela organização para o desenvolvimento do norte do Celso Correia, a ADIN (Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte), é a prova da ineficácia dessa iniciativa do Estado. A maior parte das verbas que entraram nessa ADIN desapareceram, não há contabilidade, não aconteceu praticamente nada. Não se desenvolve uma província comprando tractores que depois ficam parados num lado qualquer.

A definição de Estado é um poder de reserva que apoia a iniciativa privada, regulamenta a iniciativa privada, tenta controlar excesso da iniciativa privada, mas é um modelo do tempo de o partido único pensar que o Estado devia fazer tudo. O Estado devia fazer o mínimo possível, a parte onde não é necessário a função pública actuar, é deixar a iniciativa privada. O exemplo disso são os transportes colectivos em Moçambique que são de iniciativa privada. A distribuição efectiva e fiável de água e de energia tem como base iniciativas privadas ou indústrias privadas.

A pesca em Moçambique não anda para frente porque não há iniciativa privada suficiente. Não há necessidade para o Estado ser pescador, não há necessidade do Estado ser correios, os correios podem ser empresas privadas que transportem as comunicações das pessoas.

“O caso na sua totalidade nunca foi julgado. Este é um caso de um Estado fraco”

Depois de ter dado como certa a ida de Manuel Chang aos EUA, temos agora um desenvolvimento que mais uma vez cria uma nova incerteza. Curiosamente, a PGR e os próprios advogados de Chang nos EUA coincidem nos interesses, criando mais uma vez uma incerteza no processo. Afinal, a quem interessa manter Chang na África do Sul?

– É evidente que o Manuel Chang é o homem que tem os verdadeiros segredos. Quem o mandou fazer uma carta para o Banco suíço (CreditSuisse) para que essa verba enorme de dois mil milhões de euros deveria ser transferida para uma conta de uma empresa privada nos Emirados em vez de ser transferido para o Banco de Moçambique. Por instrução de quem fez isso? Foi só o Chang sozinho que arriscou dar a tal instrução ou foi o ministro da Defesa na altura ou foi o Presidente da República na altura?

Isto é o grande segredo das dívidas ocultas. Esta se atrasar este processo e é uma tragédia pessoal para o Chang ficar quatro anos sem ter tido julgamento. É bastante brutal. Não é nada bonito e ele parece que não está com o estado de saúde muito bom. Agora neste momento acabaram todos recursos, a situação legal é 100% clara, a África do Sul tem a obrigação de o extraditar aos EUA.

Pode agora provocar um atraso da parte dos EUA, por não estarem prontos para seguir com o processo e possivelmente estarem a considerar se o processo de qualquer forma devia ou pode continuar, também é possível que Chang através dos advogados dele nos EUA tenha feito um requerimento ao tribunal norte – americano para que o processo seja encerrado na base do tempo que levou. Porque existe uma garantia na justiça americana que qualquer processo crime deve ser avançado rapidamente sem demora. É possível que ele tenha feito este requerimento, mas não temos conhecimento. Se os EUA desistirem da extradição então ele regressará a Moçambique.

Existe a possibilidade de os EUA desistirem?

– Existe, é possível que já não haja interesse dos EUA porque o tempo passou, os prejuízos já foram contabilizados ou praticamente esquecidos. Uma parte importante do processo fracassou, a justiça norte – americana ilibou o Jean Boustani que foi o mestre desta pirataria toda com o argumento de que o tribunal americano não pode fazer julgamento sobre acontecimentos que aconteceram fora dos EUA e que não tenham ligação com a América. É possível que cheguem a mesma conclusão em relação ao Chang.

O que significaria Manuel Chang em Moçambique?

– Acho que o processo avançou em Moçambique contra o Chang. A PGR fez um despacho de pronúncia, já não é uma pessoa procurada como testemunha, mas já é um arguido. Significa que haverá continuação do processo crime em que ele pode acabar mal tal como acabou muito mal o Gregório Leão e outros que apanharam penas máximas.

Pela experiência que tivemos do julgamento em Moçambique foi uma discussão de comissões e não efectivamente do caso num todo…

– O caso na sua totalidade nunca foi julgado. Este é um caso de um Estado fraco e pobre que decidiu que precisava de um bom montante de verbas para sobreviver à uma nova ameaça de guerra civil que vinha da Renamo, essa ameaça serviu como desculpa política para encarrar essa dívida.

Os países cometem erros fundamentais pela teimosia. A União Europeia e EUA por enquanto já gastaram 200 mil milhões de dólares para sustentação e armamento para a Ucrânia sem que isso seja para salvar uma única vida pelo contrário matou muita gente. Portanto, eu acho que foi uma decisão política errada porque não são as fronteiras que tem uma linha qualquer no mapa que são a coisa mais importante, o mais importante é a protecção dos civis, a protecção da vida das pessoas e dos seus bens. A destruição que se provocou com essa política é enorme, é desastrosa.

São os mesmos erros de teimosia que se cometeram em Moçambique e evidentemente o país deve continuar a viver com esse erro e deve fazer as pazes com as grandes instituições financeiras e procurar entendimento sobre como vai se resolver esse buraco dos dois mil milhões e talvez a única coisa positiva mesmo é que os governantes devem ter se apercebido que foi uma asneira cair nas mentiras de um comerciante sem escrúpulos que vendeu a Moçambique barcos que na altura da entrega eram sucatas.

Foi uma grande lição para saberem que esse tipo de decisões deve ser tomado em colectivo com especialistas, com gente responsável e que não podem ser feitas às escondidas. Praticamente deixou-se andar isso tudo no âmbito das secretas, por isso, o SISE tem uma grande responsabilidade nisso tudo.

É aceitável admitir que se Chang vir a Moçambique é bom no ponto de vista do interesse nacional, mas teremos ao mesmo tempo que admitir que ele não dará as respostas que poderia dar caso estivesse nos EUA. Devemos admitir a possibilidade de não termos mais respostas do que já tivemos em Moçambique?

– Não sabemos porque nos EUA pode invocar que por lei é obrigado a manter o sigilo de tudo e qualquer coisa que aconteceu no Conselho de Ministro e no seu exercício enquanto ministro das finanças e que só pode revelar com a autorização do Presidente da República. Porque se ele falar sem a autorização expõe-se a uma pena muita severa que são 10 anos de prisão, então ele tem uma defesa muito forte porque por lei não pode revelar aquilo que foi feito quando era ministro das finanças.

É claro que o Chefe de Estado terá que explicar porque razão não dará autorização ao Chang para falar.

Temos um PR que até agora, por exemplo, no caso de Londres, não mostra nenhuma colaboração em dar informação porque faria diferente com Chang caso estivesse nos EUA? E como interpretar a aparente fuga do Chefe do Estado?

– É atitude do Chefe. Na tradição africana o chefe não se responsabiliza, o chefe manda, o chefe requer e a única maneira na tradição africana de substituir um chefe é mata-lo, essa é uma lição muito profunda que as pessoas esquecem. O rei africano só deixa de ser rei quando é morto e temos que sair dessa tradição.

“Acho que o processo de Londres não vai ao lado nenhum”

Estamos numa outra realidade e fora das tradições. Como actuar neste contexto específico?

– A imprensa tem que continuar a apelar à moralidade e há falta da moralidade neste comportamento. Essa maneira demostra a arrogância do poder e responsabilidade. Podemos remontar a boa tradição socialista, da autocrítica, dos partidos socialistas onde havia uma reunião e nessa reunião as pessoas que cometeram aos erros eram obrigadas a fazer a autocrítica, admitir que cometeram erros e depois o colectivo determinava a penalização.

Não há aqui tentativa de fuga/ refúgio à imunidade?

– Acho que esse processo de Londres não vai ao lado nenhum. O processo de Nova Iorque é capaz também de não ir ao lado nenhum. O segredo ficará guardado até o dia que o jovem jornalista encontrar os documentos e escrever um livro. Hoje em dia a grande responsabilidade de fiscalizar o poder passou das assembleias eleitas para os mídias. A função tradicional da assembleia de controlar o exercício do poder já não é desempenhada pelas assembleias, mas passa para os mídias daí que sou grande defensor da liberdade de imprensa e da protecção dos jornalistas.

O jornalista devia ter um estatuto muito mais forte de protecção absoluta semelhante ao médico, onde em circunstancia alguma deve se impedir o trabalho do jornalista, isso seria muito importante, infelizmente os EUA estão a nos dar um mau exemplo ao, estão a perseguir jornalistas, ao prender Julian Assangesem acusação formal.

Mas o mundo é grande e Moçambique é pequeno, e dentro de Moçambique pequeno vocês estão a fazer um grande trabalho. Nada impedem aos jornalistas de insistirem em respostas e dizer que situação é esta. Quem, tem a chave para o Chang falar e não falar é o PR que pode dar a autorização ou suspender o sigilo profissional, ele é que devia fazer esse despacho se o Chang vai falar.

Aqui na África do Sul, Chang chegou a invocar essa táctica de não falar porque não tinha autorização?

– Não, é a última arma que ele tem. Vai utilizar nos EUA no caso de lá ir, mas acho que está bastante enfraquecido e talvez haja uma negociação a portas fechadas entre Moçambique, EUA e África do Sul. O grande drama já passou, o dinheiro perdeu-se e mundo continuou, é um episódio realmente triste para mim porque nunca houve responsabilização do banco suíço, das entidades de fiscalização bancaria na suíça. É absolutamente impossível queessas autoridades não tenham sabido que ia haver uma transferência enorme do banco para uma contra privada em Abu Dhabi. Há aí uma falha grotesca de todo aquele sistema do primeiro mundo na fiscalização ao branqueamento de capitais.

Facebook Comments