“Nunca mais Moçambique voltará a ter medo de se manifestar”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Salomão Muchanga lidera libertação das ruas e da sociedade do medo
  • Marcha pela liberdade foi primeira manifestação de rua sem repressão da Polícia
  • Consulado de Nyusi tem sido marcado por repressão violenta das manifestações
  • Muchanga diz ter explicado a Nyusi que “manifestar-se não é um favor, é um direito”

Com as memórias da violência policial de 18 de Março ainda frescas, sob lema “Independência é liberdade”, centenas de jovens, activistas e políticos moçambicanos, liderados por Salomão Muchanga, presidente da Nova Democracia, marcharam pacificamente, e sem incidentes com a Polícia, nas artérias da cidade de Maputo em homenagem ao rapper Azagaia e em contestação contra a privatização do direito à manifestação, as desigualdades sociais e pela liberdade e demais direitos consagrados pela Constituição. Muchanga, um mobilizador nato, que em tempos passados já esteve a frente de grandes movimentos de manifestação de rua, mostrou-se feliz e confiante num novo ciclo de manifestações livres de repressões. Quando questionado pelos jornalistas sobre o que teria feito de diferente para que a marcha não fosse reprimida como aconteceu com uma iniciativa similar em Março, Salomão Muchanga disse ter explicado ao Presidente da República, Filipe Nyusi, “que se manifestar ou marchar, não é um favor, é um direito”.

Renato Cau

Após a última intervenção policial no passado dia 18 de Março na marcha em homenagem ao falecido artista e rapper Azagaia que deixou marcas na memória dos moçambicanos, de várias organizações da sociedade civil nacionais que a classificaram como sendo um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de expressão e de manifestação no País, foi possível ver no último sábado uma manifestação que contou com a acção pacífica da Polícia da República de Moçambique (PRM) no centro da Cidade de Maputo.

Com início marcado para 8:30 no mesmo local na estátua da avenida Eduardo Mondlane, por sinal o mesmo local onde eclodiram os ataques a jovens activistas no fatídico dia 18, a Polícia compareceu de forma tímida sem gás lacrimogéneo, sem carros blindados e desta vez fez o seu papel. Acompanhou os participantes que entoavam o mesmo hino “Povo no Poder” do rapper Azagaia e outras músicas e cânticos de contestação até à praça da Independência.

A iniciativa visava igualmente exaltar para além do próprio rapper Azagaia, os feitos de figuras como Eduardo Mondlane, o fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Samora Machel, primeiro Presidente do País, Afonso Dhlakama, falecido líder do principal partido de oposição (Renamo), Carlos Cardoso, jornalista morto em 2000 quando investigava uma fraude no extinto Banco Comercial de Moçambique.

Durante a marcha foi possível ver diversos artistas da praça, políticos, activistas e anónimos entoando um só refrão “…ladrões fora, corruptos fora, assassinos fora” ou “Povo no poder, sim, não temos não, não temos medo, não…” em repúdio ao actual fechamento social que dificulta e repreende qualquer manifestação pública salvo se forem do partido no poder ou dos seus órgãos sociais.

Um dos rostos de luta e símbolo de resistência que não perdeu a oportunidade de marchar é o jovem Inocêncio Manhique que, com um lenço preto tapou a prótese do olho arrancado com balas da polícia no dia 18 de Março. Ao lado do líder, Manhique declarou-se surpreendido pelo facto da marcha não ter sido feita com bandeiras partidárias, apesar de ter sido convocada pelo presidente da Nova Democracia.

Falando a imprensa, o líder da manifestação, Salomão Muchanga disse que a marcha visa exaltar “figuras que se bateram pela liberdade” no quadro das celebrações dos 48 anos de independência, que se assinalaram neste domingo.

“Milhares de pessoas, homens e mulheres, fizeram sacrifícios para que este país estivesse independente, daí que os jovens são chamados a esta causa”, disse Salomão Muchanga

“Nós não podemos viver do medo, somos um povo livre”

E para que a marcha pudesse decorrer com a devida paz Muchanga deixou claro que as autoridades foram avisadas e os organizadores tudo fizeram para que episódios violentos não voltassem a se registar.

“Nunca mais Moçambique voltará a ter medo de se manifestar. O significado profundo deste dia é que estamos a conseguir marchar, manifestar, estamos a libertar os cidadãos do medo. Nós não podemos viver do medo, somos um povo livre. Estamos seguros de que uma vez comunicadas as autoridades, dentro dos prazos estabelecidos por lei, está tudo garantido para que esta marcha ocorra”, frisou Muchanga, que nos anos áureos da democracia, liderou várias manifestações de rua, com destaque para a marcha contra as regalias dos deputados e do Presidente da República, em meio à miséria do povo, bem como contra as dívidas ilegais.

Na ocasião Muchanga referiu que os moçambicanos precisam construir um espaço positivo de compreensão dos moçambicanos para fazer com que a liberdade seja a onda de estabilidade do país, mas também para que os processos democráticos nacionais sejam razoáveis e aceites. Na ocasião criticou o Governo por desmobilizar apenas a Renamo, sendo que a Frelimo é também partido militarizado.

“Neste recenseamento que tivemos, há riscos gravosos de que o processo eleitoral que se avizinha seja problemático a todos os níveis. Moçambique precisa de se reencontrar e fazer uma paz positiva, não é apenas calar as armas, não é apenas recolher a última arma, porque também é a FRELIMO que precisa de se desarmar”, referiu.

A crítica foi feita um dia após a cerimónia oficial de desarmamento da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição. Curiosamente, a marcha pela liberdade cruzou com uma outra marcha da Renamo e os dois grupos trocaram aplausos, numa clara saudação à democracia.

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