Poder ilimitado do Presidente da República gera ambiente propício para a proliferação da corrupção –Teodato Hunguana

DESTAQUE POLÍTICA
  • Dívidas ocultas e decisão unilateral de Nyusi trazer tropas ruandesas são disso exemplo
  • Hunguana defende a mudança do sistema de governação
  • Ngoenha atribui proliferação da corrupção à falta de vigilância contra “Xiconhocas”
  • Ivo Garrido diz que Moçambique foi engolido pela teia da corrupção

Desde que tomou posse, o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, escolheu a luta contra a corrupção como o seu cavalo de batalha. No entanto, quando se caminha a passos largos do fim do seu segundo ciclo de governação, Moçambique continua no rol dos países mais corruptos do mundo, sendo que a nível interno a luta contra a corrupção ainda não trouxe resultados palpáveis. Para o jurista e antigo Juiz do Conselho Constitucional, Teodato Hunguana, o poder ilimitado do Presidente da República gera um ambiente propício para a proliferação da corrupção no País. Por outro lado, para o conceituado académico Severino Ngoenha, Moçambique tornou-se um antro da corrupção porque falhou no trabalho de vigilância contra os “xiconhocas”, enquanto o antigo ministro da Saúde, Ivo Garrido, observa que o País foi engolido pela teia da corrupção, ou seja, a corrupção está em todos os sectores da sociedade.

Duarte Sitoe

Intervindo como um dos pa   inelistas numa conversa, sarau cultural & exposição, por ocasião da celebração dos seus 18 anos, o Centro de Integridade Pública, CIP, Teodato Hunguana considera que o poder ilimitado do Presidente da República gera um ambiente propício para a proliferação da corrupção no País, tendo dado exemplo das dívidas ocultas e a decisão unilateral de Filipe Nyusi de abrir as portas para as tropas ruandesas no Teatro Operacional Norte.

“Na verdade, só à luz deste conceito de poder (centralista) e da respectiva organização, isto é, do centralismo presidencialista absoluto, se tornam inteligíveis episódios como o das dívidas ocultas ou mesmo da forma como o Exército do Ruanda foi convidado a entrar no País… O poder, isento de limitações e de controlo efectivo, e de responsabilização, portanto um poder relativamente ilimitado, garante o ambiente propício em que se gera e reproduz a corrupção”, referiu.

Com vista a tirar Moçambique da lista dos países mais corruptos do mundo, o antigo Juiz do Conselho Constitucional defende a mudança do sistema de governação, admitindo que o centralismo presidencialista da Constituição de 1990/2004 bloqueia o desenvolvimento das instituições.

“Então, antes do mais, há que pensar e repensar o sistema. Mas, mais do que pensar, é preciso mudar o sistema, para se abrir o caminho ao normal desenvolvimento das instituições, porque só estas, na plenitude da liberdade e independência do seu desenvolvimento e funcionamento, podem dar resposta efectiva ao problema estrutural da corrupção, às questões de ética e integridade na esfera pública, e aos desafios de transparência que se colocam. Esta não é uma questão do sistema judicial apenas, como não é uma questão do legislativo ou do executivo, mas do sistema em que todos estes poderes estão integrados e sob o qual funcionam”, concluiu.

Durante a sua intervenção nas celebrações do 18º aniversário do Centro de integridade Pública, Severino Ngoenha lembrou-se do período pós-independência em que a governação estava assente em três pilares, nomeadamente, Unidade, Trabalho e Vigilância.

Ngoenha, que observa que, no passado, os moçambicanos faziam jus a unidade porque velavam pelo território independentemente da raça, religião ou idade, não tem dúvidas que Moçambique está dramaticamente do lado oposto quando se olha para o segundo pilar elencado para o desenvolvimento do País depois da proclamação da independência.

“O pilar trabalho é extremamente importante porque significava na altura que Moçambique ia viver na base do trabalho e o nosso futuro como colectividade dependia do esforço que íamos manter na constituição do nosso trabalho. Se olharmos para Moçambique de hoje, estamos dramaticamente no lado oposto. Não dependíamos do FMI, o Banco Mundial era uma coisa que aqui não existia, não dependíamos da ajuda dos americanos, canadianos e suíços, havia ideia daquilo que nós decidimos ser com o esforço que cada ia meter”, declarou o académico.

“Houve vigilância contra os xiconhocas, mas não fizemos contra nós próprios…”

Olhando para o actual estágio da corrupção em Moçambique, Severino Ngoenha referiu que o País falhou redondamente no que a vigilância diz respeito o que, de certa forma, facilitou a entrada da corrupção em Moçambique. Aliás, Ngoenha adverte que a corrupção na pérola do Índico não chegou do exterior, ou seja, nasceu e cresceu intramuros.

“Vigiamos muito contra a África do Sul e depois uma parte da Rodésia do Sul, vigiamos muito contra os xiconhocas externos. Alguma coisa a Frelimo não fez então, é que esta vigilância não foi introspectiva, ela não vigiou a soberania própria sobre os seus próprios elementos e foi da falta da vigilância que entrou a corrupção em Moçambique. A corrupção não chegou do exterior. Quando a UNIMO Chegou ela chegou para ajudar Moçambique a ficar democrático e dolacratizou Moçambique… houve vigilância contra os xiconhocas externos, mas não fizemos contra nós próprios e isso abriu espaço para Moçambique que temos hoje”.

Por sua vez, antigo ministro da Saúde, Ivo Garrido, observa que o País foi engolido pela teia da corrupção, advertindo que a corrupção não se limita ao Governo, mas sim em todos os sectores da sociedade.

“Quando falamos da corrupção estamos a falar do Governo, mas todos sabemos qual é o Governo que temos, mas quando ouço falar de corrupção numa igreja não posso acusar Nyusi disso. Há dias, houve confusão numa mesquita que foram acabar num Tribunal e outro dia ouvi que há uma confusão na Igreja Veja Apostólica e que andam a se digladiar por corrupção. O assunto é sério, a corrupção não está limitada ao Governo, a corrupção é sistêmica e está em todos os sectores da sociedade. A sociedade está de facto doente. Bater no Governo está na moda, mas não é a abordagem científica mais correcta, vamos alargar, olharmos para a nossa sociedade”.

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