Capital político e Povo no Poder

OPINIÃO

Luca Bussotti

 

A literatura que lida com questões de análise política utiliza de forma frequente o conceito de “capital político”. Tal conceito identifica o valor que, na arena política, um partido ou um indivíduo tem com relação à sua capacidade de influência junto aos eleitores. Quem primeiro, provavelmente, formulou o conceito foi, em 1961, o americano Edward Banfield. Banfield, escreveu textos importantíssimos de sociologia política, tais como The Moral Bases of a Backward Society, de 1958, um estudo sobre uma pequena vila na Itália do Sul, através do qual formulou o conceito de “familismo”, em que os membros de uma família privilegiam os estritos interesses familiares (como no caso de clan mafiosos), desenvolvendo relacionamentos de desconfiança para com tudo aquilo que vem de fora, alimentando assim um circuito vicioso de fechamento que alimenta exclusão social e pobreza. E também, três anos depois, escreveu o livro intitulado Political Influence, que introduziu o elemento do capital político como moeda de troca entre pessoal político e potenciais eleitores, a ser usado com muita parcimónia e cuidado, em circunstâncias específicas. Pierre Bourdieu retomou o conceito, tornando-o mais popular, ao escrever, em 1991, o seu Linguagem e Poder Simbólico. Aqui, e em escritos posteriores, Bourdieu teoriza que o capital político consiste em créditos que o pessoal que actua no cenário político adquire e acumula, e que poderão ser resgatados em ocasiões específicas, como, tipicamente, processos eleitorais. A acumulação depende de uma série de comportamentos, tais como honestidade, promoção do interesse público, credibilidade e confiança diante dos cidadãos, entre outros.

Nem sempre o capital político se traduz em sucesso eleitoral, assim como nem sempre a acumulação de capital monetário resulta em investimentos bem-sucedidos. Temos muitos exemplos, na história política, que comprovam isso. Churchill, o líder inglês que contribuiu de forma decisiva ao sucesso dos Aliados contra os Nazistas de Hitler, perdeu as eleições de 1950 contra o laburista Atlee; Antonio Di Pietro, na Itália, o juiz da operação “Mãos Limpas” no início da década de 1990, cujo índice de popularidade era enorme, ao fundar o seu próprio partido não conseguiu arrecadar muitos votos, acabando por sair do cenário político. Em dias mais recentes, personagens como Trump e Bolsonaro perderam grande parte do seu capital político ao encenar actos de matriz anti-democrática, assaltando o Capitólio o primeiro, ou participando, o segundo, directa ou indirectamente, no assalto aos três poderes em Brasília no dia 8 de Janeiro deste ano.

Em Moçambique, neste momento pré-eleitoral, existem formações que aparentam ter um elevado capital político. Trata-se de formações antigas mas sobretudo novas, que entretanto representam um grande ponto de interrogação no cenário político do país. Em particular, o movimento conhecido como “Povo no Poder”, ou “Geração 18 de Março” constitui provavelmente o sujeito político que tem acumulado um considerável capital, ma que, até hoje, ninguém sabe se e como vai querer aproveitar este valor acumulado de confiança, pelo menos em algumas camadas da sociedade, principalmente os jovens inconformados com o sistema de poder da Frelimo.

O Povo no Poder apresentou-se como seguidor e continuador do rapper mais destacado de toda a lusofonia, Azagaia; sempre actuou de forma pacífica, tendo já vítimas entre as suas fileiras, como o jovem que, na manifestação do dia 18 de Março perdeu um olho, devido à desnecessária violência policial, ou outros que, de Maputo até Nampula, foram presos durante alguns dias por querer representar as instâncias do “povo”. O movimento levou a cabo acções pontuais e de grande eficácia, tais como a campanha sobre o Artigo 51 da Constituição (direito à manifestação), ou a fiscalização do recenseamento eleitoral, com base na transparência de tal processo, em contraposição com quanto o STAE – provavelmente à mando da Frelimo – fez em vários cantos do país.

Em suma, a somatória do legado do Azagaia, associado a campanhas sempre pacíficas, com mensagens claras e que invocavam transparência e justiça resultaram, provavelmente, numa acumulação significativa de capital político. Entretanto, se é difícil acumular capital político, em termos de credibilidade, é ainda mais complicado saber gerir e “gastar” tal capital. E o movimento está justamente nesta fase: ele vai ter que decidir, com a sua liderança difusa, o que fazer com este capital. As opções são várias: fundar um novo partido e concorrer de forma autónoma às eleições? Associar-se, em algumas autarquias, a quem já apoiou as acções do movimento, do lado das oposições, como Venâncio Mondlane em Maputo, ou Manuel de Araújo em Quelimane? Ou ainda formar coligações locais com outras organizações da sociedade civil, ou até com partidos novos, tais como Nova Democracia? Ou, simplesmente, abster-se da corrida eleitoral de forma directa, vigiando e fiscalizando a transparência do processo eleitoral no momento da contagem dos votos?

São todas opções possíveis, e daqui a poucos dias saberemos como é que o movimento decidirá utilizar o seu capital político nestas eleições autárquicas. O que é certo é que o Povo no Poder está na sua fase mais difícil, em que, de um momento inicial puramente “movimentista” terá de decidir sobre o seu futuro: se continuar a ser apenas um movimento de jovens anti-sistema que implementa campanhas pontuais para uma maior consciencialização da sociedade; ou se entrar de forma mais directa na arena política. Neste segundo caso, a opção de como entrar representa o seu maior desafio. O exame de maturidade do Povo no Poder já começou e todos os Moçambicanos estão curiosos em ver como é que ele irá correr.

Facebook Comments