FMA denuncia rombo e caça traidores da sua bolada

DESTAQUE POLÍTICA
  • Director financeiro e tesoureiro suspensos depois de descoberto esquema
  • A LAM pagou mais de oito milhões de meticais em serviços não prestados

A intervenção nas Linhas Aéreas de Moçambique tem duas facetas. Depois da investigação do Evidências denunciar pagamentos mensais de 1.5 milhão de rands, a Fly Modern Ark (FMA) vingou-se e recorreu ao rombo descoberto no início da intervenção e que, até semana passada, era usada como arma de chantagem para suspender a direcção do departamento financeiro. A decisão é uma tentativa de caça às bruxas, principalmente àqueles que questionam o procedimento ad hoc da empresa gestora. O departamento financeiro, chefiado por Armindo Savangane, pagou mais de oito milhões de meticais a uma empresa sem que esta tenha prestado serviços. Neste momento, há na LAM um ambiente de tensão e uma aparente medição de forças entre os actuais gestores e a FMA, onde esta última tenta mostrar que é um mal menor.

Evidências

Coincidentemente, trata-se do departamento que questionou o pagamento de 1.5 milhão da rands à FMA, uma reação que terá obrigado a intervenção até ao mais alto nível. Na edição passada, na reportagem investigativa que fez a capa, o Evidências expôs que o Governo e a Fly Modern Ark (FMA), proprietária da sul-africana Modern Ark Airline South Africa, mentiram sobre o modelo de compensação aos consultores das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) no âmbito da intervenção em curso.

No lugar de partilha de lucros como foi informado em Maputo, a empresa está facturar mensalmente cinco milhões de meticais, pelos dois gestores, por sinal, dono e marido da directora da empresa e um especialista malawiano, que foi director comercial da quase liquidada South African Express. O dinheiro é retirado da conta da delegação da LAM na África do Sul, em facturas com irregularidades, dentre as quais a omissão do número de Value-Added Tax (VAT, que equivale ao NUIT em Moçambique), indiciando fuga ao fisco.

E que a emissão da primeira factura foi quase recusada pela contabilidade da LAM, mas o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, o mesmo que disse que a intervenção não envolve custos, mas sim partilha de lucros, emitiu um despacho de conforto, autorizando um pagamento imediato à FMA.

Na semana que o Evidências deu entrada ao pedido de respostas sobre estes factos, recorrendo ao artigo 48 da Constituição da República de Moçambique, conjugado com a Lei do Direito à Informação (Lei n˚ 34/2014), uma fonte interna disse ao Evidências que o ambiente de tensão e desconfiança aumentou.

E o departamento financeiro, que mostrou pouca colaboração ao pagamento das facturas irregulares da FMA, com fortes indícios de fuga fiscal, foi tido, de imediato, como o mais suspeito de fuga de informação.

Ao mesmo tempo, era o departamento-chave, porém tido como incompetente, a ponto de chegar a confundir o activo com passivo, facto que colocou a LAM numa posição de empresa insolvente.

A descoberta de um pagamento de oito milhões de meticais à uma empresa de refeições, sedeada no norte do País, através de um esquema articulado por dois ou quatro funcionários, veio a constituir uma prova inequívoca de que, mais do que incompetência, como propalou a FMA, há roubo.

O Evidências soube que o gestor da empresa usada para o rombo de oito milhões de meticais foi ouvido pela FMA e pediu não ser exposto em troca da reposição de valor num prazo de seis meses.

Intervenção operacional contínua uma incógnita

Como ilustramos na edição anterior, irão somar-se exactos quatro (04) meses desde o início da intervenção dos gestores da FMA, que numa primeira fase devia durar seis meses, mas, bem antes do balanço, o período foi estendido à surdina, devendo durar quase três anos.

Neste período, a relação do Governo de Moçambique e a FMA não é transparente e tem se mostrado lesiva à LAM, apesar de uma narrativa triunfalista que se resume na “redução dos preços” e na “abertura de novas rotas”, duas iniciativas que, mais a fundo, a nossa reportagem apurou que não correm como propalado.

Todas as atenções estão concentradas em procedimentos administrativos, onde foram descobertas falcatruas que sugerem rombo, desde a tentativa de aluguer de aviões em períodos extensivos (sete anos), aumento de salários aos gestores sem aval ou parecer do IGEPE logo que foi feito o anúncio da entrada da Comissão da Gestão e, agora, o pagamento de oito milhões a uma empresa sem que esta tenha prestado serviços.

Mas a FMA não está isenta da farra. A questão é se sua intervenção, que é onerosa à LAM, compensa. O Evidências sabe que, além de 1.5 milhão de Rands que recebe mensalmente, a empresa tira da LAM os pagamentos referentes a contratação de técnicos que vão intervindo. O pagamento a consultores chega a custar 180 mil meticais por semana às contas da LAM. Estranho é que a FMA recebe cinco milhões de meticais por mês pelo mesmo serviço. A FMA só tem apenas dois funcionários, são os mesmos que estão a conduzir restruturação na LAM.

De referir que, inicialmente, o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, afirmou que “os honorários da FMA só serão pagos com dinheiro proveniente da melhoria de eficiência e do aumento das receitas das operações da LAM”. Uma posição que viria a ser secundada pela FMA na sua primeira conferência de imprensa. Mas, para surpresa de todos, a facturação iniciou 30 dias depois do início da intervenção na LAM.

Os pagamentos à FMA encontraram a direcção da LAM de surpresa e, tecnicamente, houve resistência das direcções que intervêm nos pagamentos por causa das irregularidades detectadas nas facturas e pelo facto de o anúncio público do Governo não prever qualquer pagamento aos dois gestores da FMA.

Para o efeito de pagamento mensal de 1.4 milhão de rands é usada a delegação da LAM na África do Sul, cujas receitas mensais, de acordo com a simulação feita pelo Jornal, estão muito abaixo de um milhão de Rands por mês, o que sugere que esta medida pode estar a colocar aquela delegação formalmente autónoma numa situação de incapacidade de pagar despesas operacionais.

Entre as irregularidades detectadas nas facturas emitidas pela FMA, que o Evidências teve acesso, consta a omissão do código de Value-Added Tax (VAT), que equivale ao Número Único de Identificação Tributário (NUIT) e a não descriminação dos serviços prestados ou que estão a ser pagos, limitando-se em afirmar que é a luz do contrato entre FMA e o IGEPE.

O IGEPE, em resposta ao pedido de informação sobre o contrato, na pessoa da presidente do Conselho de Administração, disse à nossa reportagem que todas as questões relacionadas ao FMA devem ser respondidas pela LAM.

“O que vocês pediram é informação financeira da LAM, então esta informação não está no IGEPE, está na LAM. É a LAM que deve responder”, disse Ana Senda, sem fazer referência ao contrato entre a instituição que dirige e a FMA.

O pedido de informação à LAM foi submetido tempestivamente e não tivemos qualquer resposta oficial ao fim de 21 dias previstos na Lei de Direito à Informação. Inicialmente, foi manifestada a vontade de responder, com um pedido de pelo menos uma semana, mas passaram três semanas e a instituição encolheu-se no silêncio.

Um contabilista sul-africano convidado pela nossa reportagem para analisar a documentação da empresa em Joanesburgo e as respectivas facturas disse que a omissão de VAT configura uma infracção. No entanto, pode-se ponderar a não discriminação dos serviços prestados, porque a factura refere que o pagamento é a luz de um contrato.

O que para o jurista Andre Thomashausen não é razoável, visto que se trata de um trabalho de consultoria. “Esta factura surpreende porque não é discriminada, não tem os pormenores e nem os pormenores costumeiros desse tipo de trabalho. É preciso especificar o nível do pessoal envolvido no projecto e a categoria”, observou.

Ademais, entende que o Governo de Moçambique precisa ser transparente e explicar os contornos do pagamento e a transição de um modelo de partilha de lucro para pagamentos mensais que podem ser lesivos à empresa, neste caso a LAM.

“O melhor modelo é o de partilha de lucros, porque se o exercício fiscal aumentar em 10 por cento, eles podem ganhar X. No momento em que a empresa começar a fazer lucros eles vão ganhar mediante este sucesso, normalmente a parte fixa mensal é baixa, é para cobrir os custos da consultoria. Ou seja, a consultoria participa no risco do sucesso, porque se fosse diferente eles poderiam ganhar grandes somas sem ter o sucesso, talvez ficariam com interesse em atrasar a viragem da empresa, porque no momento em que a empresa é estável a intervenção ou o serviço da consultoria não seria mais necessária”, observa o jurista.

Facebook Comments