Greve dos médicos: Um jogo de forças que expõe a irresponsabilidade de um Governo

EDITORIAL

Os médicos decidiram continuar, desde ontem, 31, a greve iniciada no dia 10 por mais 21 dias, depois de uma paralisação que terminaria neste domingo (30). O argumento da Associação Médica de Moçambique (AMM) é de que durante os primeiros 21 dias não receberam nenhum contacto do Governo.

Como já é sabido, os médicos protestam contra cortes salariais e falta de pagamento de horas extraordinárias, entre outras reivindicações que têm feito aumentar o tempo de espera dos doentes nas diferentes unidades sanitárias do país. E do governo, pouco ou nada se pode esperar. Nos últimos dias mostrou ser tão irresponsável e negligente que não se importa que morram tantas pessoas ou que outras desenvolvam complicações medicas por falta de assistência adequada.

Com a sua atitude, o Governo esvaziou o seu nobre slogan “O nosso maior valor é a vida” e activou o modo “Salve-se quem puder”.  Bastou chamar alguns técnicos e juntá-los a um grupo de estagiários ainda crus, com cheiro a escola, para o governo dormir tranquilamente na sombra da bananeira, enquanto espera que os relatórios de óbitos desta falta de seriedade sejam ocultados.

Quem passou pelos principais hospitais nos últimos dias, depois do início da greve, vivenciou a degradação aguda de um serviço que antes mesmo da greve funcionava com sérias dificuldades. Nestes dias de martírio, uma minoria dos que têm uma mínima estabilidade financeira recorre às clínicas e hospitais privados, onde os preços são seriamente especulativos, mas grande margem da população está a ser, de forma mais grosseira, privada de assistência médica, com argumentos de que suas dores podem ser adiadas e apenas os que querem serviços de urgências merecem assistência.

São todos informados do atendimento ou não, depois de uma longa espera na fila da espera, onde testemunham a dor aguda daqueles que buscam urgências, um cenário que expõem a insensibilidade de um governo que não tem a mínima consciência do caos que a greve está a causar nos hospitais.

Se o ministro Tiago visitasse, sem uma prévia comunicação, um dos hospitais, protegia-se de falsos relatórios que anunciam uma situação controlada, quando o retrato real é outro. E, talvez, faria o mínimo para cobrir aquela aparente e palpável insensibilidade de Executivo, ao recorrer a ameaça quando não está em posição de grandes exigências.

É preciso que o Governo tenha pelo menos um retrato real de si. De um executivo não honesto, metido em mentirinhas, acabando, por isso, em não ser levado a sério sempre que renova as suas promessas, até a ponto de ser colocado na parede pelos profissionais de saúde. E não são apenas os médicos que têm essa visão de governo, é toda saúde que sabe que o governo actual vive de promessas atabalhoadas, como aquelas da TSU, e que por isso não transmite credibilidade nas negociações, o que pode ter levado os médicos a ir até pela via dura, até ao extremo.

Assumir a mesma posição que dos médicos ou recorrer a ameaça de cortar salários nos coloca cada vez mais longe de ultrapassar o impasse e expõe um governo irresponsável, que não se importa de matar pessoas. Até aqui não se sabe quantas mortes isto pode estar a causar, mas se as estatísticas fossem tornadas públicas, poderíamos chegar a números catastróficos e até concluir haver crime contra a humanidade.

O sistema nacional de saúde por si só já estava um caos e à beira do colapso por problemas de vária ordem que aqui já reportamos. A greve só veio acelerar a degradação. O sonho é que, dez anos depois, pelo menos sobre alguma coisa neste país, porque já não é mais possível encobrir rastros de destruição, até na saúde.

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