Ordem dos Médicos de Moçambique legitima greve e mostra preocupação com desinteresse do Governo

DESTAQUE SAÚDE
  • Governo está a substituir médicos por técnicos e estagiários despreparados
  • OrMM lamenta o facto dos médicos estarem a ser substitutos por técnicos não capacitados
  • “As vidas dos pacientes devem ser vistas e respeitadas” –  Gilberto Manhiça
  • Há hospitais sem corrente eléctrica por falta de pagamento de facturas

Não há estatísticas fiáveis sobre o número de óbitos ou vítimas de negligência médica por causa da greve dos médicos, mas a gestão da greve dos médicos por parte do Governo pode roçar contornos de um atentado aos direitos humanos. É que, o Executivo de Filipe Nyusi atingiu um nível de insensibilidade e tal que não se importa com o número de vítimas que a ausência de médicos especialistas nos hospitais a vários níveis tem estado a causar. As negociações entre o Governo e a Associação Médica de Moçambique (AMM) não chegaram a bom-porto e aquela classe profissional decidiu prorrogar a greve por mais 21 dias, totalizando quase um mês e meio de paralisação. Em clara e flagrante crise de liquidez, o Governo, através do Ministério da Saúde, não parece ter argumentos para convencer os homens de batina branca a voltarem aos hospitais, e como solução, para além de desdramatizar o colapso do sector, tem estado a apostar em médicos estrangeiros e militares para garantirem serviços mínimo, para além de estudantes estagiários e técnicos despreparados em diversas unidades de saúde. A Ordem dos Médicos de Moçambique (OrMM), apesar de não ter um estatuto sindical, legitimou que a greve dos profissionais de saúde mostrou-se preocupada com desinteresse do Governo em relação à greve que tem colocado o Sistema Nacional de Saúde a beira do colapso, tendo lamentado ainda o facto de técnicos não capacitados estarem a substituir os médicos que aderiram à greve, sem que o governo se importe com as consequências desta negligência.

Duarte Sitoe

A Associação Médica de Moçambique revelou, depois da reunião ocorrida na última semana, na Cidade de Maputo, que o Governo tem se socorrido da actual situação do país como cavalo de batalha para se abster de cumprir com as suas responsabilidades.

Por reconhecer a falta de liquidez nas contas públicas, os médicos, que acusaram o Executivo de mandar recados através da imprensa ao invés de pautar pelo diálogo, abriram mão de algumas das reivindicações no âmbito do acordo rubricado em Fevereiro do corrente ano, mas as poucas coisas que foram prometidas não estão a ser cumpridas.

“Cedemos na redução dos subsídios de exclusividade de 40 por cento para cinco por cento, do subsídio de turno de 30 para cinco por cento e assim em diante. Portanto, nós temos consciência das dificuldades que o nosso país enfrenta, mas o que nós não percebemos é que, no meio destas dificuldades, estejam a ser realizadas reuniões, formações, seminários, fora da cidade de Maputo”, referiu o presidente da AMM, Milton Tatia, para depois denunciar que há hospitais que não têm corrente eléctrica por falta de pagamento de facturas.

“Não cabe ainda na nossa cabeça como é que numa semana em que um hospital da cidade de Maputo não tem energia por falta de pagamento, outro não tem água e o Hospital Central de Maputo, que é a maior unidade sanitária do país, não tem oxigénio porque não pagou o seu credor, seja realizada uma reunião de cinco dias na praia da Macaneta com todos os custos como deslocação, combustível, acomodação e ajudas de custos”, lamentou.

Para além das faltas que o Ministério da Saúde tem marcado aos médicos que aderiram à greve, Tatia revelou que há profissionais da classe que estão a ser alvo de ameaças.

“Portanto, é-nos difícil confiar que estes problemas de facto serão resolvidos. Temos estado a notar também uma onda crescente de intimidações que tem levado à marcação de faltas. Existem colegas que mesmo a prestarem serviços mínimos estão a ser marcados faltas. Há colegas que foram ameaçados no sentido de que não terão um parecer favorável para a renovação dos seus contratos e outros não terão nomeação definitiva”, denuncia.

OrMM lamenta o facto dos médicos estarem a ser substituídos por técnicos não capacitados

Na sua primeira intervenção pública depois do início da greve, a Ordem dos Médicos de Moçambique, através do seu bastonário, Gilberto Manhiça, disse que está a acompanhar o diferindo entre os médicos e o Governo com bastante preocupação, visto que é uma situação que gera um ambiente tenebroso a assistência médica a vida dos pacientes do sector público.

Manhiça lembrou que antes mesmo da greve um médico estava para 10 mil habitantes, o que de certa forma desvirtua as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e agora o rácio tornou-se abismal.

O Bastonário da Ordem dos Médicos de Moçambique observa que a actividade médica é de extrema importância e peculiar, dado que incide sobre o que é demais precioso no ser humano, a vida e saúde, referindo que os desfechos da greve têm repercussões graves sobre a vida dos pacientes, suas famílias, comunidade e país no geral.

Aliás, Gilberto Manhiça diz que a greve gera sobrecarga aos profissionais que continuam em actividade, questionando-se o slogan “O nosso maior é a vida” ainda impera no Ministério da Saúde.

“As vidas dos pacientes devem ser vistas e respeitadas como as nossas próprias, dos nossos cônjuges, pais, irmãos, amigos independentemente grau de responsabilidade assumida na cadeia do provimento dos cuidados de saúde a população, apenas desta forma poderemos ter a mais profunda sensibilidade e elevada sensatez para as decisões que tomamos quando discordâncias desta natureza ocorrem. Onde está o slogan ʻo nosso maior valor é a vida?ʼ quando presentemente desistimos de promover a saúde, minimização do sofrimento, retardar e prevenir a morte por deixar que a greve aconteça e perdure”, desabafou.

A Ordem dos Médicos de Moçambique lamentou o facto dos médicos que aderiram à greve estarem a ser substituídos por técnicos não capacitados, o que aumenta o tempo de espera e diminuição da qualidade no atendimento, e denuncia o desinteresse do Governo em chegar ao memorando de entendimento com os médicos.

“Consideramos que não é normal o manifesto desinteresse que o Governo tem mostrado para dar termo ao que correntemente está a suceder. Não se pode obter assistência médica com qualidade à custa do sacrifício unilateral dos quadros da saúde e dos médicos em particular. A luta pela qualidade da vida do médico e demais profissionais de saúde é luta pela qualidade da assistência do paciente, por isso saudamos o espírito tem norteado os colegas”, disse, reafirmando que a Ordem não tem carácter sindical, mas não está alheio ao que acontece.

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