A impressão digital do Presidente da República na corrupção

EDITORIAL

Desde o princípio, o esforço de desassociar o Presidente da República, Filipe Nyusi, foi por si uma denúncia de que ele tem algo a esconder, o que logo entrava em choque com aquilo que propalavam os seus mensageiros. As acções denunciavam a desonestidade do discurso. E a justiça foi puxada para servir esta narrativa, com argumentos de que os inimigos da pátria queriam colocar em causa a integridade do mais alto magistrado da Nação, ao pintá-lo com as cores indignas.

Mas o tempo, que parece ter muito mais a nos revelar neste enredo das dívidas ocultas, em rodagem em Londres e Nova York e em estagnação em Maputo (depois de julgados os comissionistas, enquanto prosseguem engavetados os vários processos autónomos), vai nos dando a verdade em fragmentos.

Desde o princípio que o nosso Presidente da República se mostrou em contramão do seu repto de combate à corrupção, combatendo apenas a corrupção onde o seu nome não é passível de ser chamado.

Hoje estamos a menos de dois anos do fim de dois ciclos de governação. E passam sete anos que não temos a versão dos factos do Presidente Nyusi sobre um dos maiores escândalos de corrupção do país. Não temos qualquer versão dele na primeira pessoa sobre um mal que constitui causa da falta de sucesso da sua governação. Não temos nada, seu nível de envolvimento e a única vez que foi ouvido foi a porta fechada. Mais do que isso, as suas declarações no decurso da instrução preparatória vieram a se mostrar fraudulentas com a exibição de novas provas no tribunal. E não foi chamado à responsabilidade por isso.

E agora, depois de recorrer a vários subterfúgios, que sempre tiveram a cumplicidade da PGR, decide optar pela única porta que lhe assiste no julgamento de Londres, a imunidade, dando corpo a especulação de que ele comeu, comandou o processo e esteve em todo processo de concepção daquilo que viria a ser o maior escândalo de corrupção no país.

Ou seja, depois de ser protegido em Maputo, prepara-se mais uma vez para sair pela porta pequena, mas o tempo cobrará, pois, querendo como não, a dúvida sobre o seu envolvimento ou não continuará presente no consciente dos moçambicanos e ficará lembrado como aquele que sequer teve a dignidade de esclarecer o grau de sua participação.

A história contemporânea revela-nos que quem não tem nada a esconder não foge, e não espera ser intimidado para dissipar equívocos públicos e não beliscar a sua integridade, afinal, a moral revela-nos que os cargos de direcção nos órgãos públicos não devem ser ocupados por personalidades de conduta suspeita, quanto mais de Presidente da República.

Assim foi entendido pelo nosso vizinho, o Presidente Cyril Ramaphosa, quando foi acusado de branqueamento de capitais e corrupção. Não recorreu a imunidade para se safar e deixar crescer a percepção de um governante corrupto. Isso geraria o que estamos a assistir agora, o desrespeito pela figura do Presidente da República. Os Doppaz’s que populam pelas redes sociais são um exemplo disso. Há mais exemplos de Presidentes que na primeira oportunidade decidiram dissipar equívocos sobre a sua integridade e se voluntariaram para prestar declarações à justiça, sem pensar em subterfúgios. Lula e Trump são exemplos disso.

Em Moçambique, para a nossa desgraça, até se aconselhou Armando Guebuza a não prestar declarações em público para que não se questionasse por que um presidente em exercício não podia seguir o exemplo. Mas o empreendimento fracassou e a verdade veio, e as consequências estão à vista de todos. O único que é alérgico a tribunais e a justiça é a causa dos vários males que enfrentamos como país, tornando o futuro mais incerto. Esta incerteza continua em qualquer moçambicano médio que se pergunta o que este não deixará de fazer para permanecer imune ou inalcançável à justiça?

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