- São flexíveis para cobrar dinheiro, mas não pagam em caso de sinistros
- Seguradoras violam contratos sob olhar impávido do Instituto de Supervisão de Seguros
- Na hora de pagar pelos danos há ping-pong entre seguradoras e corretoras
- Imperial Seguros chegou ao desplante de dar cheque sem fundos a seu cliente
Depois de mais de 10 anos pagando seguros, Yolanda Manhique vive uma das fases mais desafiantes da sua vida. Um acidente de viação deixou-a tetraplégica (sem movimentos ou movimentos condicionados do pescoço para baixo) e para além de ter visto de perto a morte, hoje vive amargurada não só pela dor de não se poder locomover sem depender de outrem, mas também porque a seguradora, que anualmente suga do seu dinheiro, recusa-se a assumir responsabilidade de pelo menos pagar pelo seu tratamento. O caso de Yolanda é apenas uma gota no oceano e um exemplo da desonestidade e desumanidade com que as seguradoras e corretoras de seguros tratam os seus clientes quando chega o momento de pagar as apólices de seguros. Os relatos são vários, envolvendo quase todas as seguradoras, tal como ilustram os relatos colhidos pelo Evidências, o que muda é o grau de crueldade daquelas que em pouco tempo se tornaram autênticas máquinas de fazer dinheiro. Todos os casos acontecem sob olhar impune do Instituto de Supervisão e Seguros de Moçambique, que quando contactado pela nossa reportagem disse que prefere sempre uma abordagem reconciliadora entre as partes.
Teresa Simango
O sector de seguros registou um aumento estável no volume da produção entre 2016 e 2021, passando de 621 para 877, num mercado composto, actualmente, por 18 operadoras de seguros, uma resseguradora, três micro-seguradoras, sete entidades gestoras de fundos de pensões complementares, 131 mediadores de seguros, entre outros.
No mesmo período, o volume de produção do sector registou um crescimento notável, passando de 10.6 mil milhões de meticais para 20.2 mil milhões de meticais. No entanto, apesar do aparente crescimento, o sector inquieta sobremaneira os moçambicanos devido ao comportamento das seguradoras.
Mariana Félix é o espelho da desilusão da actuação da Austral Seguros. Félix, mãe de seis filhos, perdeu o marido vítima de acidente de trabalho, mas até hoje ainda não recebeu, da seguradora, o valor que foi estipulado pelo Tribunal.
“O meu marido era eletricista e trabalhou por mais de 10 anos, antes de sofrer o acidente de trabalho, no dia 08 de Maio de 2021, que acabou por lhe tirar a vida. A empresa dele se responsabilizou por todos os gastos, incluindo as cerimónias fúnebres, enquanto aguardávamos que o tribunal decidisse qual deveria ser o valor da indemnização. No dia 24 de Janeiro de 2022, o tribunal ditou a sentença e ficou decidido o valor da indemnização. Depois disso, a empresa deixou de nos apoiar e passou a responsabilidade para a seguradora Austral Seguros”, declarou.
No entanto, a Austral Seguros decidiu contrariar a decisão do Tribunal, ou seja, ao invés de pagar a indemnização de uma só vez, prontificou a pagar em prestações.
“Em Maio de 2022, ligaram para mim e pediram que eu fosse buscar o valor da indemnização. Quando cheguei lá eles disseram que iriam pagar 36 mil meticais em prestações de três em três meses, contrariando a decisão do tribunal, que decidiu que o valor fosse pago de uma única vez. Voltamos à seguradora três meses depois para levantar a outra parte do valor, mas começaram a contar estórias. Percebi que a Austral Seguros não queria honrar com os seus compromissos e decidi levar o caso para a justiça. O Tribunal decidiu pela penhora dos bens da seguradora”, lamentou.
Mariana Félix contou que de lá a esta parte ainda não viu o seu problema resolvido, sendo que o tribunal, por sua vez, garante que os bens já foram penhorados, mas o caso continua sem desfecho, passados três anos.
Impar (Fidelidade) e Imperial engrossam a lista das seguradoras incumpridoras
Quem também está de costas voltadas com as seguradoras é Yolanda Manhique, que ficou tetraplégica na sequência de um acidente de viação ocorrido em 2020, tendo solicitado a seguradora (Impar, agora Fidelidade Ímpar em resultado da fusão das duas seguradoras) o seguro para o seu tratamento, mas, debalde, recebeu a informação de que não podia beneficiar do mesmo porque a sua lesão estava abaixo dos 75% estabelecidos para o pagamento de apólice.
“Aderi ao seguro no âmbito da abertura da conta bancária, após o acidente dirigi-me ao banco para saber de que forma poderia ter acesso ao valor do seguro. Explicaram que tinha direito a apólice de seguro por estar incapacitada e que deveria escrever um documento a pedir a reposição dos valores gastos com a medicação. Foi aí que as dificuldades iniciaram”, relata.
A vítima do cartel impune das seguradoras conta que a sua seguradora, mesmo ela estando naquela situação, nunca deixou de cobrar o seguro, chegou a pedir vários documentos, dentre eles o relatório da medicina legal para perceber o grau da lesão.
“Gastei dinheiro do meu bolso para tratar os documentos. Depois de tantos exames, recebi a informação de que a minha lesão era de 45% e não podia beneficiar do seguro, mas se esqueceram que depois do acidente fiz fisioterapia”, disse.
A fonte chega mesmo a desconfiar a existência de alguma cumplicidade entre a seguradora e a medicina legal para falsear laudos, pois aquela informação médica foi determinante para a operadora ser ilibada das suas responsabilidades, de tal forma que mesmo a vítima tendo ficado tetraplégica, a Impar prontificou-se somente a custear as despesas de transporte.
“O dinheiro oferecido pela seguradora não seria suficiente para cobrir o desgaste emocional adquirido durante os anos que sofri ao tratar este processo. O que eu realmente queria era o pedido de desculpas por parte da seguradora pelos transtornos causados durante a tramitação do processo. Eles não valorizam os clientes, só valorizam os clientes quando querem recrutar para vender os seus serviços, na hora de prestar a responsabilidade não tratam as pessoas como humanos, para eles nos darem dinheiro é um processo muito moroso, que até chega a doer”, desabafou.
Seguradora Imperial passa cheque sem fundos a seu cliente

Por sua vez, António Saíde, residente em Inhambane e usuário do seguro de Responsabilidade Civil Automóvel, num belo dia, na tentativa de escapar de um acidente de viação, foi embater num poste, tendo prontamente solicitado a Imperial Seguros para a reparação dos danos da sua viatura, porém não teve resposta satisfatória desde 2020 a esta parte.
“Após o acidente, segui todos os procedimentos estabelecidos no contrato para que o meu processo fosse tramitado e até agora não tive nenhuma resposta para reparação da minha viatura. Depois de esperar muito sem resposta, optei por alugar uma viatura enquanto aguardava pela resposta da companhia de seguros e com meios próprios decidi levar o meu carro para certas oficinas, onde tive várias cotações, em Inhambane, e outras que mandei vir de Maputo. Encaminhei para a corretora na perspectiva de que eles poderiam negociar directamente com as oficinas e solucionar o meu problema, mas não tive nenhum desfecho”, denuncia.
Depois de muitas tentativas, Saíde recebeu dois cheques de 10 mil meticais, mas quando foi ao banco descobriu que o mesmo não tinha fundos, tendo decidido levar o caso para a justiça.
“A procuradoria contactou o proprietário da corretora Amal Corretores de Seguros e um dos funcionários da empresa para ter o desfecho do assunto, os mesmos prometem pagar, o banco entrou em contacto com eles e não teve resposta, neste momento a corretora encontra-se fechada e os donos em parte incerta”, revela.
A reparação da viatura está orçada em cerca de 230 mil meticais, mas até ao momento Saíde só recebeu quatro mil meticais da corretora por via do M-Pesa, em duas prestações mensais.
“No princípio deste ano, a corretora, de tanto ser pressionada pela PGR e SERNIC, acabou se comprometendo a pagar um valor de 5000 meticais para arcar com os danos da minha viatura, mas só recebi 4000 meticais, que foram canalizados em duas prestações, e sequer cobrem os danos na viatura e os prejuízos decorrentes do processo”, sustenta.
Corretora diz ter pago 200 mil, mas só recebeu dois cheques sem cobertura
Contactada pelo Evidências para dar a sua versão dos factos, a Amal Corretores de Seguros assumiu que está em dívida com António Saíde e que já pagou cerca de 200 mil meticais.
É que existe um ping-pong entre a seguradora e a corretora. A Imperial Seguros exime-se de qualquer responsabilidade, pese embora o pagamento da apólice de seguros seja da responsabilidade da companhia de seguros e não da corretora de seguros.
“É um assunto que está, de facto, a correr desde a altura da Covid-19, de tanto a seguradora demorar ressarcir os danos do cliente, nós fomos obrigados a pagar 200 mil meticais, dos 230 mil meticais orçados para a reparação da viatura, dentro das nossas condições, para manter a boa imagem da corretora. Pagamos este valor no sentido da seguradora nos reaver, só que com o entrada da Covid-19 tivemos alguns problemas para concluir os 30 mil meticais, os clientes já não estavam a fluir, não conseguimos ter clientes para satisfazer a demanda deste cliente”, refere.
Embora a corretora diga que pagou 200 mil meticais pela reparação da viatura, Saíde diz desconhecer este valor. Jura de pés juntos que só recebeu dois cheques sem cobertura, de 10 mil meticais, entretanto devolvidos pelo banco e muito recentemente recebeu duas prestações de 2000 meticais, perfazendo 4000 meticais.
“Este assunto está, neste momento, no Instituto de Supervisão de Seguros porque não é nossa tarefa pagar, enquanto encaminhamos o valor para a seguradora. A seguradora paga-nos apenas comissão, que serve para o nosso uso”, reclamou a fonte.
ISSM diz que faz monitoria permanente e age quando há recusa ou morosidade
Contactado pelo Evidências, o ISSM, IP diz que em casos de incumprimento das cláusulas estabelecidas no contrato de seguros por ambas as partes, há um procedimento estabelecido no quadro da regularização amigável de sinistros, fixando os direitos e deveres de cada uma das partes da relação contratual de seguro, designadamente o seguro e seguradora.
“A intervenção do ISSM, IP verifica-se quando há desentendimento entre as partes, seja por recusa ou morosidade no pagamento da indemnização, bem como por pagamento de valor inferior ao contratualmente esperado. Neste caso, o papel do ISSM, IP é aproximar as referidas partes, com vista a obtenção de uma solução negociada do assunto”, esclarece.
Segundo esclarece a nota recebida na nossa redação em resposta ao nosso pedido de informação, esta aproximação consiste na notificação feita pelo ISSM, IP à seguradora, para prestar os devidos esclarecimentos, num prazo para o efeito afixado (normalmente 08 dias).
“Perante os esclarecimentos prestados pela seguradora, quando não satisfaçam a prestação do segurado, o ISSM, IP convoca as partes para um diálogo. Na impossibilidade de se alcançar consenso, a parte lesada, querendo, pode submeter o assunto ao foro judicial. O ISSM, IP tem feito monitoria permanente durante o ano, através da fiscalização off site, e trimestralmente fiscalização on site”, assegura.
Quando uma entidade habilitada ao exercício da actividade seguradora, resseguradora ou micro-seguro não apresente nos termos do RJS e demais legislação aplicável garantias suficientes, a entidade de supervisão, tendo em vista a proteção dos interesses dos segurados e beneficiários, bem como a salvaguarda das condições normais do desenvolvimento da sua actividade, o ISSM recomenda ao ministro a revogação da autorização para o exercício da respectiva actividade.
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