Estrada Macia-Chókwè com contornos de uma grande burla

DESTAQUE POLÍTICA
  • Tem três portagens, mas já está escangalhada antes da sua inauguração
  • Sinais claros de desgaste, crateras e fissuras expõem má qualidade da estrada
  • REVIMO diz que falta de inertes em Gaza ditou a escolha de revestimento superficial

Muito provavelmente dentro de pouco tempo o Presidente da República, Filipe Nyusi, poderá ser “arrastado” para inaugurar a estrada que liga os distritos de Macie e Chókwè, na província de Gaza, uma via que antes mesmo de ser entregue já apresenta sinais de degradação, fissuras, buracos e descolagem do fino asfalto, o que obrigou a que o empreiteiro voltasse atrás para, literalmente, tapar buracos de uma estrada que sequer ainda foi entregue. Neste momento, a única infra-estrutura cuja qualidade não deixa muito a desejar são as três cancelas de portagens já prontas para entrar em funcionamento logo após a abertura oficial do tráfego. Ao Evidências, a REVIMO, concessionária do troço e que vai explorar as três portagens, lança culpa ao empreiteiro e garante que está blindada por uma garantia de quatro anos que consta do contrato, mas quando chamada a falar da qualidade e fina espessura do asfalto diz que é devido a questões de viabilidade financeira, pelo facto de Gaza não ter inertes (pedras), o que fez com que fossem trazidos de Maputo.

Reginaldo Tchambule 

Avaliada em cerca de 30 milhões de dólares, qualquer coisa como 2.6 biliões de meticais, a recém-intervencionada estrada que liga o distrito de Chókwè à EN1, concretamente na vila da Macia, província de Gaza, está a sofrer intervenções de vulto antes mesmo da sua inauguração, em resultado de enormes crateras e fissuras que se registam ao longo de parte considerável dos 60 quilómetros.

A infra-estrutura vital para o escoamento da produção e diversos outros fins nos distritos a Noroeste da província de Gaza está longe de espelhar aquilo que os sucessivos ministros das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Machatine e Carlos Mesquita, respectivamente, garantiram.

Nas sucessivas visitas que os dois ministros, em momentos distintos, efectuaram à obra, deram garantias de que foram acautelados todos os aspectos técnicos para garantir a durabilidade da estrada, assegurando que o empreiteiro estava a remover a base anterior e a fazer uma nova, mais robusta.

Aliás, no lançamento da obra, o PCA da empresa, Ângelo Lichinga, prometeu que as obras teriam uma garantia de durabilidade de pelo menos oito a 10 anos, ou seja, metade do tempo concessionado. Mas, no terreno, a infra-estrutura, executada pela empresa chinesa Zong Mei, não convence.

Sinais claros de desgaste, crateras e fissuras expõem qualidade da estrada

Evidências constatou no terreno o estado de degradação da via, sobretudo no troço Lionde–Chókwè, bem como a aparente má qualidade do material aplicado. Para além dos buracos e fissuras em fase de tapamento, foi possível notar que a estrada leva um revestimento de asfalto com uma espessura de menos de seis centímetros, o que ignora o facto da mesma ser construída numa zona pantanosa.

O material usado para resselar a base e a própria camada de ligação deixa muito a desejar. Em muitos pontos da estrada, a areia que serve de camada de ligação está a ceder por causa da erosão causada pela precipitação miúda de Julho.

Sem praticamente bermas revestidas, em pouco tempo a estrada está a sofrer desgaste nas partes laterais, havendo casos em que sofreu corrosão até à faixa amarela, ameaçando galgar as faixas de rodagem em pouco tempo.

Outro facto intrigante é que, apesar de ter somente 60 quilómetros, a infra-estrutura contempla três postos de portagens, sendo o primeiro em Mazivila, o segundo em Lionde e o terceiro no troço entre Chókwè e Mandjangue, para quem vai a Massingir, o que continua a ser objecto de contestação por parte dos moradores da região.

Adelino da Silva, activista social, residente em Chókwè, descreve o empreendimento como uma grande burla, pelo facto de estar a mostrar sinais de degradação antes mesmo de ser entregue. Mas não para por aí: critica a colocação da terceira portagem no entroncamento de Massingir, onde termina o troço ora reabilitado, o que significa que alguns automobilistas vão pagar portagem e de seguida descer para continuarem viagem numa estrada ainda em péssimas condições, ou seja, cheia de solavancos e buracos.

“Estamos a ser burlados. A intervenção que foi feita na estrada não condiz com o que foi prometido, por isso já apresenta graves fissuras. Assim, estão a pintar aquelas covas para depois nos entregarem uma coisa que não tem qualidade. A sede do Governo é de arrecadar milhões com as três portagens num troço de apenas 60 quilómetros. Por exemplo, não faz sentido que quem vai a Massingir seja obrigado a pagar portagem para depois entrar numa estrada esburacada. Isso é um roubo”, salienta.

“Presidente virá inaugurar uma estrada que está a ser remendada todos os dias”

Por seu turno, Crizildo Mabunda não vê grande vantagem na reabilitação da estrada porque em pouco tempo, pelo menos em Lionde, onde vive, a mesma voltou a se degradar. Por isso, tem dúvidas que a via dure muito tempo, até porque, segundo descreve, poderá não resistir à tração exercida por veículos pesados, incluindo tractores e outras máquinas agrícolas.

“Esta estrada não está bem feita. Está sempre em revisão. Daqui a nada o Presidente da República virá inaugurar uma estrada que não oferece nenhuma garantia de resistência. É uma grande vergonha. Não sabemos o que está a acontecer, se estão a poupar dinheiro ou se estão a usar material fraco. Aqui passam camiões grandes, de carvão e outras mercadorias, para além dos tractores que vão a Machamba, não estou a ver a estrada a resistir”, sublinha.

Quem também está indignado com a qualidade da via é José Muchanga, que lamenta o facto de, nas suas palavras, “a cada dia que passa” estarem a “surgir novos buracos. Conforme vê, está a ser remendada. Não sabemos o que está a acontecer”, começou por dizer Muchanga, para depois acrescentar que “daqui (Lionde) até a cidade de Chókwè a estrada está mal. Praticamente, poderá não durar muito”.

Bernardo Leite, outro residente de Chókwè, diz que, tal como outros moradores daquele ponto do país, encheu-se de esperança quando soube que a via seria reabilitada, contudo, confessa que está desiludido com o que vê.

“Sinceramente, não esperava que em pouco tempo, ou seja, antes da inauguração a estrada passasse por um processo de remendos. Acho que houve problemas de qualidade. Ouvimos que a estrada vai durar oito a 10 anos, mas pelo que estamos a ver, não vai durar muito. Isto preocupa muito a nós residentes desta cidade, porque teremos que pagar três portagens para voltarmos a andar numa estrada esburacada”, desabafou.

“É um processo normal” – REVIMO

Contactada pelo Evidências, a REVIMO, através do chefe do departamento de Estudos e Projectos, Cândido Dgedge, disse que a intervenção em curso na estrada antes da sua inauguração é um processo normal e que, se necessário, o empreiteiro poderá ser obrigado a refazer alguns troços.

“Tendo em conta que a estrada está na baixa de Limpopo, o que representa um desafio por causa da qualidade dos solos, nós nos salvaguardamos e fizemos um contrato do tipo chave na mão, em que o empreiteiro executa as obras e entrega pronta a usar. Por isso, digo que é um processo normal, em que está a se verificar defeitos numa secção definida, ou seja, entre os quilómetros 50 e 56”, descreve.

Sobre a descolagem do revestimento e fissuração, garante que se trabalhou dentro dos padrões de qualidade, no entanto as causas dos problemas actuais ainda estão a ser investigadas, mas quando questionado sobre a fina espessura do revestimento de asfalto, Dgedge alega que houve dificuldades para transportar materiais até a obra, pelo que se apostou na solução mais barata.

“Há várias soluções para a estrada. Há revestimento em asfalto, que é o que temos em grande parte das estradas e depois temos o revestimento superficial duplo. A província de Gaza, tendo escassez de inertes, a maior parte foi transportada das pedreiras de Boane para cá. Então, nós tivemos que encontrar condições condizentes com a situação, porque não é economicamente viável o revestimento de asfalto”, sublinha.

Prosseguindo, conta que as anomalias foram detectadas no decurso da monitoria regular, o que fez com que o empreiteiro fosse notificado para fazer a correção sem nenhum custo adicional para a REVIMO.

“Este contrato tem quatro anos depois da entrega, ou seja, o empreiteiro está lá para garantir que qualquer defeito e as manutenções sejam reparados. Por isso, digo que a REVIMO, contratualmente, está salvaguardada quanto à durabilidade da estrada. Neste momento, o empreiteiro está a reparar a estrada com recursos próprios”, assegura.

Quanto aos sinais de degradação das laterais da estrada, acentuada pela ausência de uma berma revestida, Dgedge atira culpa aos camiões de transporte de carvão por excesso de carga e pelo facto de quando avariam despejarem diesel que acaba corroendo a estrada. E mais, alega que se optou por não construir bermas revestidas porque o volume de tráfego que se faz na estrada não justifica.

“A REVIMO tem uma concessão por 20 anos, portanto, estão previstas mais intervenções e a estrada, assim como as bermas, podem ser ampliadas em função da demanda. Aquilo que foi feito tem em conta as questões financeiras e a sustentabilidade”, defende. 

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