PATRIMÓNIO CULTURAL

OPINIÃO

Afonso Almeida Brandão

Cidades há, por toda a Europa Ocidental, África Austral e PALOP, que preservam o seu Património, a sua Memória Histórica, a sua matriz identitária do tempo e do espaço urbano.

Cidades há, por toda a Europa Ocidental, África Austral e PALOP, que foram esventradas por guerras e bombardeamentos durante o séc. XX se reconstruiram, requalificaram, preservaram, protegeram e promoveram o seu Património Histórico, como dever de memória e sobretudo como salvaguarda de uma Matriz Cultural.

Cidades há, por toda a Europa Ocidental, África Austral e PALOP, onde as instituições públicas e igualmente as entidades privadas, investem e promovem o Património Histórico como atividade económica rentável que permite a sua conservação e manutenção, para usufruto das cidades e dos cidadãos.

Esta é uma realidade tangível em praticamente todas as capitais, mas também em grande parte das cidades europeias, africanas e CPLP. A literacia cultural é, e sempre foi, aquilo que diferencia as Sociedades Europeias e as Africanas da contemporaneidade de muitos países e Sociedades do Mundo — e não estaremos a dizer nada que não seja verdade onde podemos “enquadrar” (também) Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe neste “cenário” —. É a literacia cultural que permite que a cidadania participe e aprenda o valor da Memória e do Património e que possibilita o conhecimento e a valorização destes espaços.

Só se protege e só se valoriza aquilo que se conhece. É um conceito que poderia ser de Monsieur de la Palisse, não fossem as evidências comuns, sobretudo em Portugal, de que mesmo uma verdade evidente tem pouco eco nos decisores políticos e na sociedade portuguesas. Isto acontece, em grande medida, porque Portugal é um país onde as populações são culturalmente pobres. As classes dirigentes, com honrosas exceções, que também as há nos países que constituem a CPLP, transportam consigo, muitas vezes, a iliteracia cultural de origem. Moçambique não está isento de responsabilidades.

Em grande medida, os problemas que se colocam sobre as questões patrimoniais em Portugal e também nos países da CPLP, são eminentemente políticos. Políticos porque na sua esmagadora maioria são decisões administrativas, dependem de decisão da tutela e dos dirigentes da Administração Pública mais do que de qualquer outro critério. As questões financeiras associadas muitas vezes ao Património Cultural são um falso argumento. Dezenas de edifícios culturalmente relevantes, não dependem de investimentos financeiros por parte do Estado. Dependem, isso sim, de decisões da Administração Central para que os problemas se resolvam. Entre nós basta lembrar a Vivenda onde funcionou a antiga Sede da PIDE, em Maputo, que esteve durante anos a fio em ruínas. Para que isso aconteça, terá de existir a sensibilidade, a preocupação e o interesse por parte dos dirigentes para compreender a importância da salvaguarda desses bens públicos. A Administração Pública funciona tanto melhor e eficazmente, quanto exista projecto político consequente

Mas, no caso concreto a Moçambique e à Capital, Maputo, claro que a FRELIMO, no Poder desde 1975, nunca esteve preocupada com isso, tendo deixado o Edifício degradar-se gradualmente, ao longo dos anos…

A definição de uma estratégia política que traga reais benefícios e consequências para a salvaguarda do Património nas nossas cidades, é uma responsabilidade dos dirigentes políticos. É à Classe Política e os Governos, instruída e responsável, que cabe definir prioridades, procedimentos, parâmetros e mobilizar vontades.

Aqui chegados e a título de exemplo, podemos referir QUATRO EXEMPLOS, todos na cidade de Lisboa, em Portugal e apenas numa única Freguesia.

Em Alcântara, existem alguns edifícios culturalmente relevantes, de que destacamos, entre eles, o Convento das Flamengas ao Calvário; a Capela de Santo Amaro; o Palácio Burnay ou a Quinta das Águias. Todos estes quatro edifícios estão ou em estado de ruína, ou sem planos de conservação e em risco de degradação irreversível. Três desses edifícios são propriedade do Estado, mas a Quinta das Águias é propriedade privada.

O Convento das Flamengas é, a par da Capela de Santo Amaro, o mais antigo edifício da Freguesia. Fundado por ordem régia de D. Filipe I, abrigou até ao séc. XIX religiosas franciscanas, tendo sido incorporado na Direcção Geral de Bens Nacionais (DGBM) em Abril de 1887. Desde então teve variadas utilizações, e encontra-se, desde há vários anos, abandonado e em estado de degradação avançado, sendo que este edifício nunca foi classificado pelo Estado Português. Existe, há vários anos também, um projecto desenvolvido pelo Centro Social e Paroquial de Alcântara, no sentido de transformar e reabilitar aquele importante Convento num projecto social que dê resposta habitacional a idosos, jovens deficientes, vítimas de violência doméstica e inclusive uma parte do edifício dedicado a residência temporária de estudantes. Não será necessário justificar a importância e urgência de um projecto com estas características numa cidade como Lisboa.

Estes exemplos da cidade de Lisboa poderiam ser replicados em todas as cidades do país. Aquilo que é uma evidência para qualquer cidadão minimamente atento, não o é para a Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), a quem compete a decisão sobre o destino do Património Público. Esta Direcção Geral, de capital importância para o Património do Estado e para a revitalização das cidades e do seu edificado, tem a responsabilidade da gestão, conservação e alienação do Património Público. Dezenas de projectos, pedidos, apelos, alguns exasperados, por investidores, promotores ou defensores do património; a todos, a DGTF nada responde. A DGTF simplesmente não está capacitada para a missão a que está obrigada. O prejuízo está à vista de todos.

O Palácio Burnay, edifício classificado, mobilizou no último ano cidadãos e associações cívicas na sua defesa, depois de vandalizado e saqueado; e apesar da condenação em tribunal da DGTF que obrigou a algumas acções concretas para a sua protecção, nada foi feito e a degradação mantém-se, tornando algumas zonas daquele Palácio emblemático irrecuperáveis.

A Capela de Santo Amaro, património classificado, aguarda também há anos obras de requalificação. A CML promoveu uma delegação de competências na JFA para acelerar o processo. O orçamento e os estudos foram feitos, mas uma vez mais a espera pela decisão administrativa prolonga-se sem qualquer resultado à vista.

A Quinta das Águias, património privado, já mudou de proprietários várias vezes sem que nenhum projecto seja concretizado para a reabilitação de uma das mais notáveis quintas Novecentistas da Junqueira. Tudo situações de bradar aos céus!

Nesta matéria não é apenas o Estado que tem responsabilidades. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é igualmente responsável por estas situações. Ainda que o Património não lhe pertença, a CML tem instrumentos ao seu dispor que pode e deve utilizar para a salvaguarda do património da cidade. Qualquer proprietário privado detendo um edifício em mau estado de conservação recebe por parte da Edilidade uma notificação para obras de Conservação. Aliás, está previsto na Lei, de acordo com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), que sejam feitas obras de conservação e beneficiação de oito em oito anos.

É legítimo perguntar então por que razão a CML não notifica o Estado e a DGTF para obrigar estas entidades a manter o seu património conservado? Serão as leis da República apenas aplicáveis aos proprietários privados, sendo que o Estado, que é o maior dos proprietários, se isenta de responsabilidades sobre um património que é de todos?

A concluir, voltemos a Moçambique para perguntar aos Serviços de Direcção das Actividades Económicas (SDAE), à época, sob a tutela do Director João Munguambe — se o então Programa de Desenvolvimento Municipal de Maputo (PROMAPUTO), que funcionou entre 2007 e 2016 continua activo —, tudo isto aquando da reabilitação do Jardim Tunduro, outrora Jardim Vasco da Gama.

Quantos mais edifícios existirão, em todo o País, à espera de se proceder um levantamento rigoroso e urgente é a pergunta que se impõem e que deixamos formulada a quem de direito.

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