- Marcas da história justificam receio
- “É uma grande perda para os terroristas, mas não é o fim dos ataques” – Sérgio Chichava
- “A experiência mostra que quando morre um líder surge um outro” – João Feijó
- “Com morte de Matsangaíssa, o Dhlakama o substituiu e foi ainda mais eficaz”
As Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) anunciaram, na última sexta-feira, a morte do principal líder terrorista filiado ao Estado Islâmico, o moçambicano Bonomade Machude Omar, também conhecido por Ibin Omar, alvejado numa batalha épica nas matas de Cabo Delgado, durante a operação “Golpe Duro 2”, que foi directamente liderada pelo Chefe do Estado Maior General, Joaquim Mangrasse. No entanto, o pesquisador e docente da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Sérgio Chichava, alerta que embora a morte de Ibin Omar seja uma “grande vitória”, que momentaneamente pode afectar psicologicamente e enfraquecer o grupo terrorista, não significa o fim do conflito armado em Cabo Delgado, pois a história mostra que esses movimentos têm uma capacidade de se reinventar. Enquanto isso, o sociólogo e investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), João Feijó, diz que preferia que o Ibin Omar fosse “capturado vivo, para que, em sede justiça, fornecesse informações valiosas sobre o terrorismo”, sendo posteriormente julgado e condenado pelos seus actos.
Renato Cau
Após dias marcados por alguns revezes na luta contra o terrorismo, com relatos cada vez frequentes de emboscadas e ataques terroristas a bases das Forças de Defesa e Segurança, bem como das forças aliadas da SAMIM e do Ruanda, os moçambicanos receberam com agrado a informação de colocação fora de combate dos principais líderes do grupo terrorista que desde Outubro de 2017 semeiam dor e luto.
Entre os abatidos, numa épica batalha em que houve também algumas baixas na parte das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), está Bonomade Machude Omar, que era o principal líder dos terroristas e o homem mais procurado em Moçambique, constando também dos “most wanted” da lista dos terroristas internacionais procurados pelo Governo dos Estados Unidos da América.
A morte de Bonomade Machude Omar e de outros dois líderes do movimento animou os moçambicanos, contudo, analistas alertam que esta importante vitória das FADM não significa o fim do terrorismo.
Fazendo um claro lembrete ao cenário pós-morte do então líder da RENAMO, André Matsangaissa, que foi morto e mesmo assim o movimento seguiu guerrilhando, Sérgio Chichava diz ser “complicado saber quais serão as repercussões disto”, até porque “Ibin Omar já foi dado como morto várias vezes”, avançou.
“A confirmar-se a morte de Ibin Omar, de facto, é uma grande perda para os terroristas, mas isso não significa o fim dos ataques. É preciso eliminar as causas da insurgência, os factores que fizeram surgir esse grupo e que Ibin Omar tivesse seguidores. Falo da exclusão política, económica e social, a pobreza, a ausência do Estado. Essas são as raízes. E enquanto isso não for resolvido, essa insurgência de Ibin Omar pode ser derrotada, mas vão surgir outros insurgentes porque as raízes da insurgência continuam entre os jovens”, advertiu.
Chichava anota com bastante optimismo que desde o anúncio da morte do líder terrorista tem estado a receber informações confirmadas segundo as quais jovens outrora filiados à insurgência estariam se entregando às autoridades militares em Cabo Delgado, cenário esse que mostra claramente que o grupo está fragilizado. Em paralelo, congratula o posicionamento do Chefe de Estado em assumir que embora tenha havido esse avanço não significa que o terrorismo tenha acabado.
“É complicado prever o que pode vir a acontecer após a morte de Ibin Omar, pois se a insurgência conseguir eleger um novo líder poderia reagrupar-se e fazer ataques ainda mais violentos. É necessária uma contínua vigia das FDS no terreno, pois o facto da espinha dorsal da cobra ter se quebrado, não significa morte da cobra, ela pode sobreviver e pode recuperar”, alerta.
No seu entender, este acontecimento veio em parte “lavar a imagem do Presidente Nyusi; ele precisava de uma lufada de ar fresco para lhe dar um pouco de credibilidade de que pelo menos está a fazer alguma coisa. Acho que sabe que o nosso presidente não é levado a sério”.
João Feijó diz ser necessário analisar a credibilidade da informação difundida
Por sua vez, o sociólogo e investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), João Feijó, que já teorizou e fez muitos estudos sobre o grupo, diz ser necessário analisar a credibilidade da informação difundida, pois a “guerra é feita não só no campo de batalha, mas também nos meios de comunicação”.
“É preciso considerar o timing em que esta notícia foi publicada. Estamos a cerca de um mês das eleições, é uma altura muito boa para este tipo de notícia. O Governo precisa de um troféu para mostrar, e a única evidência que temos é o comunicado do comandante Mandrasse e do Presidente da República”, revela Feijó, lembrando que não é primeira vez que o Ibin Omar é dado como morto.
A se confirmar a informação, o sociólogo chama atenção para que se contenha a euforia, pois, segundo ele, isso pode irritar os seus seguidores fiéis e abrir espaço para uma retaliação.
“Este indivíduo pode ser um vilão para muitas pessoas, mas é um herói de outros. Há muitos moçambicanos para quem ele é herói, mas eles não podem aparecer. Para mim, após a sua morte não se devia mostrar o troféu, a mensagem devia ser outra”, critica.
Mas não pára por aí. João Feijó não acredita que a morte do Ibin Omar signifique de alguma forma o fim do terrorismo, até porque “a experiência mostra que, muitas vezes, quando morre um líder surge um outro substituto, tal como foi com Matsangaissa, que foi substituído por Dhlakama, que foi ainda mais eficaz que o primeiro”.
“O ideal era que ele fosse capturado vivo e fosse julgado, que pagasse pelo o que fez, fosse reinserido na sociedade e servisse depois como exemplo aos outros, para provar que há outras formas de lutar”, defendeu, alertando para a necessidade de resolução das causas internas do conflito em Cabo Delgado.
“Em algum momento fica para si a ideia de que os Governos, nos últimos 70 anos, sempre viram a contestação interna como manipulação da “mão externa” e assim foge da responsabilidade de resolver os problemas da população, e refere que se pode diminuir a capacidade de manipulação se as condições de vida das populações forem melhoradas, daí que questiona “o que adianta termos rubis, gás e outros recursos se a população não beneficia dessas coisas? Estão todos os jovens insatisfeitos e sem meios formais de se queixar ou protestar”.
Uma vez que as células do grupo ainda continuam activas, João Feijó receia que os ataques durem por muito mais tempo.
“Visto que as sub-células têm muita autonomia, sabem se reinventar e que estão preparados para morrer e eles têm grandes vantagens, eles estão preparados para uma guerra de longa duração”, refere.
Abriu-se nova página na luta ao terrorismo – CDD
Este posicionamento vai de encontro com o artigo publicado pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), que descreve que as informações da morte, nos últimos dias, dos líderes dos extremistas violentos que atacam a região norte de Moçambique, desde 05 de Outubro de 2017, é um passo importante alcançado pelas Forças de Defesa e Segurança de Moçambique em conjunto com as forças da SADC (SAMIM) e as tropas de Ruanda na luta contra o terrorismo.
Entretanto, segundo O CDD, este acto pode abrir uma nova página para o conflito e chama atenção para a necessidade de se aumentar a vigilância por parte das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique para as possíveis reorganizações do grupo extremista que geralmente quando perde seus líderes tende a nomear rapidamente outros, que entram com a vontade de procurar aceitação e legitimidade no seio do grupo, por isso pode tornar-se mais agressivo.
Bonomade Machude Omar já tinha sido citado em várias ocasiões como o principal líder do grupo extremista que actua em Cabo Delgado desde 2017. Em Março e Agosto de 2021, respectivamente, Bonomade foi considerado terrorista pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos de América (EUA) devido às suas actividades em Moçambique e ligações com o Estado Islâmico. Em Abril de 2023, o Conselho da União da Europeia incluiu o nome de Bonomade Machude Omar na lista de sanções da União Europeia pela responsabilidade em ataques terroristas e sérios abusos de direitos humanos em Moçambique. Além de ser um dos líderes do grupo terrorista que actua em Moçambique, Bonomade Omar fazia a ligação com o exterior, de acordo com o comunicado.
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