Projecto ECHO Moçambique comprometido devido a clivagens entre a direcção e colaboradores

SOCIEDADE
  • Colaboradores exigem demissão imediata do líder do consórcio, Júlio Pacca
  • Situação pode comprometer resposta à epidemia do HIV e SIDA
  • Trabalhadores contratados pela Abt acusaram a direcção de se eximir de pagar indemnizações

Quando faltam oito meses para o fim do ciclo, está instalado um clima de cortar à faca na gestão do projecto de Eficiências para o Resultado Clínico do HIV (ECHO – Moçambique), o principal programa clínico da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no país. Em causa está o descontentamento de cerca de 200 colaboradores contratados pelo ECHO, cujo parceiro líder é o Abt Associates, uma empresa norte-americana que está a implementar o projecto orçado em cerca de 209 milhões de dólares, e abrange quatro províncias, nomeadamente Sofala, Manica, Tete e Niassa. Os colaboradores acusam o actual director-geral do consórcio, Júlio Pacca, pelo ambiente turvo que se vive no seio da instituição, exigindo, por isso, o afastamento imediato do mesmo. Contactada pelo Evidências, a direcção da ECHO refutou todas acusações.

Duarte Sitoe

Os colaboradores do Projecto ECHO Moçambique estão de costas voltadas com o corpo directivo devido à falta de transparência em alguns processos no principal programa clínico da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no país.

Os trabalhadores contratados pela Abt Associates reivindicam a reposição dos seus direitos contratuais, mormente no que diz respeito a compensações previamente acordadas para quando se chegasse ao término do projecto, que inicialmente estava previsto para Abril de 2024.

Entretanto, as relações entre a massa laboral e a equipa que lidera a gestão do ECHO-Moçambique não se deterioraram apenas por questões de contratos, mas também de liderança.

Por este último motivo, os contestatários chegaram a escrever uma carta à direcção do ECHO exigindo a substituição imediata do director-executivo, Júlio Pacca, que também é representante nacional da Abt Associates.

Através do projecto ECHO, a USAID apoia o Governo de Moçambique a fortalecer a sua resposta à epidemia do HIV e SIDA, através da expansão do acesso à testagem, assegurando que as pessoas soropositivas recebam e permaneçam em tratamento, reduzindo assim a sua carga viral para melhor controlo do vírus.

A controvérsia das compensações

Para implementar o ECHO-Moçambique, num período de cinco anos, a USAID alocou fundos para a Abt Associates, liderada por Júlio Pacca, que por sinal faz a realocação para  diferentes organizações, a Viamo e a PathFinder.

No caso dos trabalhadores contratados pela Abt Associates, segundo eles próprios denunciam, a relação jurídica foi estabelecida mediante acordo de que estes estariam incorporados nas normas e políticas da instituição, que incluíam compensações, tal como a entidade vinha fazendo em outros projectos implementados no país.

Sucede, porém, que a poucos meses para o fim do projecto, os colaboradores foram surpreendidos com reestruturações “que não beneficiam o colaborador e que de forma indirecta obrigam-os a permanecer ligados a organização”, lê-se numa carta que o grupo dos trabalhadores enviou à direcção da Abt Associates, solicitando informações de esclarecimento.

Com a situação, os colaboradores do ECHO sentem que as suas expectativas foram defraudadas e a confiança quebrada, uma vez que, segundo relatam, em anonimato, trabalharam durante os cinco anos de implementação do projecto na esperança de um dia receber as compensações previstas no contrato.

“Acrescido a isso, durante o mesmo período, alguns colegas cessaram seus contratos e eles foram indemnizados nos mesmos termos”, referem, exigindo que os critérios adoptados pela instituição não produzam efeitos.

Ainda em anonimato, um outro colaborador relatou que neste momento vários grupos encontram-se desmotivados e mergulhados num mar de incertezas e se lembra das várias oportunidades que deixou para trás por conta das “falsas expectativas” que foram criadas para reter trabalhadores no projecto.

Inconformados, por via de uma correspondência electrónica, os colaboradores apresentaram as suas inquietações do ECHO em Julho último, tendo sido informados que as equipas legal e de recursos humanos da empresa estavam a trabalhar com a liderança dos seus projectos em Moçambique para analisar a prática de indemnizações da instituição.

“A indemnização é um pagamento fornecido quando o empregador rescinde o contrato de trabalho por motivos fora do controle do funcionário ou quando ocorrem mudanças estruturais dentro do projecto. Tais razões incluem falta de trabalho, reorganização, reestruturação, transição para outro projecto ou parceiro, necessidade de negócio, condição económica e término do contrato do projecto”, explica a Abt em resposta às preocupações dos seus colaboradores.

Projecto alargado por mais dois anos

Quando os colaboradores do ECHO foram contratados para viabilizar as actividades tiveram conhecimento de que o projecto devia terminar em abril de 2024, findos cinco anos de implementação, e como tem sido prática foi prometida alguma compensação a título de indemnização no fim do projecto.

Terá sido nessa perspectiva que, durante este período, eles trabalharam afincadamente, até porque “sempre ficou claro que o pagamento das compensações prevaleceria dentro daquela que é a prática da organização”, mas parece que tudo não passou de mera “ilusão”.

Recentemente, os colaboradores foram comunicados sobre a extensão do projecto por mais dois anos, passando o seu término para Abril de 2026, ao invés de 2024, uma informação que pelo menos foi muito bem acolhida mesmo pelos reclamantes, segundo relatam as nossas fontes.

Entretanto, estranham o facto de o mesmo não ter acontecido em relação às alterações feitas na Política de Indemnizações da organização, sobre a qual dizem ter tomado conhecimento de forma informal. Adicionado a isso, referem que não faz sentido alterar políticas dentro do mesmo ciclo do projecto. Idealmente poderia fechar-se o ciclo de cinco anos com as políticas previamente acordadas e praticadas nos projectos anteriores, abrindo assim uma janela para aplicação de outras políticas no período de extensão.

“Nós, os trabalhadores, não estamos contra as mudanças, mas sim estamos a reivindicar contra a possibilidade de uma eventual injustiça. Ou seja, sacrificar direitos e expectativas adquiridos da massa laboral que se dedicou ao longo da implementação do projecto”, acrescentam.

Segundo relatam, o que preocupa a estes colaboradores não é a extensão do projecto por mais dois anos, mas é o que pode acontecer ao fim do actual ciclo que está prestes a terminar, por exemplo, a perda dos direitos acumulados durante os cinco anos, com o agravante de haver uma “obrigatoriedade” de permanecer no projecto durante o período de extensão, mesmo insatisfeito.

Júlio Pacca: o chefe que ninguém quer

Os episódios relatados nesta reportagem esfriaram por completo as relações entre os membros da equipa do ECHO Moçambique. Actualmente, os gestores estão praticamente isolados dos demais colaboradores.

Por conta disso, eles exigem a substituição imediata de Júlio Pacca, líder do consórcio que integra organizações como a PathFinder, Viamo, ThikWell e Abt, e é o Director do Projecto, sustentando tratar-se da figura a quem deve recair toda culpa pelo mau ambiente que se vive.

Para verem a sua vontade satisfeita, uma outra carta assinada pela “comissão do grupo” foi enviada ao ECHO, apontando uma série de razões que consideram suficientes para Pacca ser substituído, com todas as acusações a recaírem para fraca capacidade de liderança.

Acusam Júlio Pacca de se furtar das suas responsabilidades “focando-se exclusivamente na campanha de mudanças de políticas que não beneficiam os colaboradores fiéis e abnegados.

“Não mais nos revemos com o seu modelo de liderança, baseado na intimidação, arrogância e prepotência, que cria e incentiva um mau ambiente de trabalho”, sustentam.

Igualmente, os trabalhadores dizem que a gestão financeira também é problemática, na medida em que as unidades provinciais foram retiradas autonomia financeira.

“Repetidamente, Júlio Pacca orienta que, em caso de problemas, os trabalhadores devem recorrer à justiça ou aos canais previamente partilhados, o que mostra fraca liderança e capacidade de negociação.

Abt refuta todas as acusações e defende Júlio Pacca com unhas e garras 

Na sua versão dos factos, a Abt Associates refutou todas as acusações dos colaboradores. Segundo Etelvina Mbalane, a remuneração naquela instituição está acima do mínimo exigido pela lei moçambicana, sendo que a mesma está acima das outras organizações que operam no país.

“Esta acusação é falsa. A Abt Associates fez uma revisão recente do seu pacote de indemnizações, prática comum feita periodicamente em todas as organizações. Como parte desta revisão, a Abt avaliou as taxas de mercado e continuará a cumprir as leis nacionais na determinação da nossa prática de rescisão. A nossa oferta actual tem sido acima do mínimo exigido pela lei moçambicana e a futura colocará a prática da Abt mais alinhada, mas ainda acima do que a maioria das organizações similares em Moçambique oferecem. Mais importante ainda, ajuda a maximizar a quantidade de recursos do projecto que vão para a nossa missão: fornecer mais e melhor tratamento que salva vidas a mais de 400.000 pessoas que vivem com o HIV nas províncias onde o projecto opera”, justificou

No que respeita às compensações e indemnizações, a directora-adjunta da Abt Associates referiu que foi, recentemente, realizada uma reunião para discutir futuras mudanças, mas as decisões que foram tomadas na mesma ainda não foram comunicadas aos colaboradores.

“Há duas semanas, a liderança sénior da Abt Associates realizou uma reunião de todo o seu pessoal em Moçambique para comunicar formalmente a futura mudança nas práticas de indemnização. Não há alteração na nossa actual política de compensações. Antes desta reunião, a liderança do ECHO realizou reuniões internas e confidenciais para discutir as futuras mudanças; no entanto, esta informação foi inapropriadamente difundida para todos os funcionários. Portanto, é possível que tenha ocorrido um desalinhamento quando o pessoal ouviu informações não oficiais e parciais através de canais paralelos, antes que a liderança estivesse pronta para divulgar totalmente o plano”.

Prosseguindo, Etelvina Mbalane defendeu Júlio Pacca com unhas e garras, referindo que o mesmo tem tido uma liderança excepcional, visto que não há provas de mau ambiente no principal programa clínico da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no país.

“A Abt Associates oferece vários canais para que a equipe expresse preocupações e feedback, incluindo vários números de telefone e endereços de e-mail. Mantemos políticas e práticas rigorosas de privacidade, confidencialidade e anti-retaliação. Todas as preocupações reportadas por meio desses canais são levadas muito a sério e minuciosamente investigadas. Até hoje, não recebemos quaisquer queixas credíveis sobre a liderança do ECHO, nem descobrimos quaisquer provas de um ambiente de trabalho pouco positivo. De facto, o ECHO e o Sr. Pacca demonstraram uma liderança excepcional. O projecto ECHO tem sido um sucesso retumbante em todos os aspectos desde o seu início em 2019. O número de pessoas que vivem com o HIV que recebem tratamento que salva vidas aumentou de 209.000 para mais de 400.000 em apenas quatro anos, no âmbito do projecto ECHO…”, concluiu Mbalane.

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