Em Moçambique, mais de 52% da população está abaixo de 18 anos e a taxa de trabalho infantil é de 22%, sendo que a pobreza extrema, sobretudo nas zonas rurais, continua a ser a causa que empurra milhares de crianças para a exploração infantil nas grandes cidades, estando muitas vezes expostas a prostituição e o comércio informal, duas formas de exploração que se juntam ao garimpo como as piores formas de trabalho infantil. Muitas dessas crianças ficam expostas ao consumo de drogas muito cedo, tornando-se, muitas vezes, dependentes ainda na adolescência.
Teresa Simango
Dados estatísticos do Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social apontam que mais de um milhão e duzentas mil crianças trabalham em Moçambique. Nampula é tida como uma das províncias com mais casos de trabalho infantil. De acordo com a direcção nacional do Trabalho, Emprego e Segurança Social, o problema está espalhado um pouco por todo o país, mas localiza-se sobretudo no comércio informal, nas actividades do garimpo e nos corredores junto às regiões fronteiriças.
A pobreza extrema é apontada como um dos principais factores que contribui para o aumento da exploração infantil, por isso o Governo, no âmbito da política do emprego, produziu, em 2018, o plano nacional para combater o trabalho infantil.
Muito por causa da pobreza a que estão expostas, várias crianças se tornam presas fáceis de verdadeiros circuitos de tráfico humano, sendo recrutadas das zonas rurais para trabalhar na cidade ou mesmo com promessas de continuarem os estudos, mas chegadas ao destino são submetidos a um trabalho degradante, para além de excederem as horas normais de trabalho, para garantir o seu sustento e das famílias de acolhimento.
José Raimundo, 12 anos, saiu do distrito de Chibuto, província de Gaza, para a Cidade de Maputo com uma mala cheia de sonhos. Raimundo pretendia trabalhar para custear os seus estudos, porém foi submetido a um trabalho escravo e fugiu da casa da senhora que o acolheu.
“Eu vivia em Chibuto, com meus pais, irmãos e avó. Estudei até a quinta classe e depois meus pais já não tinham dinheiro para eu continuar a estudar. Um tio veio para minha casa e falou com meu pai e minha mãe, disse que uma senhora estava a precisar de alguém para trabalhar na quinta dela e eu ia controlar as coisas dela e a noite estudar. Eles aceitaram”, relata.
Já em Maputo, começou o seu pesadelo. Começou a trabalhar de forma incessante, sofrendo maus tratos e sequer tinha tempo de ir à escola como foi prometido, o que o levou a tomar uma decisão drástica e fugir.
“Depois de um tempo eu fugi da casa dela porque não gostei da forma que ela me tratava, me maltratava, me batia e às vezes não me dava comida. Fui viver com uma senhora na zona do Benfica, que meu amigo disse que precisava de pessoa para trabalhar, agora vendo bolinhos e ovos, e no final do mês recebo 2 500 meticais. Com este dinheiro consigo ajudar a minha família em Chibuto e comprar coisas para mim. Gostaria de continuar a estudar, mas não tenho tempo e o dinheiro não chega”, declarou José Raimundo.
“Fui colocado numa casa com outras crianças e tinha que vender chips nas ruas”
Quem também saiu da sua zona de origem com propósito de triunfar na Cidade de Maputo é André Abdul, mas as suas ambições foram “sol de pouca dura”, o que de certa forma precipitou a sua entrada no mundo das drogas.
“Quando saí da minha província tinha 16 anos, me disseram que vinha a Maputo trabalhar como mecânico e teria a oportunidade de estudar e trabalhar para ajudar a minha família, mas chegado aqui a realidade era outra, fui colocado numa casa com outras crianças e tinha que vender chips nas ruas. Nós tínhamos metas diárias e quando não cumpríamos não poderíamos voltar para casa, não recebia quase nada, ficava na rua até muito tarde”, desabafa.
Um infortúnio na sua já desgraçada vida viria a mudar a sua trajectória e empurrar-lhe para o mundo das drogas.
“Um dia fui roubado dinheiro e o produto, não tinha como voltar para casa, fiquei nas ruas e conheci umas pessoas que disseram que tinham negócio para mim, eu tinha que vender droga e depois ia ter uma parte para mim, nesse processo de vender também acabei aprendendo a fumar. Um dia fui apanhado pela polícia e me levaram para cela, onde fiquei preso algum tempo e depois sai. Agora, vendo calamidade para sobreviver. Se eu pudesse voltar atrás não teria vindo para cá, e não aconselho pessoas a mandar as suas crianças para cá porque o sofrimento é grande”, relata.
Quando são vítimas de maus tratos, os menores preferem fugir da casa onde foram acolhidos e procuram outras casas para trabalhar. Jorge Chitico, vendedor de bananas no mercado da Malanga, contou ao Evidências que acolheu duas crianças que pediram emprego e casa para viver.
“Estou a vender banana no mercado há dois anos para ganhar o sustento. Tenho duas crianças que vivem comigo, que me ajudam, vendem ovo e banana e no final do mês eu pago 2500 meticais. Eles vendem duas caixas e meia por dia, de segunda a sexta-feira”, referiu.
Tentando disfarçar qualquer ligação com a rede de tráfico humano que recruta crianças das zonas rurais para a cidade, a fonte, que emprega menores, conta que é fácil conseguir meninos desesperados em ter trabalho na capital.
“É fácil encontrar pessoas para trabalhar, é só falar com essas crianças que trabalham no mercado eles se conhecem, no meu caso estas crianças vieram à procura de trabalho porque estavam a viver na rua e não tinham como se sustentar, depois eu recebi e lhes coloquei a trabalhar”, esclareceu.
MGCAS preocupado com os altos índices de trabalho infantil no país

A situação de crianças que vivem e trabalham em situação degradante na cidade de Maputo é do conhecimento do Ministério do Género, Criança e Acção Social (MGCAS), que garante estar a trabalhar de forma multisectorial para reduzir os altos índices do trabalho infantil no país.
“Estamos preocupados com este fenómeno e trabalhamos com algumas políticas de acção social como a Estratégia Nacional de Segurança Social Básica e o Plano Nacional para o Combate das Piores Formas de Trabalho Infantil. Consiste no fortalecimento da capacidade das famílias que são asseguradas pelos programas de protecção social básica do Instituto Nacional de Protecção Social (INAS), sensibilizamos e comunicamos as famílias através de seminários, palestras e debates radiofónicos para que não entreguem os seus filhos a pessoas estranhas”, declarou a responsável da repartição de Intervenção Comunitária, Pérsia Raso
Igualmente, o MGCAS diz que trabalha em coordenação com o Ministério do Trabalho, Polícia da República e Conselhos Municipais para o resgate das crianças e encaminhamento das mesmas para os centros de acolhimento transitórios.
“Quando descobrimos um foco de crianças a exercerem o trabalho infantil nós alertamos as autoridades que sancionam e responsabilizam os infractores, e o Ministério do Trabalho entra como regulador, resgatamos as crianças e colocamo-nas em centros de acolhimento de trânsito, enquanto se tramita o expediente para reintegração às famílias, temos contado com o apoio da OIM no processo de reintegração”, referiu, sem no entanto avançar o número de crianças já resgatadas.
No que diz respeito ao envolvimento de crianças vulneráveis ao consumo de drogas, a fonte conta que o ministério segue com a implementação da lei 06/96 de 02 de Fevereiro, que interdita a entrada de crianças em locais de diversão noturna.
“Igualmente em coordenação com o gabinete de combate às drogas fazemos palestras e sensibilizamos as comunidades. Pautamos sempre em dizer às famílias para se responsabilizar em cuidar e controlar as crianças, pois é nossa obrigação contribuir para a educação destas crianças”, afiança.
Por sua vez, Marta Mate, Directora Nacional do Trabalho, explicou que o Ministério do Trabalho e Segurança Social actua de acordo com o plano multissectorias aprovado pelo Governo, ou seja, o “Plano de Accão para o Combate das Piores Formas de Trabalho Infantil.
“Nós trabalhamos de acordo com Plano de Accão para o Combate das Piores Formas de Trabalho Infantil, sabemos do estudo anterior quais são as regiões com maior número de casos de trabalho infantil no país, por um lado, e sabemos que existem crianças que trabalham no comercio informal na Cidade de Maputo, mas estas crianças nem sempre são crianças exploradas, pode haver casos de crianças que são exploradas que vem a cidade de Maputo por pobreza, de facto, outras para ajudar as suas famílias sem serem exploradas. Existem também crianças pobres, que por iniciativa própria desejam ter algo por conta própria, também fazem estes tipos de trabalho”, referiu.
Refira-se que o Plano de Acção para Eliminação das Piores Formas do Trabalho Infantil (PNAPFTI) 2017-2022 enquadra-se na implementação do Pilar II do Programa Quinquenal do Governo 2015-2019, que foi estendido para 2024 e baseia-se nos princípios fundamentais da Convenção nº 182, de 1999, sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, e da Convenção nº 138, de 1973, sobre a Idade Mínima para o Trabalho, ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ratificadas por Moçambique em 2003, e é um produto da recomendação do estudo sobre o Trabalho Infantil, adoptado pelo Governo em 2016.
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