Mercado do Povo

OPINIÃO

Estêvão Chavisso

A partir da Karl Marx, no horizonte, já vejo o fumo do fogareiro do Baloi a anunciar que há mais um bêbado que precisa de um frango quentinho. Meu destino era outro, mas, quando dei por mim, estava sentado na barraca da dona Elisa, no meio da azáfama contagiante de um mercado que junta toda capital moçambicana: o mercado do Povo (O Povão).

É início de uma tarde de sábado de finais de Agosto e a função pública já tem os salários nas contas após a “confusão” da nova Tabela Salarial Única (TSU). Obviamente, o Mercado do Povo está abarrotado e pronto para dar espaço ao consumismo de uma juventude que ama a “má vida”.

Na mesa ao lado, a saia curta da menina que tem uma tatuagem de borboletas na perna esquerda é o centro das atenções. Aparentemente na ressaca do dia anterior, ela toma o clássico e revitalizador “petisco de dobrada”, denunciando os contornos de uma madrugada “cansativa” que acabou desaguando no “Povão”.

“Não há pão para malucos ali”, avisa-me um vendedor ambulante que notou que a saia curta da menina roubou a minha atenção. Dei de ombros, pouco antes de o ver desaparecer no meio da multidão.

Enquanto isso, entre gargalhadas, o grupo de camaradas de meia-idade que acompanha a menina de saia curta parece distraído com conversas sobre futebol. Definitivamente, esta parece a mesa mais animada do mercado, hoje, e há quem já arrisca uns passos de dança lamentavelmente descompensados.

A trilha sonora (de qualidade lamentável) que invade cada canto do mercado é o estilo musical sul-africano “Amapiano”, numa febre em que cada barraca toca as mesmas músicas, entretanto, em períodos diferentes.

É um “caos sincronizado” contagiante, pintado pelos raios solares que invadem os tectos de zinco das já degradadas barracas do “Povão” no frenesim de sábado.

“Como é que é, vais querer o mesmo de sempre”, questiona-me a funcionária da dona Elisa. Claro, respondi, com sorriso leve na boca.

Nos apertados corredores do mercado, comerciantes informais tentam promover produtos sob olhar desinteressado de uma clientela que está preocupada simplesmente com o estado da cerveja.

O mercado é o coração da capital e um retrato fiel da diversidade que marca Maputo. Por um lado, o desespero de quem tem de contornar os apertados corredores para vender algum produto e, por outro, o desinteresse de quem só precisa de mais um pouco de álcool, depois de dar cabo de um prato cheio de comida.

À semelhança do que se assiste um pouco por todo lado, a expansão da economia informal transforma gradualmente o “Povão” num mercado multifacetado, onde já se pode comprar um pouco de tudo.

Noutro dia, um tipo tentou vender-me um cabrito vivo enquanto eu almoçava na barraca da dona Elisa. Não perguntei se ele levava o cabrito no bolso ou como ele presumia que eu iria carregá-lo, mas ficou o registo de que é possível comprar tudo naquele local.

Mas o grande trunfo do “Povão” está na culinária que resiste às influências dos “finos” restaurantes instalados nos arredores e, à moçambicana, mantém um toque próprio, e de baixo custo.

Há executivos de gravata que procuram “Xiguinha de Cacana” no “Povão” durante a semana na hora do almoço e depois voltam para o escritório para debater contratos com fornecedores de milhões de dólares.

Não há regras de etiqueta no “povão” e o famoso frango do Baloi sabe melhor se for comido à mão.

A gestão de saneamento caótica é uma marca, um quadro típico de Maputo, mas, mesmo assim, o “Povão”, de boca em boca, prevalece uma opção incontornável para quem quer conhecer um pouco das diferentes facetas da cidade. O “Povão” é mais um entre os tantos patrimónios que sobrevive à mercê da sua sorte na capital moçambicana.

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