- CIP não cai nas ladainhas de António Boene sobre o impedimento legal
O presidente da primeira comissão do Parlamento, António Boene, remou contra a corrente, há dias, para defender que a lei não impede os secretários de Estado provinciais de se candidatarem como cabeças-de-lista para as autárquicas, referindo que a proibição abrange tão somente os secretários de Estado titulares do órgão central. No entanto, o Centro de Integridade Pública (CIP) não compra essa narrativa e revela que para além da sua candidatura ser manifestamente ilegal, o facto de Stella Zeca continuar a exercer as funções de representante do Estado na província sendo já oficialmente candidata da Frelimo para liderar o município da Beira confere-lhe vantagem em relação aos outros candidatos, tendo o aparato do Estado para usar ao seu dispor e promover a sua candidatura. Este dado constitui, assim, um campo de disputa política desigual relativamente aos demais candidatos.
Está instalado o debate em torno da permanência de Stella Zeca no cargo de secretária de Estado da Província de Sofala. Em causa está um aparente impedimento legal pelo facto de ter sido confiada recentemente para ser cabeça-de-lista da Frelimo na Beira.
A incompatibilidade foi denunciada de pronto, mas a Frelimo, obviamente preparando-se para uma eventual derrota de Stella Zeca nas urnas no dia 11 de Outubro, veio a terreiro através de um dos seus mais destacados juristas, agora emprestado à primeira Comissão da Assembleia da República, António Boene, tentar ludibriar os moçambicanos, diga-se, com uma dose de ladainhas.
Segundo António Boene, a incompatibilidade afecta apenas os secretários de Estado titulares do órgão central.
“A lei eleitoral considera como incompatível a função de Secretário de Estado e concorrente como membro a cabeça-de-lista de um partido para as eleições autárquicas. Relativamente ao Secretário de Estado na província, porque são figuras totalmente diferentes, aliás, a própria Constituição no artigo 159, número 2, na alínea D, diz que o Presidente da República, na qualidade de Chefe do Governo, pode nomear ou exonerar o secretário de Estado”, esclareceu António Boene.
No entanto, o Centro de Integridade Pública não compra esse discurso. No entender daquela organização da sociedade civil, a aprovação da lista de candidatura de Stella Zeca pela CNE representa uma violação da Lei que aprova o quadro jurídico para a eleição dos membros dos órgãos autárquicos (Lei n.o 7/2018, de 3 de Agosto), nomeadamente do presidente do conselho e dos membros da assembleia autárquica, que determina que a qualidade de candidato à titular dos órgãos das autarquias locais é incompatível com a qualidade de secretário de Estado.
Segundo o CIP, a Lei obriga que o cidadão que pretenda concorrer como membro dos órgãos autárquicos solicite a suspensão do exercício das respectivas funções a partir do momento da apresentação da sua candidatura.
Desta forma, logo que o partido Frelimo formalizou a sua candidatura, através da sua submissão aos órgãos eleitorais, Stella Zeca devia, nessa ocasião, ter solicitado a suspensão das funções de secretária de Estado na província de Sofala. E, se considerarmos que os secretários do Estado na província são nomeados, nos termos das disposições combinadas da al. e) do n.o 2 do artigo 157 e do n.o 2 do artigo 141, todos da Constituição da República (CRM), pelo Presidente da República, é perante a este que a actual cabeça-de lista para a autarquia da Beira devia solicitar a suspensão de funções.
Cabia a CNE, segundo o CIP, proceder à verificação dos processos individuais de candidaturas, entre outros aspectos, quanto à sua regularidade. Num prazo de 30 dias, o órgão decide pela aceitação ou rejeição das candidaturas , devendo, em caso de rejeição, fundamentar as razões, abrindo-se espaço para efeitos de supressão das irregularidades formais identificadas no prazo de 5 dias.
Sobre os pronunciamentos de António Boene, o CIP diz que a lei que aprova o quadro jurídico para a eleição dos membros dos órgãos autárquicos usa, nos termos da al. k) do n.o 1 do artigo 15, o termo “Secretário de Estado”, não se referindo, em concreto, se se trata do secretário de Estado na província ou de secretário de Estado, conforme o previsto nas als.d) e e) do n.o2 do artigo159 da CRM. Este dado abre espaço para alguma ambiguidade. Não fica claro se a al. k) do n.o 1 do artigo 15 da lei que aprova o quadro jurídico de eleição dos membros dos órgãos autárquicos quis abranger somente a figura de secretário de Estado, ou se inclui a figura do Secretário do Estado na Província.
“No entanto, essa confusão é aparente na medida em que os secretários de Estado têm a missão de garantir o exercício de funções exclusivas e soberania, e representam, sem distinção, o poder central nas áreas em que acuam. Uns fazem-no em todo o território nacional mesmo por conta da natureza das matérias que lidam (exemplo: Secretaria do Estado de Desporto e Secretaria do Estado da Juventude e Emprego) e outros encontram-se adstritos à província. Com isso, deve-se entender que a figura de secretário de Estado, previsto na al. k) do artigo 15 da lei que aprova o quadro jurídico para a eleição dos membros dos órgãos autárquicos, abrange todos os secretários de Estado. Trata-se de uma relação de continente-contido: todo o secretário de Estado na província é, antes, secretário de Estado só que actuando numa circunscrição territorial delimitada”, esclarece.
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