Desesperos e esperanças: vozes africanas

OPINIÃO

 Luca Bussotti

Há uma voz muito forte e poderosa que, repleta de desespero, vem da parte mais nortenha da África. É a voz das mais de 2000 vítimas do terramoto em Marrocos, que deixou toda a opinião pública mundial sem palavras. Um terramoto que tirou, como sempre acontece nesses casos, vidas humanas; mas tirou também muita história e convívio social. Um dos centros urbanos mais afectados foi Marrakesh, uma urbe que se confunde com a história do próprio país. Marrakesh foi capital de Marrocos durante muito tempo, antes de Rabat ser escolhida para desempenhar esta função, mas sobretudo é uma das cidades mais antigas do país, tendo sido fundada oficialmente em 1062 por Abu Bakr Ibn Omar, dando assim início ao domínio dos Almorávidas. Antes desta data, porém, Marrakesh era um vilarejo habitado fundamentalmente por tribos de origem berbere. A cidade se tornou logo centro de culto e de comércio, além de que de encontro de várias culturas e povos, e até hoje ela viu a pacífica convivência de berberes, árabes, hebreus, africanos e europeus, possuindo a praça mais frequentada da inteira África, Jamaa el Fna. O símbolo de resistência a este terrível terramoto é representado Marrakesh pela mesquita da Koutoubia (ou seja, dos livreiros), mas sobretudo pelo minarete de quase 70 metros, que foi danificado, mas que não desmoronou.

As zonas do Alto Atlas foram as que mais foram afectadas pelo terramoto. Por isso, a natureza não é suficiente para explicar um número de mortos tão elevado e danos materiais tão avultados. A comparação vai logo para o terramoto que aconteceu ainda este ano entre Turquia e Síria: um evento também catastrófico, de magnitude 7.9, portanto fortíssimo, que porém lidou com estruturas (em particular os edifícios recentes) frágeis, que se pulverizaram logo depois dos primeiros momentos do evento, não deixando saída nenhuma para quem se encontrava dentro das casas. Assim, fora do desespero, das vítimas e do património histórico e arquitetónico perdidos, a nível internacional seria necessário implementar um plano para conter os prejuízos em circunstâncias como essas.

O trabalho não é simples, nem imediato: entretanto, principalmente com as mudanças climáticas repentinas que estamos a viver hoje em dia, um mapeamento das áreas de risco (sísmico, hidrogeológico, etc.) é um passo necessário que todos os governos do mundo deveriam empreender. Um passo acompanhado, possivelmente, por medidas práticas, nas áreas julgadas de maior risco. Acima de tudo, iniciando a construir edifícios novos segundo as técnicas mais modernas e capazes de tutelar as pessoas diante destes eventos. Nenhum edifício poderá sair intacto de terramotos como os da Turquia e de Marrocos; entretanto, uma coisa seria um edifício danificado, com rachas, outra um edifício que desmorona depois dos primeiros segundos do evento…E que na sua implosão arrasta consigo dezenas de mortos e feridos.

O caso do terramoto no Marrocos representa um exemplo excelente a este propósito: o governo marroquino tinha aprovado, em 2011, uma lei segundo a qual as construções novas deveriam ter sido construídas segundo critérios anti-sísmicos, concentrando tais investimentos nas cidades mais populosas, entre as quais Marrakesh, que conta com quase um milhão de habitantes. Marrocos tem uma história não propriamente tranquila com os eventos sísmicos: só para recordar um terramoto relativamente recente, em 1960 Agadir foi quase que completamente destruída, e cerca de 12.000 pessoas perderam a vida. Desta vez, na zona mais populosa, a cidade de Marrakesh, os danos e as vítimas, considerando a entidade do sismo, foram relativamente limitados; onde a situação ficou mais grave foi nas montanhas do Alto Atlas. Aqui, habitações precárias foram completamente destruídas, assim como inteiros vilarejos cancelados do mapa. Taroudant, uma pequena cidade no sul do país, contabilizou 371 vítimas, provavelmente destinadas a aumentar. O governo não tinha feito nenhuma intervenção nestas zonas, pois acreditava-se que elas não corressem grande risco sísmico, segundo os estudos realizados até hoje, tão que terramotos anteriores não tinham passado a magnitude de 4 pontos da escala Richter.

As esperanças que provêm de Marrocos não são muitas, se comparadas com o desespero depois das primeiras horas passado o terramoto; entretanto, alguma luz existe. Acima de tudo, os resultados da planificação foram encorajadores. A limitação dos danos na cidade de Marrakesh diz muito acerca da importância da prevenção e da adopção do princípio da máxima cautela quando se lida com eventos catastróficos da envergadura daqueles que ocorreram na Turquia e no Marrocos. Em segundo lugar, a necessidade de cuidar da mesma forma de vilarejos recônditos (no caso de Marrocos empoleirados entre as montanhas, no caso de países como Moçambique, da África subsaariana dispersos no meio de planícies ou no mato) em que o Estado, geralmente, não chega, mas cuja presença se torna ainda mais necessária. Finalmente, a coordenação da ajuda humanitária: no caso de Marrocos a intervenção humanitária tem sido complicada, devido ao facto de que muitas das áreas afectadas resultam quase que inacessíveis; entretanto, parece que a prontidão de bombeiros, pessoal da saúde, exército e ajuda internacional tenha sido razoavelmente rápida e eficiente, tão de evitar mais mortos e, consequentemente, mais dor…Pequenos sinais, todos eles, que deixam alguma esperança de que, com uma agenda comprometida, futuros eventos catastróficos poderão ser abordados com mais consciência e com mais critério, enfrentando-os com um grau maior de preparação e de prevenção.

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