Guarda Presidencial agride jornalista sem justa causa em frente do Presidente da República

DESTAQUE POLÍTICA
  • Em pleno século XXI, querem tapar o sol com a peneira proibindo filmagem com celular
  • Em todo mundo, jornalistas usam celulares para o trabalho
  • A acção foi tão violenta que resultou na danificação do material de trabalho do jornalista
  • Presidente Nyusi desdramatiza e diz que seus seguranças agiram na emoção da vitória

Num dia de vitória e euforia por mais uma conquista para a pátria amada, houve quem viu parte das conquistas de toda uma classe profissional a serem rasgados e atirados para o lixo. É o caso dos jornalistas que estavam escalados para a cobertura do jogo entre Moçambique e Benin, que assistiram atónitos ao momento em que a guarda presidencial agrediu o jornalista Alfredo Júnior bem em frente do Presidente da República, Filipe Nyusi, que se preparava para responder a uma pergunta curiosamente feita por aquele consagrado jornalista desportivo. Após ser grampeado pelo pescoço e arrastado por cerca de cinco metros, numa cena degradante e humilhante, Júnior ficou a saber que a violência deveu-se ao facto de estar a captar imagens usando um smartphone, ignorando o facto de o mesmo estar devidamente identificado com um colete de imprensa e credenciado para a cobertura do jogo e ainda o facto de o equipamento estar acoplado a um estabilizador profissional conhecido tecnicamente como Gimbol, um recurso cada vez mais usado pelas maiores e mais prestigiadas cadeias televisivas do mundo para cobertura de eventos, incluindo entrevistas às mais distintas personalidades do mundo como o Papa e presidentes das maiores potências globais.

 

No momento em que os moçambicanos festejavam eufóricos a vitória dos Mambas, os jornalistas moçambicanos buscavam registar a história e os testemunhos de intervenientes das mais diferenciadas esferas. No entanto, enquanto se celebrava uma vitória desportiva, os jornalistas assistiam inertes uma das suas principais conquistas, a Liberdade de Imprensa, a ser pisoteada por elementos da guarda presidencial.

O acto aconteceu na zona mista do Estádio Nacional do Zimpeto, área de acesso livre e autorizado para jornalistas, onde estes, devidamente credenciados, ficam com o seu equipamento para falar com os protagonistas do jogo e outros actores, incluindo os dirigentes que por lá se deslocarem.

No entanto, apesar do jornalista Alfredo Júnior ser bastante conhecido e estar devidamente identificado e credenciado, foi nesta área de soberania da comunicação social seviciado e humilhado em frente ao Presidente da República, Filipe Nyusi.

O acto foi protagonizado por elementos da guarda presidencial, pertencentes à Casa Militar, que, pela primeira vez nos últimos anos, apareceram sem a farda militar que costumam portar em eventos civis, o que chegou a merecer algumas críticas na sociedade.

Quando foi atacado, o jornalista e fundador do LanceMZ, um dos mais prestigiados jornais desportivos da actualidade, acabava de colocar uma pergunta inofensiva ao Presidente da República, em que procurava extrair do mais alto magistrado da nação o seu sentimento perante a vitória e consequente qualificação dos Mambas ao CAN. Foi precisamente quando o Chefe do Estado preparava-se para responder que os seguranças pegaram o jornalista com bastante violência e o arrastaram uns metros longe de onde o Presidente se preparava para falar aos jornalistas.

Evidências apurou que a sessão de violência contra o jornalista só não prosseguiu porque houve pronta intervenção do ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil, Constantino Bacela, e o secretário de Estado da Juventude e Emprego, Oswaldo Petersburgo, que gritaram “deixem lá o Júnior”.

Informações apuradas pelo Evidências indicam que apesar da violência, o jornalista não sofreu nenhuma lesão física, tirando os danos reputacionais, morais e materiais, pois o seu telemóvel, que tem sido principal aliado para o trabalho, o seu estabilizador (Gimbol) e seus airpods profissionais ficaram danificados, o que compromete a continuidade do seu trabalho.

Pouco depois de assistir sem dirigir nenhuma palavra aos seus seguranças que protagonizaram a violência, o Presidente da República, no seu estilo característico espontâneo e informal, chamou o jornalista após o coro de revolta dos demais colegas e tentou o confortar, mas da sua boca não saiu nenhuma palavra de condenação ao acto dos nervosos homens da casa militar. O PR até desdramatizou, referindo que se tratava nada mais, nada menos, de um acto que se insere no calor da agitação criada pela vitória dos Mambas.

“Primeiro, pedimos desculpas pelos empurrões verificados. Este é sinal de um país que está há muitos anos sem alcançar uma conquista destas. As emoções são enormes e devem ser compreendias”, referiu o Presidente da República, para num tom sarcástico alertar os jornalistas para não murmurarem, sob o risco de reactivarem a raiva dos temidos homens da sua guarda.

Para o MISA Moçambique, que repudia esta e qualquer outra forma de agressão e intimidação a jornalistas, classifica a postura pouco proactiva e o tom sarcástico do PR como uma aparente banalização da acção dos seus agentes, ao ponto de associar a agressão à mera consequência do frenesim da conquista da selecção nacional de futebol.

“O MISA exige, por isso, que medidas correctivas sejam tomadas pelo chefe de Estado, porquanto os agentes em referência desobedeceram a ordem [de parar com a agressão] do seu comandante em chefe. Agindo desta forma, estar-se-ia a desencorajar este e quaisquer outros comportamentos vis à Liberdade de Imprensa protagonizados por indivíduos muito próximos do Presidente da República, evitando-se assim que a reputação do país seja manchada no capítulo de direitos e liberdades fundamentais”, sugeriu o MISA.

Em todo mundo, jornalistas usam celulares para o trabalho e para filmar grandes eventos

Segundo apurou o Evidências, o jornalista Alfredo Júnior foi agredido por pura e simplesmente ter usado o seu smartphone, acoplado a um estabilizador profissional de imagens, para captar a imagem do Presidente da República durante aquela cobertura para efeitos meramente jornalísticos.

A aversão ao uso do celular para captar a imagem do Presidente da República começou a vigorar a partir de 2017, quando o próprio Chefe de Estado começou a proibir que a plateia dos eventos o filmasse, tal como se viu aquando da sua visita naquele ano a várias unidades e instituições do Ministério dos Transportes e Comunicações, onde interrompeu o discurso no auditório do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) para repreender os funcionários que pretendiam registar o momento de interação com o mais alto magistrado da nação. A partir daquele ano, passou a vigorar o novo normal tanto em eventos do Estado, como em eventos do partido Frelimo.

Mas esta postura contraria e rema contra a maré do advento tecnológico no jornalismo, pois nos últimos anos o telefone celular, que oferece uma variedade de ferramentas para o trabalho dos repórteres no terreno, passou a ser um aliado inseparável dos jornalistas em todo o mundo, o que fez surgir, inclusive, uma série de soluções acessórias para tornar o uso do celular mais profissional.

Uma dessas soluções é o estabilizador igual ao que o jornalista Alfredo Júnior portava, que permite ter uma imagem estável. A este juntam-se outros recursos como microfones e lapelas, compondo o chamado “Kit Mojo”, (que advém da combinação das palavras Mobile Journalism ou Jornalismo Móvel na tradução literal para o português), que tem sido usado nas mais prestigiadas cadeias televisivas do mundo, como a CNN, BBC, DW, VOA e GloboNews.

No Brasil, por exemplo, a GloboNews, em Abril, anunciou que todos os jornalistas passariam a usar o Kito Mojo para transmissões ao vivo. Para tal, adquiriu e distribuiu os kits para todos os repórteres, o que tem estado a mudar a forma de fazer o jornalismo naquele país que não aceita ficar parado no tempo.

Enquanto o protocolo do Estado e a casa militar continuam a tentar parar o vento com as mãos, a indústria dos media está sendo transformada radicalmente pela tecnologia, de tal sorte que até líderes mundiais como o Papa já foram fotografados ou filmados por jornalistas com recurso a telefones celulares.

Aliás, até Filipe Nyusi já foi fotografado e filmado várias vezes com recurso a um telefone, como da vez da visita do presidente da Turquia, Recep Erdogan, que na sua comitiva levava uma equipa de televisão que filmava, já em 2017, com recurso a um smartphone e tablet. Nessa altura, não se viu a guarda presidencial moçambicana a violentar aqueles jornalistas estrangeiros.

Mas o mais caricato ainda é que essa não era a primeira vez que o jornalista Alfredo Júnior entrevistava o Presidente da República com recurso ao mesmo equipamento, como se viu, de resto, aquando da passagem do Presidente da República por Kigali, durante a participação da selecção feminina no Campeonato Africano da modalidade. A apertada, mas profissional, segurança do presidente Paul Kagame não importunou em nenhum momento o jornalista moçambicano.

Jornalistas desportivos protestam e exigem responsabilização dos agressores

Através da Associação Moçambicana de Imprensa Desportiva (AMID), jornalistas desportivos moçambicanos expressaram, esta segunda-feira, o descontentamento em relação à agressão ao jornalista Alfredo Júnior e à generalidade dos jornalistas presentes no Estádio protagonizada pela guarda de Filipe Nyusi.

“Este acto falhado surpreendeu pela brutalidade e uso desproporcional da força pelos agentes de segurança de S. Excia, Presidente da República. A AMID não vê razoabilidade para este assomo de violência. Deste facto, resultou, para além de danos físicos e emocionais, que o nosso sócio-fundador viu quebrados o telefone profissional, um gimbol (estabilizador para câmera de celular) e auscultadores”, relatou a AMID, saudando o gesto do Presidente da República que interrompeu a comunicação pedindo a presença do jornalista Alfredo Júnior, a quem endereçou as pertinentes desculpas.

Para a AMID, a atitude do PR mostra o seu distanciamento com os actos perpetrados pela sua segurança, por isso pediu que os agentes envolvidos na agressão sejam punidos exemplarmente, de modo a dissuadir a recorrência de actos similares.

“Proibir, em pleno Século XXI, que os jornalistas usem telemóveis nas suas coberturas é revelador do desconhecimento do novo ambiente profissional. Hodiernamente, o telemóvel é uma ferramenta versátil e essencial no arsenal de um jornalista moderno, permitindo-lhe acessar informações, comunicar-se efectivamente, colectar conteúdo multimédia, resultando numa cobertura mais ágil e precisa dos acontecimentos”, sublinha a AMID, exortando a todos os actores desportivos, clubes, federações e Secretaria de Estado do Desporto a respeitarem o trabalho dos jornalistas, provendo informação, sempre que necessário, e salvaguardando o direito à informação.

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